Solidão e medo: drama de mães que deram à luz na pandemia
Sobrecarga de tarefas, falta de contato com familiares e amigos e problemas para ir ao médico são alguns dos relatos feitos por mulheres que tiveram seus bebês durante a quarentena
Antes da pandemia, uma gravidez era recebida com chá de bebê, festas, visitas à futura mamãe. Mas agora, com as restrições e distanciamento de pessoas para evitar o novo coronavírus, tudo isso teve que ser cancelado. Até mesmo o primeiro encontro com familiares teve que ser adiado. Sem contar os problemas para conseguir vacinas ou consultas de rotina para as crianças. Esses são alguns dos relatos de mães que viram seus bebês chegarem ao mundo durante a pandemia.
“Eu tinha medo de tudo, tinha medo de me infectar ou infectar minha filha, porque tava naquele pico e tinha muita gente morrendo. Eu pensava: como vou deixar uma filha tão pequena? Agora que a gente se conheceu. Fiquei tão apavorada que a gente não saía na rua”, contou a design de sobrancelhas Aline Oliveira, de 28 anos, mãe da Aurora Regina, 1 ano e 8 meses. “O que antigamente era medo dela cair, se machucar, virou medo de algo invisível, mas que tava levando muita gente.”
Essa também foi a preocupação da Adriene Furtado, 22 anos, que trabalha em shopping de Brasília. Segundo a atendente, o contato direto com clientes é perigoso para ela, mas principalmente para sua bebê de 6 meses, que também se chama Aurora. "Toda criança pequena é curiosa, quer colocar a mão em tudo e sempre leva a mão à boca. Em tempo de pandemia, é um risco, mas o meu medo maior é de eu transmitir para ela", afirmou.
Além do medo, a pandemia de covid-19 também impôs dificuldade para as duas mães conseguirem atendimento hospitalar para as crianças, pois muitos médicos tiveram que deixar seus postos para atender somente pacientes com a nova doença. "As consultas de rotinas foram cortadas por causa da covid. Já aconteceu de ter consulta marcada e, no dia, o médico estar na área da covid", disse Adriene.
Já Aline teve problemas até para conseguir a imunização da filha. "No posto, a maioria das vacinas foram canceladas e, depois, a agente de saúde veio em casa avisando que já podia levar as crianças, mas tinha que ter hora marcada", relatou a designer.
Rotina corrida
Atendendo on-line e presencialmente, a personal trainer Paula Lopes, 33 anos, contou que, apesar de ter pessoas que poderiam ajudá-la a cuidar da pequena Maytê, 2 meses, ela prefere restringir o contato devido ao risco sanitário. "A minha irmã não está vindo com frequência aqui em casa. O meu pai não pode vir. Isso pra mim é muito difícil porque a minha filha nasceu e eu não posso estar perto das pessoas que gostariam de estar aqui, de conhecer a Maytê", desabafou.
Para a personal trainer, um dos maiores obstáculos atuais é o acúmulo de várias atividades. "Meu desafio é lidar com essa rotina, tendo que conciliar com trabalho, cuidar da Maytê, cuidar da casa", disse.
Segundo a psicóloga Bárbara Sordi, esse tipo de situação tem sido comum entre as mães, que ficam sobrecarregadas de tarefas, pois além do trabalho "elas precisam dar conta da casa e de um novo bebê".
As creches fechadas e as mudanças no trabalho podem ser fatores estressantes para as mulheres, que não têm o apoio presencial da escola e não podem receber ajuda de familiares e amigos para evitar contato com o coronavírus, explicou Sordi. De acordo com a psicóloga, isso cria novas preocupações. "Com quem deixar essas crianças? Se precisarem largar o emprego, como alimentá-las? Como dar um sustento minimamente de qualidade para elas?", exemplificou.
Para a psicóloga, é importante entender que a pandemia de covid-19 é um momento inédito que vai causar mudanças na forma como todos se relacionam, inclusive mães e crianças. "É interessante que a gente olhe que um quadro de crise sanitária provoca sintomas psicossociais. Ele afeta a vida das pessoas e isso vai ter efeito nas mulheres, nas crianças etc., ressaltando que as mulheres são as mais sobrecarregadas nesse período", explicou.
Por Sarah Barbosa.