Transtorno bipolar: uma montanha-russa de emoções
Data provoca o debate sobre a importância do diagnóstico e acompanhamento profissional para que pacientes possam viver bem em sociedade
O transtorno bipolar é uma condição caracterizada principalmente por alterações de humor que envolvem episódios depressivos e eufóricos. Os episódios depressivos se caracterizam por humor deprimido, desinteresse ou falta de prazer nas atividades habituais, dificuldade de concentração, isolamento social, perda ou aumento de apetite, sentimentos de inutilidade e pensamentos relacionados à morte. Já os episódios eufóricos (classificados como hipomaníacos ou maníacos, de acordo com a intensidade) se caracterizam por um período de humor persistentemente expansivo, elevado ou irritável, em que o indivíduo pode apresentar fala e pensamentos acelerados, hiperatividade, diminuição da necessidade de sono, aumento de comportamentos impulsivos e, em casos mais graves, evoluir para delírios. Os quadros podem durar dias ou semanas.
Segundo a psicóloga clínica Giovanna Maradei, 25 anos, os episódios provocam prejuízo acentuado na qualidade de vida e no funcionamento social e/ou profissional do indivíduo. “O tempo de realização do diagnóstico vai depender de diversos fatores. Em geral, os principais motivos que podem levar à demora desse diagnóstico incluem o desconhecimento sobre o tema por parte do profissional, o preconceito e o estigma relacionado aos transtornos mentais, que muitas vezes impedem o indivíduo e seus familiares de buscar ajuda profissional. Outro ponto importante a se destacar é que em muitos casos os episódios hipomaníacos/maníacos podem demorar a aparecer, induzindo o profissional ao erro”, destaca Giovanna.
O Dia Mundial do Transtorno Bipolar (30 de março) é uma data importante para que o estigma das doenças mentais seja combatido, mais informações cheguem à sociedade e as pessoas possam buscar diagnóstico, tratamento e uma melhora na qualidade de vida. “Falar e divulgar informações sobre o tema é, portanto, uma forma importante de diminuir o preconceito. No mais, é importante destacar que o diagnóstico de transtorno bipolar deve ser dado por um profissional de saúde mental devidamente regulamentado. Em caso de sofrimento, busque a ajuda de um psicólogo e/ou psiquiatra”, destaca Giovana.
A busca por um diagnóstico muitas vezes não é fácil para os pacientes. Engenheiro eletricista entrevistado para esta reportagem, que preferiu não ser identificado, conta que por muito tempo negou para si mesmo os sintomas e a ajuda. “Eu neguei em procurar ajuda durante muito tempo. Eu já começava a me sentir pra baixo e sem vontade alguma de estar vivo, até que houve a minha primeira tentativa de suicídio. Logo após isso procurei ajuda e comecei todos os tratamentos”, disse.
Ele foi diagnosticado também com ansiedade generalizada, estresse pós-traumático, fobia social e a depressão também. “O diagnóstico de bipolaridade demorou um pouco mais a sair, pois a minha médica estava analisando ainda o meu tipo de transtorno de personalidade, que poderia ser Borderline, mas devido ao grande número de tentativas de suicídio foi batido o martelo de que se trava de Bipolaridade Tipo II (ou bipolaridade depressivo)”, revelou o engenheiro, que tem o diagnóstico há três anos.
Os estigmas de possuir e tratar um transtorno mental levam muitas pessoas a não procurarem ajuda ou até mesmo terem dificuldade de falar sobre isso com amigos, familiares e no trabalho. O engenheiro relata que muitas pessoas tratam o assunto na brincadeira. “Algumas pessoas sempre brincam quando alguém muda de humor repentino dizendo ‘olha bateu a bipolaridade’. Porém, a realidade é bem mais diferente do que essa rápida mudança de humor. A bipolaridade é como se fosse uma montanha-russa, literalmente tendo os altos e baixos. Basicamente é todo dia matando um leão pra passar por tudo isso, é uma luta contra algo que está dentro da sua cabeça, é como se você fosse o seu próprio inimigo. Mesmo assim, muitas das vezes consigo segurar as pontas e meter a cara no mundo”, desabafa.
Os pensamentos suicidas e de autoflagelação (ato de machucar-se) estão muito presentes nos relatos de pacientes diagnosticados com bipolaridade. O estudante Pedro Ribeiro, 21 anos, que foi diagnosticado há cerca de oito meses, procurou ajuda profissional após alguns episódios de tentativas de suicídios. “Em julho do ano passado eu tive uma crise muito forte, por questões sociais e pessoais, que influenciaram para que eu tivesse alguns pensamentos e tentativas de suicídio. Cheguei a ir para um hospital e logo após a saída de lá eu fui aconselhado a procurar um psiquiatra e psicólogo para fazer acompanhamento. Eu já fazia tratamento com um psicólogo, mas depois do ocorrido acabei mudando para uma outra abordagem para dar continuidade e comecei a tomar também medicamentos de regulação do humor”, conta o estudante. Ele também relata que no início do tratamento com os medicamentos sentiu vários efeitos colaterais, como sono excessivo, muita fome e emoções à flor da pele. A melhora começou a aparecer em um mês.
A psicóloga Giovanna Maradei fala sobre a importância de um tratamento multiprofissional para pessoas com bipolaridade. Segundo ela, a abordagem mais indicada consiste na combinação de psicoterapia e tratamento medicamentoso. “Além disso, a presença e o apoio da família são fatores fundamentais na prevenção de recaídas e, consequentemente, na melhora da qualidade de vida do indivíduo. Sem o acompanhamento adequado, a tendência do transtorno bipolar é a repetição de novos episódios depressivos e/ou de mania, resultando em um possível agravamento do quadro e na piora da qualidade de vida”, alerta.
Esse é o caso da acadêmica de Direito Leticia Cardoso, 24 anos, diagnosticada há cerca de sete anos com o Transtorno de Bipolaridade Tipo I. Após o falecimento do pai, ela desenvolveu um quadro profundo de depressão. Mesmo com o diagnóstico há alguns anos, Leticia estava atualmente fazendo somente terapia cognitiva comportamental com uma psicóloga e teve uma piora no quadro do transtorno. “Conversando com a minha psicóloga a gente viu a necessidade de entrar com os remédios, por que estou numa fase depressiva há alguns meses, que tem afetado muito a minha questão acadêmica e profissional”, desabafa.
A jovem estudante fala que fazer acompanhamento com profissionais foi muito importante para entender mais sobre sua doença. “Antes eu não entendia por que eu sentia certas coisas, não entendia por que eu agia de tais formas. E com o tratamento terapêutico consegui começar a identificar as fases. Quando estou na fase de depressão, eu tenho uma grande dificuldade nas minhas relações pessoais e principalmente na parte profissional, no trabalho, atrapalha muito. Só que com a terapia eu consigo identificar essas fases, consigo entender o que está acontecendo comigo e tentar me organizar de certa forma”, conta Leticia.
Se por um lado a fase depressiva da doença traz muitas dificuldades para os pacientes, a fase eufórica também pode ser perigosa. “É uma fase que engana a pessoa, você tem uma falsa sensação de felicidade, acaba fazendo gastos exorbitantes, não tem limites para muitas coisas. Como se pensasse ‘vamos viver, a vida é curta’ e não pensa em mais nada. Então acaba que isso atrapalha. Quando eu estive nessa fase, foi o momento que eu tive mais gastos na minha vida, pois eu não pensava no amanhã. Acabei estourando cartões de crédito, não tinha sono, era uma energia ligada no 220v, queria traçar metas, alcançar metas, muitas coisas ao mesmo tempo. E aí do nada vem a fase depressiva depois, sem motivo”, desabafa a estudante.
Por Monique Leão (sob a supervisão do editor prof. Antonio Carlos Pimentel).