Páscoa na crise: população troca peixe completo por cabeça
No Centro do Recife, comerciantes relatam que busca pela peça, antes descartada por parte dos consumidores, cresceu este ano
Às vésperas da páscoa, uma nova tendência no consumo de peixes vem chamando a atenção dos comerciantes da área central do Recife. Antes descartada por parte dos clientes ainda na peixaria, a cabeça do animal vem sendo procurada por quem não tem mais condições financeiras de arcar com a peça completa.
Por volta das 11h da última terça-feira (12), o peixeiro Henrique Silva já havia vendido mais de 60kg de cabeças de peixes diversos no Mercado de São José. Em atividade na área há 20 anos, ele garante que a demanda pelo produto nunca foi tão grande quanto no período de páscoa deste ano.
“Nunca vi sair tanta cabeça, está fora do normal. Antes eu vendia de 10kg a 20kg de cabeça por dia, na mesma época”, comenta.
O peixeiro Henrique Silva, que vendeu mais de 60 kg de cabeça de peixe em metade de seu horário de trabalho. (Júlio Gomes/LeiaJá Imagens)
A mudança de comportamento de parte dos consumidores, que antes costumava descartar a peça nas próprias peixarias, vem preocupando os peixeiros da área. Eles temem que o desempenho das vendas fique abaixo do esperado para a páscoa.
“O preço do peixe subiu demais e o consumidor não está conseguindo arcar com ele, então as vendas caíram muito. Clientes que compravam entre 3 kg e 4 kg de peixe para a páscoa, agora estão levando só 1 kg. E quem já levava só 1 kg está comprando só a cabeça, que passou de R$ 5 para R$ 7”, acrescenta Henrique Silva.
Na tentativa de atender à nova demanda, o peixeiro Wellington Pereira conta que se desdobra para fazer os cortes da cabeça dos novos produtos que vão chegando.
“Hoje mesmo já vendi todas as cabeças, cerca de 10 kg. A cioba e a pescada, que são peixes mais nobres, estão custando R$ 45 e R$ 30. Tivemos que subir o preço por causa da inflação, do PIB do Brasil e desse governo, que é carrasco do povo. Um monte de gente agora está procurando cabeça para comer”, lamenta Pereira.
Cabeças de peixe disponíveis em um dos boxes do Mercado de São José. (Júlio Gomes/LeiaJá Imagens)
As cabeças geralmente são utilizadas para produção de sopas e caldos. “O pessoal procura principalmente a cabeça de cioba, pescada-amarela e albacora, que dão um caldo ou um pirão gostoso. Tem muita gente comprando cabeça ao invés do peixe completo”, acrescenta o peixeiro Vitor Marcos.
De acordo com ele, quem leva o peixe completo está optando por espécies mais baratas. “O que sai mais com a gente é a corvina, que é bastante em conta e tem um sabor gostoso. O quilo dela está custando R$ 18”, pontua.
Alta nos preços
De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca), no setor formal, as vendas de peixe durante a Páscoa deste ano poderão ser até 20% menores na comparação com 2021. Para o diretor executivo da instituição, Cristiano Lobo, a projeção pessimista está associada à queda na renda dos brasileiros e ao aumento dos custos de produção.
O peixeiro Vitor Marcos indica que as cabeças com maior saída são as de cioba, pescada-amarela e albacora. (Júlio Gomes/LeiaJá Imagens)
“Quando a gente pensa no pescado de cultivo, o maior custo que ele possui está relacionado à engorda dos animais. A ração do peixe é feita à base de soja e de milho, ambos produtos que tiveram um aumento absurdo de preço desde o início da pandemia. Se a soja e o milho ficam mais caros, o preço da ração também sobe”, explica Lobo.
O executivo também aponta a alta dos combustíveis e o aumento dos custos de manutenção das embarcações como responsáveis pelo encarecimento dos peixes.
“Além disso, as grandes fornecedoras mundiais, que passaram a pandemia inteira com a demanda reprimida, agora retomam suas atividades normais com alta demanda. Como a demanda cresce, o preço aumenta. É uma questão que afeta pescados importados, como salmão, merluza e bacalhau”, afirma Lobo.
Para o executivo, a alta dos preços, contudo, afeta mais o setor formal do que o informal.
"O consumidor que não conseguir arcar com o preço da gôndola no supermercado, vai para o mercado informal em busca de preços melhores. Muito provavelmente nossas vendas cairão, enquanto as do setor informal sobem”, frisa Lobo.