Família faz mobilização para convencer idosa a se vacinar

O marido de Dona Nena faleceu semanas após tomar a primeira dose da vacina contra a Covid-19. Apesar de não haver relação entre o óbito e o imunizante, a aposentada teve medo de se vacinar. A família precisou fazer uma mobilização nas redes sociais para convencê-la do contrário

por Jorge Cosme seg, 05/04/2021 - 12:56
Cortesia Dona Nena e Augusto Cortesia

Maria de Lurdes de Morais Rodrigues, de 77 anos, recebeu a primeira dose da vacina contra a Covid-19 na última sexta-feira (2). Foi consequência de um trabalho árduo e criativo da família, que precisou fazer uma mobilização com ajuda de amigos e das redes sociais para convencer Dona Nena, como é conhecida, a receber o imunizante. O marido dela, Augusto Rodrigues da Silva, de 79 anos, faleceu no último 17 de março, semanas depois de tomar a vacina. Apesar de não haver relação entre o óbito e o imunizante, Dona Nena suspeitou que o companheiro tivesse falecido por complicações decorrentes da dose recebida. 

Augusto e Nena tiveram um 2020 de completo isolamento. Não recebiam visitas e aguardavam ansiosos a chegada da vacina. Não poder sair de casa era desafiador para Augusto. Caminhoneiro na juventude, ele era acostumado a estar sempre em movimento. Teve metade do corpo paralisado após complicações de uma trombose e, com a limitação, criou a rotina de todos os dias colocar a cadeira de balanço na calçada em frente a sua casa e passar a tarde inteira acompanhando o movimento da rua. A atividade era seguida com tamanha religiosidade que mais de uma vez ele foi captado na calçada pelas câmeras do veículo do Google Street View. 

O Google Street View capturou o aposentado na calçada de casa mais de uma vez. (Reprodução/Google Street View)

A vacina de Augusto trouxe alívio para a família. Entretanto, ele ficou doente cerca de 15 dias depois. Foi internado com febre, dores no corpo e falta de ar. Os parentes logo concluíram que ele estava com Covid-19, mas foram surpreendidos com o resultado negativo dos exames. Ele morreu em 17 de março e a suspeita é que tenha sido pneumonia - não há relação entre o óbito e a vacina.

Dona Nena convivia com Augusto desde muito jovem. Eles são de Lagoa D’Anta, pequena cidade do interior do Rio Grande do Norte, com população estimada de 6,7 mil habitantes. Conheceram-se na adolescência. Conversavam por troca de recados. Casados, construíram uma casa grande em Natal-RN, onde cuidaram de seus sete filhos. Eles também têm 13 netos e três bisnetos. "O casamento dos meus pais foi lá, o meu aniversário de um ano foi lá, as festas dos meus tios e dos primos", diz Jéssica Rodrigues, 26, neta de Dona Nena e Augusto. O simbolismo que a casa carrega é tanto que virou tatuagem de uma neta, e Jéssica também pretende fazer uma semelhante.

Foi também nessa casa de grandes reuniões que Dona Nena assistiu ao vídeo de 20 minutos montado pela família com depoimentos de pais e avós de amigos que foram vacinados. Ela havia se recusado a se vacinar por medo, acreditando que a morte do marido tivesse sido uma reação. 

"A ideia surgiu da preocupação de acontecer algo ruim com ela. Fiquei pensando numa forma de como fazer ela perder o medo e comecei a tentar lembrar quem a gente conhecia que já havia se vacinado. Foi daí que surgiu a ideia de pedir a todos que fizessem um vídeo curto incentivando e mostrando que não tinham sentido dor e mais importante, nenhuma reação", explicou o publicitário Eduardo Rodrigues, de 51 anos, filho do casal. 

A família espalhou o pedido por depoimentos nas redes sociais e aplicativos de mensagens. Outra neta de Augusto e Nena, a psiquiatra Lorena Gonçalo, 33, divulgou a ação em sua conta profissional @psiquiatricamente, no Instagram, que conta com 11 mil seguidores. Chegaram dezenas de depoimentos.

"Nem a picada da injeção eu senti. Pode tomar, não tenha medo", disse um idoso na gravação. "Eu me vacinei e estou feliz porque estamos vivendo um momento de muito risco e esse eu não vou correr. Vou ter a sorte de ver meus netos crescerem e, talvez, meus bisnetos", comentou uma idosa no vídeo.

"Eu vou tomar essa vacina. Que Jesus me ajude", disse Dona Nena em um áudio enviado para a família após assistir aos depoimentos. Na quinta-feira (1º), ela ainda chegou a recuar, mas finalmente aceitou ser vacinada no dia seguinte em um drive-thru de Natal-RN. 

"Depois de ver o vídeo da injeção entrando no braço dela tive uma sensação boa", afirmou Jéssica. "Um misto de alívio e esperança que ainda vamos ver dias melhores, e que ainda vamos ter novamente festas na casa deles, almoços com gente falando alto e rindo alto, réveillons olhando os fogos pela varanda, criança correndo pra todo lado que nem eu já corri e todo mundo viajando pra lá pra se encontrar de novo e de novo por muitos anos ainda. Apesar da tristeza, veio a esperança", completou a neta. Dona Nena não teve reação e disse à família que agora se sente aliviada.

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