Conversas apontam que Moro interferiu em acordo de delação

Novas mensagens divulgadas pelo site The Intercept Brasil, através do jornal Folha de São Paulo, apontam que os acordos passavam pelo crivo do ministro, então juiz da Lava Jato em Curitiba

qui, 18/07/2019 - 08:58
Chico Peixoto/LeiaJáImagens/Arquivo Chico Peixoto/LeiaJáImagens/Arquivo

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, interferiu em negociações das delações de dois executivos da Camargo Corrêa. Ao menos é o que apontam as novas conversas vazadas, nesta quinta-feira (18), pelo site The Intercept Brasil, através do jornal Folha de São Paulo. O então juiz responsável pela Lava Jato na primeira instância em Curitiba, disse que só homologaria as delações se a pena proposta incluísse ao menos um ano de prisão em regime fechado para os executivos.   

A troca de diálogos divulgada aconteceu, de acordo com a reportagem, entre 21 de janeiro de 2015 e 6 de fevereiro de 2016. Período em que estavam sendo acordadas as delações e logo após o acordo ser fechado. 

A interferência de juízes no acordo de delação é proibida, de acordo com a Lei das Organizações Criminosas, de 2013. A legislação, que prevê as normas para delações premiadas, observa que os magistrados devem, apenas, verificar a legalidade dos acordos de cooperação, a homologação e a aplicabilidade do que foi acordado. 

As mensagens trocadas, contudo, apontam que Moro impôs condições e isso causou desconforto entre os procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Dental Dallagnol e Carlos Fernando dos Santos Lima.

Veja os trechos das conversas:

- No início de 2015, a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba negociava um acordo de leniência com a Camargo Corrêa.

21 de janeiro de 2015

Deltan Dallagnol (16:15:15) - Oi lindão

Carlos Fernando dos Santos Lima (16:16:42) Fechei o escopo ‘a princípio’ com a Camargo. Parece razoável. Petrobras, Belo Monte, Angra 3, Valec.

Deltan (16:27:37)Nós tínhamos que ser duros na negociação. Mas o sistema hoje não permite que eles digam tudo, e o que dirão é bem razoável. Agora temos que pensar na multa. Pede pro Roberto Leonel o faturamento e o lucro das empresas do grupo nos últimos 5 anos...

Carlos Fernando (21:29:50)Vou pedir 2 bilhões de dólares.

Deltan (22:10:24)Temos que ter os dados.... E calcular qto pagou de propina... Pra ter parâmetros. Sem prejuízo de pegar tudo que da

Carlos Fernando (22:19:56) Se tiver informações, sim. A reunião será na próxima semana.

- Em outro momento, já na reta final das negociações, Deltan sugeriu a Carlos Fernando que consultasse o então juiz Sergio Moro de fechar o acordo.

23.fev.2015

Deltan (23:57:09) Eu não estarei aqui na quarta, nem na reunião com o Moro, mas seria bom que houvesse uma conversa sobre os acordos dos três porquinhos. CF, Vc reclamou que me meti, mas podíamos ter problemas com a questão da Valec se o Helio Telho depois não concordasse ou criticasse nosso acordo, sendo ele o proc natural. A título de sugestão, seria bom sondar Moro quanto aos patamares estabelecidos ontem. Pensei sobre o que Vc disse de eles trazerem a CC. Pode acontecer, mas se eles não vão indicar um acionista, pegaríamos eventualmente outros diretores, torcendo para eles indicarem os acionistas. É possível que ocorra, mas temos que pensar em duas coisas: 1) vamos ter braço para tudo isso, ir atrás do diretor logo para que depois venha a CC? Há várias prioridades em andamento. 2) a meu ver, essa estratégia pode sim ser perseguida, mas as prioridades vivem mudando e o acordo deve ser justificável por si só. Colaborações são um flanco para críticas. Caminhamos com a força da opinião pública e não podemos perdê-la. Sei que Vc discorda do item 2, estou só colocando minha opinião. Estarei lá na quinta para sustentar isso; 3) uma crítica que virá é o do número de acordos de colaboração... não concordo com essa crítica se o acordo foi individualmente justificável, e não é minha maior preocupação, mas vi um ou dois de nós mencionarem essa preocupação.

24.fev.2015

Carlos Fernando (07:26:12)Deltan. Como disse ontem, não somos noviças virgens para ficar tão preocupados com o que vão pensar de nós. As críticas vem sempre, e ultimamente somos mais criticados pelo que não fazemos, como o PGR agora com o Pessoa. A minha crítica, e neste ponto falo pelo Januário, é que o procedimento de delação virou um caos. Creio que se a sua divisão de serviço pressupõe que eu e Januário estamos encarregados dos acordos, eles devem ser tratados por nós. Você é o Promotor natural e pode discordar, e eu sempre ouço todos, mas o que vejo agora é um tipo de barganha onde se quer jogar para a platéia, dobrar demasiado o colaborador, submeter o advogado, sem realmente ir em frente. Não sei fazer negociação como se fosse um turco. Isso até é contrário à boa-fé que entendo um negociador deve ter. E é bom lembrar que bons resultados para os advogados são importantes para que sejam trazidos novos colaboradores. Eu desejo que sejam estabelecidas pautas razoáveis, e que eu e Januário possamos trabalhar com mais liberdade. Os últimos acordos que fizemos foi por exclusiva vontade minha. E não vejo a reclamação generalizada contra eles. Muito pelo contrário. Agora o acordo com o Rafael foi bom para aplacar a insegurança de Brasília. Vamos pensar a longo prazo. Se falta de mãos fosse um argumento, não estaríamos aqui hoje.

Deltan (08:29:16) Carlos, eu apoiei todos os acordos que Vc fez. Essa autonomia não está existindo em nenhum setor. Todos estão opinando em AIAs, nas denúncias, no relacionamento com a imprensa, com a PGR, até no uso do meu tempo rs. Quanto mais sensível é o tema, mais todos querem contribuir para que o resultado seja melhor. O que acho que faltou no caso dos acordos, na minha opinião, foi conversarmos antes e pensarmos na estratégia. Reconheço que falhei em não organizar reuniões de coordenação. Devem existir mesmo. Como todos são Barbados e experientes, e não queria ficar me metendo, estava deixando rolar e que cada um marcasse reunião Qdo queria. Mas vejo agora que não é o ideal, e que tenho que estar mais perto de todos. Mas até isso não é unânime rs. Os acordos são sensíveis por diversas razões. Uma é opinião pública e precisamos dela meu amigo. Outra é o fato de que nossa e minha reputação estão ligados ao caso. Estamos numa era tecnológica e como promotores não ganhamos mas dependemos de nossas reputações. Isso me leva a ser mais conservador do que arrojado, mas te entendo também. Enfim, acho que devemos conversar mais e vamos fazer isso para trabalharmos como um time mais entrosado.

Carlos Fernando (09:37:52)Vou discordar de muitas das suas premissas, mas não aqui. Quero essa reunião com a presença de Januário e Orlando, ao menos.

25.fev.2015

Deltan (01:53:47)Carlos Vc quer fazer os acordos da Camargo mesmo com pena de que o Moro discorde? Acho perigoso pro relacionamento fazer sem ir FALAR com ele, o que não significa que seguiremos. Podemos até fazer fora do que ele colocou (quer que todos tenham pena de prisão de um ano), mas tem que falar com ele sob pena de ele dizer que ignoramos o que ele disse. Vc pode até dizer que ouve e considera , mas conveniência é nossa e ele fica à vontade pra não homologar, se quiser chegar a esse ponto. Minha sugestão é apenas falar.

- Depois da conclusão do acordo com a Camargo Corrêa, tornou-se natural os procuradores falarem sobre interferências de Moro. 

26.ago.2015

Douglas Fischer (11:35:24) Galera. O paulo disse ontem en passant aqui em Bsb que teria havia dois casos em que o Moro não aceitou proposta de acordos por falta de originalidade nas provas apresentadas. Vocês tem estas decisões dele ? Obrigado

Paulo Roberto Galvão (19:59:58)Douglas, o Moro tem reclamado bastante, mas ao final sempre concorda com a nossa proposta. No caso do Dalton Avancini, ele inclusive consignou a discordância (acho que em ata de audiência) e deu cinco dias para justificar, mas depois aceitou. Mais recentemente ele também implicou com o acordo do Musa, mas não sei se constou por escrito (Diogo sabe?)

Orlando Martello (20:02:52) Januario estão reforçando os depoimentos para superar a questão, mas ainda não foi homologado o do Musa.

- Já em fevereiro de 2016, Deltan procurou Moro para discutir o caso de outro executivo da Camargo Corrêa, João Ricardo Auler, que estava fechando acordo de delação premiada.

5.fev.2016

Deltan (23:36:36) Caro: Gebran e colegas da regional entenderam que não seria o caso de homologar o acordo do Auler lá, por não haver pessoas indicadas que tenham prerrogativa de foro. Ainda que discordando tecnicamente, vejo vantagens pragmáticas de homologar por aqui, mas não quisemos avançar sem sua concordância quanto à análise dessa questão por aqui... Podemos prosseguir? Se preferir, vou à JF conversar pessoalmente

6.fev.2016

Sergio Moro (01:20:08) Para mim tanto faz aonde. Mas quais foram as condições e ganhos?

Deltan (08:06:36)Ok. Não sei, quem fez, creio, foi CF. Vou checar e eu ou alguém informa.

Outro lado

Em nota, Sergio Moro disse que não participou de negociações de acordo de delação premiada.  “Enquanto juiz, não houve participação na negociação de qualquer acordo de colaboração”, diz o texto. “Cabe ao juiz, pela lei, homologar ou não acordos de colaboração”, acrescenta. 

Além disso, na nota Moro pondera que “pela lei, o juiz pode recusar homologação a acordos que não se justifiquem, sendo possível considerar a desproporcionalidade entre colaboração e benefícios.” O ex-juiz também observa que não reconhece a autenticidade das conversas vazadas. 

A força-tarefa da Lava Jato, por sua vez, disse que “não reconhece as mensagens que têm sido atribuídas a seus integrantes”.  “O material é oriundo de crime cibernético e não pode ter seu contexto e veracidade confirmados”, declarou em nota.

*As conversas foram transcritas sem correção ortográfica

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