Na pandemia, Suape impede acesso de agricultores à terra

Segundo relatos, famílias ocupam o Engenho Ilha, no Cabo de Santo Agostinho, há pelo menos quatro gerações

por Marília Parente sab, 10/04/2021 - 08:00
Fórum Suape/Cortesia Cercamento instalado por Suape no entorno do Engenho Ilha. Fórum Suape/Cortesia

Há cerca de 30 dias, pescadores e agricultores do Engenho Ilha, no Cabo de Santo Agostinho, estão sendo impedidos, pelo Complexo Industrial Portuário Governador Eraldo Gueiros- Suape, de acessar as terras e o mangue dos quais tiram seu sustento. Segundo os trabalhadores, não houve qualquer diálogo com a comunidade a respeito do cerco. A nova denúncia, em plena pandemia de Covid-19, acentua o conflito fundiário entre as 305 famílias que vivem no local, segundo os relatos dos trabalhadores, há pelo menos quatro gerações e a empresa, que alega reivindicar a área para promover conservação ambiental.

“Mais uma vez Suape interfere nos nossos modos de vida e modos de produção e em plena pandemia, quando passamos necessidades básicas, sofrendo com desemprego. Estamos sendo impossibilitados de manter nossa soberania alimentar. Além disso, as pessoas estão desesperadas, porque esse cercamento representa para nós uma iminência de expulsão, já que existe uma proposta de uma unidade de conservação no Engenho Ilha, mas sem que nada tenha sido resolvido. Do nada Suape chega e cerca tudo”, comenta a presidente da Associação de Pequenos Agricultores de Ponte dos Carvalhos, Vera Lúcia Melo.

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Em março de 2020, o LeiaJá esteve no Engenho Ilha e observou a existência de casas e instalações demolidas, segundo a população, pela segurança privada de Suape. Na ocasião, os trabalhadores que vivem no local relataram conviver com uma série de intimidações de agentes da empresa, contra a qual chegaram, inclusive, a registrar boletins de ocorrência. 

“Parecia que não tinha ninguém”

Morador do Engenho Ilha há 50 anos, José Artur dos Santos confirma que não foi avisado sobre a instalação do cercamento, assustando-se ao se deparar com ele. “Como é que vai ficar? Não trataram nada, passou com o carro parecia que não tinha dono. Eu tô ‘incrível’, não sei nada ainda”, comenta.

Camponês Ivanildo Silva cobra atitude do MPPE. (Reprodução/Whatsapp)

Já o camponês Ivanildo Silva, cobra intervenção do Ministério Público Estadual no caso: “estou vendo as coisas arbitrárias que Suape está fazendo na área do Engenho Ilha, a gente quer que o MP tome uma providência, porque eles estão tirando o direito de ir e vir dos agricultores e pescadores. Quero que faça alguma coisa por nós”, apela.

Representações

Em 2018, o Fórum Suape, que presta auxílio jurídico à comunidade do Engenho Ilha, através do ofício 21/2018, entrou com uma representação no Ministério Público Federal denunciando a empresa. No documento, a organização aponta que, na atualização de seu Plano Diretor, Suape passou a considerar o terreno que compreende o Engenho Ilha como uma Zona de Preservação Ecológica (Zpec), isto é, área cuja finalidade deve ser de promover a compensação ambiental pelos impactos causados pela estrutura do complexo.

“Acontece que o regime dessas Zpec’s, para abrigar projetos de reflorestamento e implementar unidades de conservação, é bastante restritivo à presença de comunidades. O plano diretor de Suape é muito categórico em dizer que na Zpec não será permitida nenhuma forma de ocupação, nenhum tipo de uso ou exploração. Partindo disso, Suape está expulsando o pessoal, destruindo lavouras e posses, dizendo que nessa área não pode ter nada”, explica Luísa Duque, advogada do Fórum Suape.

De acordo com ela, a ampliação das áreas de Zpec para 60% do total de 13,5 mil hectares de Suape está relacionada a uma transação judicial realizada no âmbito de uma ação civil pública ajuizada pelo MPF e pelo MPPE, acerca da ausência de ações de compensação ambiental da empresa. “Entramos com a representação de 2018 para chamar o MPF e o MPPE [Ministério Público de Pernambuco] para a responsabilidade. Foram eles que entraram com ação civil pública, foram eles que assinaram a transação judicial, o acordo com Suape sem procurar saber se na área existiam famílias, que estão lá há muito tempo, antes mesmo da aquisição do Engenho Ilha por Suape”, frisa a advogada.

Vera Lúcia Melo, presidente da Sociedade de Pequenos Agricultores de Ponte dos Carvalhos. (Rafael Negrão/cortesia)

Agora, diante do cercamento em curso, o Fórum Suape encaminhou um novo ofício (n° 05/2021), relatando a presença das cercas ao longo da faixa de mangue às margens dos Rios Pirapama e Jaboatão, áreas conhecidas como Martim, João Grande e Cajá. Questionado pela reportagem do LeiaJá, o MPF declarou que recebeu a denúncia, contendo fotografias e vídeos com depoimentos dos moradores da região prejudicados.

“Diante do informado, após determinação do Despacho nº 398/2021, foi expedido o ofício nº 348/2021, endereçado à presidência do Complexo Industrial Portuário de Suape a fim de que a empresa esclareça os fatos. Portanto, ressalta-se que o Ministério Público Federal acompanha o caso e busca apurar a notícia do recente cercamento das margens dos Rios Pirapama e Jaboatão, no intuito de aferir a legalidade da medida e adotar as providências cabíveis”, diz o posicionamento do MPF.

A reportagem também procurou Suape, que alegou que o cercamento “não impede a circulação da comunidade” e que teria deixado “várias aberturas de passagens” para a população. Apesar das queixas da comunidade, a empresa afirmou ainda que “está aberta ao diálogo com todas as comunidades do território, mas tem encontrado dificuldade com a liderança do Engenho Ilha, que, inclusive, não demonstra interesse em receber atividades e projetos socioambientais que vêm sendo implantados em outras comunidades com muito sucesso e trazendo melhor qualidade de vida para inúmeras famílias”.

Vera Lúcia Melo, indiretamente citada pela nota, comenta que não houve nenhuma proposta de estudo ambiental por parte de Suape com o Engenho Ilha. “Sinceramente? Não queremos nada com Suape, porque a gente sabe a forma que eles agem conosco: derrubando, impedindo, tirando nosso sossego e nossa paz”, lamenta.

Leia a nota de Suape na íntegra:

“O cercamento do Engelho Ilha tem o objetivo de proteger o patrimônio ambiental. A área está em processo de criação de Unidade de Conservação junto à Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade, por meio da Agência Estadual do Meio Ambiente (CPRH), com limites propostos, por isso necessita de cercamento. No entanto, a medida não impede a circulação da comunidade, já que as cercas foram instaladas no contorno da reserva João Grande e há várias aberturas de passagens, não obstruindo o acesso comunitário.

A criação da UC está prevista nos autos da Ação Civil Pública nº 010033.53.2010.4.05.8300 e proteger a área também é uma obrigação legal de Suape, conforme instituído pelo Plano Diretor – SUAPE 2030 (Decreto nº 37.160, de 23 de setembro de 2011), uma vez que se trata de uma Zona de Proteção Ecológica (ZPEC). Vale salientar que o local já recebeu outras ações de proteção ambiental, anteriormente.

Em relação à comunicação, a empresa Suape está aberta ao diálogo com todas as comunidades do território, mas tem encontrado dificuldade com a liderança do Engenho Ilha, que, inclusive, não demonstra interesse em receber atividades e projetos socioambientais que vêm sendo implantados em outras comunidades com muito sucesso e trazendo melhor qualidade de vida para inúmeras famílias. Contudo, a empresa se mantém à disposição para qualquer esclarecimento à comunidade e reafirma seu compromisso com a sustentabilidade do território”.

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