Dois meses de governo: Bolsonaro é uma ameaça às minorias?
A causa de grupos sociais como mulheres, negros, homossexuais e indígenas têm se sentido ameaçada desde a época da candidatura do atual presidente
Escolhido pela maioria dos brasileiros, em outubro de 2018, em uma das eleições que mais mexeu com o emocional do país, Jair Bolsonaro (PSL) tomou posse como presidente do Brasil no dia 1º de janeiro de 2019. Derrotando o seu arquirrival Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores - partido que governou durante 14 anos consecutivos, com os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff -, Bolsonaro parecia nadar em bons mares.
Durante uma campanha de grandes acontecimentos como, por exemplo, um atentado à faca sofrido por ele em Minas Gerais, Bolsonaro foi responsável por muitas frases e atitudes polêmicas.
Conservador assumido, defensor da família e dos bons costumes, o presidente pautou seu discurso de campanha com ideias que, em tese, comprometiam diretamente os direitos de minorias - e, aqui, falamos ‘minorias’ em relação à representação política - como mulheres, homossexuais, negros, indígenas e pessoas que vivem à margem da sociedade.
Mas, dois meses após a posse de Bolsonaro, qual é a realidade vivida por essas minorias atualmente? Há quem acredite que o presidente só gosta de colocar medo, mas não é tão extremista quanto à imagem que vendeu. Entretanto, o outro lado da moeda também é factível. Nestes 60 dias de governo, há uma parcela da população convivendo com o medo e a incerteza de dias futuros.
No tocante à parte de questões estritamente políticas - que não miram diretamente em questões humanas -, a gestão do PSL está encalacrada até o pescoço. São polêmicas envolvendo diversas vertentes, por exemplo: exoneração do ex-secretário-geral da Presidência da República, Gustavo Bebianno; estouro das candidaturas laranjas (uma delas, inclusive, vivenciada em Pernambuco) e a recomendação do Ministério da Educação (MEC) de que as escolas do Brasil toquem o hino nacional e filmem as crianças cantando em um ato de patriotismo. Patriotismo, sim. Doutrinação, nunca.
Porém, deixando de lado esses pontos meramente políticos, chegaremos às ações que tangem diretamente a vivência dos cidadãos, que têm direitos e deveres a serem cumpridos e respeitados. Após 60 dias de governo Bolsonaro, a doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco, Natália Cordeiro, acredita que caiu por terra a ideia de que Bolsonaro não ia fazer o que dizia.
“Quem usou isso como justificativa já não pode mais usar. Eu acho que as minorias são os grandes alvos, mas precisamos pensar como um todo. No sentido de que quando falamos de minoria, falamos, na verdade, de grandes maiorias: negros são a maior parte dos brasileiros, as mulheres são metade da população”, pontuou Natália.
O reajuste do salário mínimo, que ficou abaixo do que estava previsto no orçamento da União, também foi ponderado pela cientista política. “Ele mantém esse tom muito demagógico, populista, de que vai acabar o ‘toma lá, dá cá’, redução de ministérios, enxugar a máquina pública. Quando vamos analisar do ponto de vista científico, isso é uma grande falácia”, analisou.
A causa indígena não deixou de estar na pauta do novo governo. O polêmico veto do recurso de R$ 44 milhões para a Fundação Nacional do Índio (Funai), que seriam utilizados para alimentar questões indígenas, também teria sido entendido como uma desatenção às necessidades básicas deste grupo social da população. “Isso fala-se muito sobre as prioridades desse governo. Além disso, há a demarcação das terras indígenas e quilombolas e todas essas questões estão sob responsabilidade do ministério da Agricultura, que está sob responsabilidade de uma ruralista [a ministra Tereza Cristina]”, disse Natália.
A união dos ministérios da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos em uma única pasta, comandada pela ministra Damares Alves, foi pivô de duras críticas ao atual governo nestes primeiros dois meses. Com posicionamentos que causaram um verdadeiro burburinho na imprensa nacional, a ministra parece não se conter em falar pouco.
Para a cientista política Natália Cordeiro, unificar essas três vertentes e deixar sob o comando de uma pessoa com o perfil de Damares Alves é bastante problemático. “Acho muito sério associar mulher à família. Entra num tom de moral, moralismo. A gente vinha caminhando numa onda de tornar a secretária da Mulher, que tinha status de ministério, em uma perspectiva feminista, que é uma luta grande dos movimentos sociais”, afirmou, explicando que juntar mulher e família dá a entender que o papel social destinado às mulheres é cuidar da casa, da família e das crianças.
“Esse governo tem um projeto ideológico de acabar com políticas públicas, de retomar um projeto conservador, com traços de fascismo. É um projeto de manutenção do extermínio da população negra, sobretudo da juventude negra. É um estado militarizado e cada vez mais essa lógica é reforçada. Mas a resistência das minorias continua sendo feita, porque para essas pessoas não tem outra opção. É uma forma de continuar existindo”, finalizou Natália.