Unimed descredencia clínicas para autistas no Recife

Medida coloca centenas de famílias em risco de rompimento do vínculo terapêutico

por Rachel Andrade seg, 17/07/2023 - 19:24
Pixabay Clientes alegam que o plano de saúde descumpriu contrato Pixabay

A Unimed Recife, rede privada de planos de saúde, retirou cinco clínicas de terapia multidisciplinar, especializadas no atendimento a pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), da sua lista de locais credenciados. Diversas famílias foram notificadas da mudança com apenas uma semana de antecedência, diferente do prazo mínimo de 30 dias, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ). 

Uma das principais preocupações dos familiares é a quebra do vínculo terapêutico, e as consequências que podem acarretar para as pessoas autistas. É o caso do servidor público estadual Dayverson Catanho, pai de um menino autista, de 3 anos de idade. A Unimed havia indicado para a família de Dayverson o Núcleo de Neurodesensolvimento Objetivo (Nuno), que foi atendido por 11 meses. Com aviso prévio de uma semana de antecedência sobre a mudança, eles sentiram lesados, e tendo de enfrentar novas adaptações. 

"No caso do nosso filho, é muito difícil dele criar um vínculo, demora bastante tempo por causa da rigidez cognitiva. Depois de um trabalho de três a quatro meses, ele pôde começar a aceitar os terapeutas e começar a ter o efetivo exercício das terapias em si, para começar os ganhos terapêuticos. Nós começamos a visualizar [as melhoras no comportamento e adaptação do filho] durante esse tempo que ficamos lá, aí vem a Unimed e faz esse descredenciamento, para recomeçar tudo novamente, em outro em outro lugar”, relatou Dayverson ao LeiaJá

A maior preocupação da maioria das famílias afetadas pela mudança é acerca da dificuldade de adaptação dos pacientes a um novo local de tratamento. A maioria dos laudos médicos orientam que a continuidade do tratamento deve ser sempre priorizada, pois a quebra pode ocasionar um retrocesso no desenvolvimento cognitivo, como aconteceu com o filho de Dayverson. “Ele ainda começou a usar as palavras agora há pouco, os ganhos que a gente estava tendo depois da adaptação, da readequação verbal, começou a verbalizar recentemente, e tudo isso deu uma quebra no tratamento”, compartilhou. 

Segundo Franklin Façanha, advogado que trabalha pelas causas de pessoas autistas, a resolução 567/2022, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), garante que em caso de descredenciamento o plano deve oferecer rede credenciada com a mesma capacidade técnica e qualidade daquelas que estão sendo descredenciadas, nesse mesmo prazo de 30 dias. 

Na tarde desta segunda-feira (17), a Unimed enviou um informe geral para os beneficiários sobre a substituição de três clínicas da rede. As unidades Derby e Boa Viagem do Centro Especializado em Apoio Multidisciplinar (Ceam) e a Clínica Despertar não constarão mais na lista credenciada do plano a partir do dia 18 de agosto. Mesmo cumprindo o prazo de 30 dias, os familiares reclamam da falta de suporte da empresa, tendo em vista as dificuldades relatadas em adaptar os pacientes às mudanças.  

Uma fonte disse ao LeiaJá que problemática vai além do cumprimento de prazos. “Não é só a questão de avisar com 30 dias. Mas o mais importante é a quebra do vínculo terapêutico. Eu tenho um filho autista e sei como isso é importante. Eles demoram muito a criar esse vínculo com os terapeutas. E tirar, de repente, é um caos. Eles desestabilizam totalmente”, diz o relato. 

Dayverson também disse que, além de terem feito a mudança do local de tratamento do seu filho, a Unimed Recife descentralizou os atendimentos, alocando a criança frequentar dois locais diferentes. Antes, ele tinha acesso a todos os terapeutas e atividades em um só lugar, modificando a rotina de toda a família.

Fora da lei 

Ainda de acordo com Façanha, a atitude da Unimed Recife difere do que diz a Lei 12.764/2012, que garante os direitos da pessoa com autismo, e a lei de inclusão da pessoa com deficiência (Lei 13.146/2015), a partir do momento em que há rompimento do vínculo, sem respeitar os prazos da resolução da ANS e sem comunicar as famílias previamente. 

O advogado ainda afirma que a Unimed Recife pode ser acusada de cometer crime, conforme o art. 8, IV da Lei 7.853/1989, que incide sobre recusar, retardar ou dificultar internação, e ainda deixar de prestar assistência médico-hospitalar e ambulatorial à pessoa com deficiência. 

O LeiaJá entrou em contato com a assessoria de imprensa da Unimed do Brasil, pedindo uma nota de esclarecimento acerca da reclamação das famílias que foram informadas sobre a substituição com menos de 30 dias de antecedência, como o caso de Dayverson Catanho e seu filho. A empresa responsável pela assessoria de comunicação da rede informou que a solicitação foi encaminhada para a Unimed Recife, “que deve entrar em contato em breve”. Até o fechamento desta matéria, não tivemos resposta da Unimed Recife. 

Além do Nuno e Ceam, a Clínica Musicare Multiterapias e o Centro de Fonoaudiologia de Pernambuco (Cefope) foram descredenciadas do plano de saúde.

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