Família denuncia troca de doses na vacinação em Olinda

José Ramos sofre de insuficiência cardíaca e aguarda uma resposta da Prefeitura após receber doses diferentes no esquema vacinal

por Victor Gouveia sex, 03/09/2021 - 12:21

Convencido sobre a importância do acordo coletivo de imunização à Covid-19 após superar a avalanche de desinformação, um olindense que sofre de insuficiência cardíaca recebeu doses trocadas da vacina. Após sofrer fortes reações, a família teme que ele não esteja devidamente protegido e aguarda por uma orientação definitiva da Prefeitura.

Depois de esperar 84 dias pela segunda dose da AstraZeneca, na última quinta-feira (26), José Ramos, de 56 anos, foi ao ponto de vacinação na Escola Municipal CAIC Profª Norma Coelho, no bairro de Peixinhos, na esperança de complementar o esquema vacinal. Contudo, foi vítima da desatenção da aplicadora e recebeu uma dose da Coronavac.

Preocupada pelo quadro de insuficiência cardíaca, a filha de 26 anos - que preferiu não ter a identidade revelada -, aponta que o erro pode ter sido motivado por desrespeito à fila de cadastrados. "Se ela tivesse aplicado na ordem, ia ter dado certo, mas por alguma razão ela chamou outra pessoa que tava no final da fila", relata.

Atenta à saúde do pai, ela chegou a perguntar duas vezes se a seringa realmente continha a substância da AstraZeneca. Sem resposta na primeira ocasião, ouviu da agente de saúde que "é tudo a mesma coisa" e decidiu filmar o procedimento, como havia feito na primeira vez. 

Desconfortável pela postura da profissional, especialmente por contrariar o pedido das autoridades sanitárias para que não haja escolha de vacinas, confirmou que o cartão de vacinação do pai foi preenchido com duas doses da AstraZeneca. "O cartão dele foi preenchido antes de tomar a vacina. Se de repente ele quisesse desistir, o cartão dele tava preenchido", denuncia.

Erro confirmado

Só em casa, ao analisar as imagens das duas aplicações, percebeu que os rótulos das ampolas eram de cores diferentes. "Se a gente não tivesse filmado, era impossível saber que ele tomou a vacina errada, porque no cartão constava como certa", ressalta.

"Acredito que ele não está imunizado porque são vacinas diferentes, com períodos diferentes, com condições diferenciadas, então eu não sei, e é isso que me preocupa. Por isso a gente espera que a Prefeitura corrija a falha para que a gente possa ficar tranquilo", disse a filha.

Cerca de 2h após o erro, voltou ao local e apresentou as filmagens ao lado do pai. A intercambialidade de doses foi constatada por uma atendente, que disparou: "meu Deus, aplicou errado". A partir daí, foram deixados sozinhos, enquanto uma série de telefonemas despertaram um sentimento de desespero.

A espera teve fim com uma informação improvisada: "seu pai vai ter que tomar outra dose daqui a 28 dias e você escolhe se vai ser AstraZeneca ou Coronavac", lembra. Para ela, foi uma tentativa de se eximir da gravidade de possíveis complicações. "O sentimento que eu tive era de que eles tavam querendo jogar para mim a responsabilidade", considerou.

Em meio ao impasse, recusou a orientação tomada às pressas. "Eu acho um absurdo ter que escolher qual vacina meu pai vai tomar, sendo que não sou médica. A gente faz de tudo para não escolher vacina e chega em uma situação onde vocês erraram, e me mandam escolher, é estranho", rebateu.

Mais tarde, ainda no CAIC Profª Norma Coelho, recebeu uma nova posição extraoficial de que deveria tomar uma dose da AstraZeneca o mais rápido possível. A indicação para aplicar no mesmo dia teria sido passada por um médico do município que, segundo a denunciante, teria se baseado na nota técnica. "E se ele morrer? Vocês vão dizer que foi a filha dele que escolheu, né?", questionou em uma nova recusa.

Sem acordo mesmo com a posição médica, voltou para casa com a promessa de que a Secretaria de Saúde entraria em contato para definir a melhor medida para garantir a imunização. "Eu estou dando um voto de confiança para a Prefeitura de que ela vai corrigir o erro e completar o esquema vacinal do meu pai, que hoje não existe. Hoje meu foco é a saúde dele", pontuou.

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Durante o fim de semana José teve fortes reações, o que aumentou ainda mais o receio da família. "Ele passou bem mal, teve noite de calafrio, ficou com o corpo muito mole. Passou 3 dias bem baqueado. Ontem que começou a melhorar", descreveu a filha.

Mesmo com o contato diário da Secretaria de Saúde de Olinda, nenhuma posição definitiva foi repassada e José ainda não tem certeza se está imunizado contra o vírus que já matou 19.425 pessoas em Pernambuco.

O que diz a Prefeitura

O LeiaJá buscou uma posição concreta da Prefeitura de Olinda sobre o caso. Em nota, informou que "aguarda da Secretaria de Saúde Estadual (SES) a orientação sobre qual tipo de vacina o paciente deve se submeter e quando deverá ser feita uma nova imunização".

A gestão acrescentou que a aplicadora que cometeu o erro foi desligada da função e esse foi o único incidente de troca de doses registrado no município.

Sobre a mistura de imunizantes, a Secretaria Estadual de Saúde reforçou a orientação do Plano Nacional de Operacionalização (PNO) do Ministério da Saúde, que aponta que "não se recomenda a administração de doses adicionais de vacinas COVID-19". Questionada sobre o acúmulo de casos registrados dessa natureza, a pasta não informou quantos incidentes ocorrerem em Pernambuco.

Esclarecimentos médicos

Segundo o infectologista do Hospital Oswaldo Cruz, Bruno Ishigami, pesquisas consideram que a mistura de vacinas não traz prejuízos ao paciente. "O último que eu vi inclusive era com a Coronavac e a AstraZeneca, que mostraram que quando você associa a imunização é melhor. Isso tem sentido porque você estaria estimulando de forma diferente seu sistema imune", disse.

Em relação a aplicação de duas doses no mesmo dia, como sugerido ao paciente, o médico explica que “não é uma coisa comum de acontecer, mas a gente já faz com outras vacinas. Quando a gente é mais novo e vai tomar vacina, sai tomando duas ou três doses de vacinas diferentes".

"O que pode ter de prejuízo ao paciente é efeito colateral mais agudo mesmo", como febre e corpo mole, que seriam reações naturais ao estímulo das duas aplicações.

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