Coronavírus: o pesadelo de quem não pode voltar para casa

Quatro pernambucanos de férias no Peru foram surpreendidos pelo decreto de emergência e seguem sem poder voltar ao seu país de origem

por Katarina Bandeira qua, 18/03/2020 - 12:46

O que deveria ser uma viagem dos sonhos, repleta de boas recordações e novas experiências, acabou virando um verdadeiro pesadelo para quatro pernambucanos. De férias no Peru, desde o dia 2 de março, eles foram obrigados a interromper toda a programação de lazer, após o presidente Martín Vizcarra decretar estado de emergência no país, por conta do novo coronavírus. Sem conseguir chegar a capital Lima e sem informações e providências definitivas vindas Governo Federal, os rapazes, que têm entre 28 e 32 anos, seguem proibidos de sair da cidade de Cusco. A reportagem do Leiajá teve contato com um dos brasileiros e traz o relato exclusivo de como está a situação deles no Peru.

“Nós chegamos dia 11 (de março), quando ainda só tinham 30 casos de infectados confirmados (no Peru). Ocorre que, no dia 15, ao meio-dia, o número de infectados subiu para 72 e às 20h o presidente decretou o estado de emergência", conta Emanuel Gonçalves, um dos quatro jovens pernambucanos que está em viagem de férias ao país latino-americano. Ele relata que, após o comunicado do regente, as pessoas informaram que tudo funcionaria normalmente. “No entanto, quando amanheceu, já haviam suspendidos alguns serviços e tivemos que voltar às pressas para Cusco. Nós estávamos em Águas Calientes”, conta.

De lá para cá as coisas pioraram. Apesar dos primeiros momentos parecerem calmos, as restrições aumentaram em pouquíssimo tempo. “Quando chegamos aqui em Cusco, na segunda (16), tudo parecia normal. Só a presença policial havia se intensificado. Mas tinha muita gente na rua. Todo mundo comprando suprimentos. Muita gente com sacola na mão”, conta Emanuel. “Na Praça de Armas, perto de onde estávamos hospedados, a presença policial era muito forte, e já estavam controlando o fluxo de pessoas, fazendo com que a gente evitasse passar por lá”, diz. 

Natural de São José do Belmonte, cidade do Sertão pernambucano que inspirou o conto de Ariano Suassuna "A Pedra do Reino", Emanuel relata que agora não é possível sair do hostel que está hospedado com outros três amigos. Renan Albuquerque e Amos Rodrigues, do Recife, e José Hélio, natural de Caruaru, seguem isolados com o amigo, aguardando as autoridades brasileiras anunciarem medidas para a retirada dos turistas. “A embaixada brasileira tem sido genérica. As respostas apresentadas são do tipo ‘aguarde e siga a orientação do governo peruano’”, lamenta Emanuel. Três são funcionários do Ministério Público de Pernambuco e um dos rapazes trabalha para o Tribunal de Justiça do estado.

Ruas vazias e multas para quem sair do isolamento

Onde antes haviam moradores e turistas, hoje, só há patrulhas para impedir a população de aumentar o contágio do COVID-19.  “Ontem, saímos do hostel para comprar água e comida, haviam algumas pessoas na rua e muitos policiais. Fomos parados pelo menos três vezes pela polícia que nos orientou a voltar pro hostel e não sair em hipótese alguma”, conta o servidor. “Os policiais informaram que se fôssemos encontrados na rua novamente poderíamos ser detidos e o hostel multado. A saída para compra de suprimentos deveria ser feita pelos administradores do hostel e não por nós”, diz.

A falta do direito de ir e vir não é o único problema enfrentado pelo grupo. Com a passagem de volta marcada para esta quarta-feira (18), mas sem poder embarcar de volta para casa, os pernambucanos seguem assustados também com a falta de programação financeira para esticar a viagem. “Mercados e farmácias estão abertos. A questão é o preço. Como não estávamos programados para ficar mais 15 dias aqui a situação se complica. Temos que pagar hostel, comida e o novo sol custa mais que o real. Felizmente o comércio não apresentou comportamento abusivo, elevando os preços, mas as coisas aqui já são normalmente mais caras. Uma cartela de anti-inflamatório, por exemplo, pode custar 45 soles (cerca de R$ 64)”, explica Emanuel.

“Parece que nossas vidas não importam muito”

Mesmo negociando com as companhias aéreas muitos turistas não conseguem sair das cidades adjacentes por cancelamentos de transportes locais, como é o caso dos quatro pernambucanos. “Quando soubemos do decreto entramos em contato com a Gol que remarcou o voo pra dia 20, de Lima. Mas a Sky cancelou todos os voos interprovinciais”, relata o turista brasileiro, ressaltando que a falta de atitude do Governo Federal para o resgate é a parte mais decepcionante da viagem.

“A frustração maior agora é a falta de informação da embaixada. Para gente, aparenta uma falta de compromisso do governo brasileiro com seu povo. México, EUA, Argentina e Israel já enviaram aviões para resgatar seus cidadãos. O Brasil está negociando com as companhias aéreas ainda. Parece que nossas vidas não importam muito. A questão financeira dos custos do nosso traslado parece ser mais importantes”, lamenta.

O que diz a embaixada

Em nota, o Itamaraty informou que a embaixada brasileira em Lima solicitou ao Ministério das Relações Exteriores do Peru esclarecimentos sobre autorizações e procedimentos para saída do território peruano por via terrestre com veículos particulares, mas ainda não há resposta do governo peruano. Entre as medidas divulgadas pelo Itamaraty estão a realização de contatos junto a companhias aéreas para viabilizar voos de retorno ao Brasil, prestação de assistência a brasileiros em situação de comprovado desvalimento, entre outras.

Para brasileiros que enfrentam situações de emergência as orientações são o envio de e-mail para a Embaixada (consular.lima@itamaraty.gov.br) ou realização do contato por meio da página oficial do órgão no Facebook. Situações emergenciais poderão ser tratadas por telefone nos números de plantão consular +51 985 039 263 e +51 985 039 253, preferencialmente por mensagens via WhatsApp, sendo classificadas a partir de acidente, morte, doenças graves, detenção no aeroporto, desaparecimento, prisão, violência doméstica, sequestros e casos similares. Para outros, infelizmente, a recomendação é esperar.

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