Famílias de presos se unem após transferência de centenas

Os presos foram recambiados após uma revista na unidade no final de março deste ano, quando um detento realizou um disparo de arma de fogo no Pavilhão E

por Jorge Cosme sex, 18/05/2018 - 13:08
Gláucio Dettmar/CNJ Na próxima semana, Justiça deve avaliar pedido de Habeas Corpus para que detentos voltem a unidade de origem Gláucio Dettmar/CNJ

No início da próxima semana, a Justiça de Pernambuco deverá definir se rejeita ou aceita o pedido de Habeas Corpus coletivo solicitando que a transferência de 207 detentos da Penitenciária Professor Barreto Campelo, em Itamaracá, no Grande Recife, seja revogada. Os presos foram recambiados após uma revista na unidade no final de março deste ano, quando um detento realizou um disparo de arma de fogo no Pavilhão E.

“Na verdade, o Estado se confessa incompetente para identificar o autor da infração, incompetente para impedir que armas estejam dentro das unidades prisionais e, portanto, pretende justificar sua impotência, descaso e irresponsabilidade histórica com outra ilegalidade, precisamente a punição coletiva", escreve o promotor da Vara de Execuções Penais Marcellus Ugiette em parecer recomendando a concessão do Habeas Corpus.

A medida do Governo de Pernambuco, através das secretarias Executiva de Ressocialização (Seres) e de Justiça e Direitos Humanos (SJDH), é conhecida como “bonde” e tem caráter punitivo. Para descobrir quem havia realizado um disparo de arma logo após a revista, o Estado teria decidido castigar vários em busca da resposta. “Em primeiro lugar, a punição coletiva é proibida. É a mesma coisa de você colocar vários estudantes ajoelhados sobre o milho porque um dos alunos jogou uma bolinha de papel. É uma ação proibida por lei e absurda”, completa Ugiette em entrevista ao LeiaJá.

O pedido de Habeas Corpus coletivo foi feito pelo Serviço Ecumênico de Militâncias das Prisões (Sempri), uma ONG que atua na defesa dos direitos dos reeducandos. “Eu pergunto: você gostaria de responder por um crime que não cometeu?”, indaga a coordenadora do Sempri, Wilma Melo. “Ninguém está aplaudindo o ato [disparo de arma de fogo] em si, ninguém está dizendo que foi correto, ninguém está concordando com isso, porém não estamos concordando que todos sejam condenados e punidos”, complementa.

O problema não se encerra apenas na transferência - que ocorreu sem a comunicação de parentes ou aval da Justiça. Relatos apontam que cerca muitos dos transferidos sofreram espancamentos de presos e de agentes penitenciários das unidades para as quais seguiram. “Ontem estive com um preso que foi para a unidade de Igarassu. Ele estava com as costas toda marcada. Perdeu dez quilos desde que chegou lá. Tem detento que fica sem poder beber água por um dia. Preso com a mesma roupa do corpo por uma semana porque não foi entregue. Após os presos saírem da Barreto Campelo, cama, televisão, cela, tudo foi quebrado não se sabe por quem”, resume o promotor.

Os reeducandos foram para unidades de Igarassu, Tacaimbó, Caruaru e Limoeiro e outras. C.S., de 20 anos, é esposa de um deles. Moradora de Olinda, ela agora tem que fazer um deslocamento maior e mais caro até a Penitenciária de Tacaimbó (PTAC), no Agreste de Pernambuco. 

“Todo mundo sabe que existe telefone nos presídios. No momento que meu marido estava falando comigo, começou a confusão lá”, lembra a mulher. “Alguns presos, maridos de amigas, apanharam. Foi tortura. Presos só de cueca, sem comer, doentes. Tinha gente que era doente que não podia levar esse ‘bonde’. A pessoa está presa, mas é ser humano”, avalia, cujo marido está preso há nove meses.

Um ato chegou a ser realizado em frente ao Fórum do Recife, em Joana Bezerra, área central da cidade, no dia 25 de abril, quando foi protocolado o Habeas Corpus. Os familiares levantavam cartazes criticando a medida do governo. “É preciso que as pessoas tomem conhecimento de que é possível ainda ter a defesa do estado de direito”, diz Wilma Melo, que também esteve presente no ato. Uma liminar pedindo a revogação da medida já foi rejeitada. O Sempri espera que o resultado do pedido de Habeas Corpus saia na próxima segunda-feira (21). 

O LeiaJá procurou a Seres e questionou a justificativa para a transferência de 207 presos por causa de suposta irregularidade de apenas um. A Secretaria informou que a ação aconteceu por "medida de segurança" e que "foi levada em consideração a convivência dos reeducandos nas unidades de destino". Veja a nota na íntegra:

A Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres) informa que a ação de segurança realizada no dia 27 de março, na Penitenciária Professor Barreto Campelo, em Itamaracá, teve o intuito de retirar materiais ilícitos da unidade. Em razão dos detentos  reagirem com violência à ação, foi realizada, por medida de segurança e para resguardar sua integridade física, a transferência de 207 presos para unidades do interior e região metropolitana. Na transferência, foi levada em consideração a convivência dos reeducandos nas unidades de destino.

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