Aulas remotas impõem desafios e revelam desigualdade

Com o isolamento social da pandemia, as maiores dificuldades dos alunos, relatadas por professores, são o acesso precário à internet e a falta de celular e computador

qua, 19/05/2021 - 10:21

Com o início da pandemia da covid-19 no Brasil, em março de 2020, escolas de todo o país foram fechadas como parte das medidas para conter a propagação do novo coronavírus. O fechamento obrigou a substituição das aulas presenciais por aulas remotas pela internet. Um desafio inesperado para os professores, tanto de escolas particulares quanto de escolas públicas, que tiveram que superar as dificuldades e se adaptar à nova realidade.

Para o professor de física Lauro Henrique Santana, que dá aulas para o ensino médio em três escolas públicas de Belém, o processo de adaptação às aulas remotas foi difícil por exigir uma nova série de habilidades. “Tive que aprender várias tecnologias, principalmente edição de vídeos. Fazer transmissões para Facebook, Youtube, Telegram, Instagram. Tive dificuldade em adaptar o ensino da física através de várias tecnologias”, contou.

Outra dificuldade é a infraestrutura de acesso à internet que, segundo Lauro, é precária na região Norte e exigiu um custo financeiro do educador para ser contornada. “Eu tive que pagar uma internet mais cara para produzir e transmitir uma live de qualidade. Imagina um aluno que está numa situação de internet compartilhada? fica difícil para ele receber a transmissão por uma qualidade melhor”, disse.

Com essas dificuldades, Lauro considera que o grande desafio das aulas pela internet é a interação professor-aluno. “Todo aluno tem a sua dificuldade de acessar a internet. No entanto, o professor deve criar metodologias para prender a atenção desse aluno. Como a física no esporte, a física e a música popular brasileira. O processo físico de explicação da covid-19, para que o aluno possa entender, no seu dia a dia, a realidade dessa pandemia”, explicou.

O professor também considera que a pandemia afetou negativamente o desempenho dos alunos. “Eu observo que o aluno não consegue atingir os objetivos da aula no ensino remoto comparado com as aulas presenciais”, finalizou.

Desafios

A pandemia do novo coronavírus escancarou a desigualdade no ensino paraense. Não tem sido fácil a adaptação do sistema remoto para Adelaide Gomes, que dá aula na rede municipal de Belém aos alunos do ensino fundamental.

O sentimento de frustração por não conseguir executar o plano de atividades como desejado e a rotina extensa e exaustiva de trabalho são sentimentos que acompanham a educadora há um ano. "É frustrante porque, como professora, eu não tenho experiência em videoaula, trabalhar com meet, e os nossos alunos não têm acesso à internet”, enumera Adelaide, afirmando sobre as dificuldades.

Em 15 anos de profissão, essa é a primeira vez que a professora afirma viver o pior momento da carreira. O motivo? A incapacidade de conseguir alcançar de forma imparcial todos os alunos. De acordo com a educadora, durante as aulas remotas, ela não consegue ensinar nem 20% da turma, que é composta por 36 alunos.

"A escola não dispõe de recursos [necessários]. [A falta de] livros também é outro ponto importante. Vêm livros, mas não vem livro suficiente para aquela quantidade de aula", afirma a professora.

Outro ponto a ser destacado pela educadora é a sobrecarga de trabalho durante esse período da pandemia. “Quando estava no presencial e trabalhava de manhã e tarde, não levava trabalho para casa. Hoje, a sensação que é que eu estou 24 horas on-line trabalhando. Porque mando atividade de manhã e a mãe [do aluno] só pode mandar à noite. Eu entendo também, não vou chegar e dizer: ‘Não vou receber’.”

Como forma de driblar as dificuldades e dar continuidade no ensino a distância, a professora conta que tem se disponibilizado em auxiliar mães e alunos por videochamada, principalmente porque a escola não fornece livros ou materiais de apoio aos alunos.

Rede privada

O professor Henac Almeida, que trabalha em duas escolas particulares de Belém dando aulas de biologia para alunos do ensino médio, diz que a mudança na rotina de aulas também teve um custo financeiro. “Eu fui obrigado a montar um estúdio em casa que tivesse um quadro, uma iluminação apropriada. Fazer um isolamento de som. Foi um investimento alto”, lembrou.

Henac também lembra que, no início da pandemia, a adaptação das aulas remotas no ambiente doméstico foi difícil. “Eu tenho um bebê. Meu filho vai fazer 3 anos ainda. Ele está sempre correndo, gritando. Quer sempre o pai para brincar. Então tive que me isolar para fazer as aulas”, explicou.

O professor conta que o fato de já possuir um canal no Youtube ajudou no processo de adaptação. “Aquele traquejo com a câmera, com a gravação, eu estou um pouquinho mais familiarizado. E isso acabou trazendo vantagem nessa hora de se adaptar para aula remota”, disse.

Atualmente, Henac diz que já está mais adaptado e que consegue manter com os alunos uma rotina semelhante à que tinha na sala de aula, graças aos investimentos pessoais e o suporte das escolas. “As escolas em que eu trabalho acabaram dando uma condição bem legal. Conseguiram trazer plataformas. Eu uso Zoom em uma escola e o Microsoft Teams no outro colégio. Funciona bem bacana”, afirmou.

Para o biólogo, os desafios que persistem até hoje são os de manter o interesse dos alunos nas aulas e fornecer aos professores condições para realizar uma aula de qualidade, como espaço físico adequado, com boa iluminação e equipamentos. “Esse é o desafio maior. Porque para manter o aluno interessado na aula a gente tem que estar se reconstruindo o tempo todo. E ter o espaço físico adequado, as ferramentas, um ambiente que favorece o trabalho do educador é importante. Não é todo professor que tem isso”, explicou.

Apesar de ter se adaptado bem às aulas remotas, o educador diz ter certeza de que o rendimento não é o mesmo se comparado com o ensino presencial, por causa da interação aluno-professor. “Essa vivência lado a lado está fazendo muita falta. Às vezes, na sala de aula, a gente está olhando o rostinho do aluno e ele não pergunta, porque tem vergonha. Mas pelo rostinho dele eu consigo saber que ele não aprendeu”, afirmou.

Segundo o professor, essa necessidade de interação presencial é ainda mais importante para os alunos mais novos do ensino fundamental. Diante dessa situação, observa, o professor deve ficar atento, repetir o conteúdo e encontrar soluções para que o aluno aprenda o máximo possível.

Além da interação aluno-professor, Henac Almeida considera que o maior impacto da pandemia na educação foi o aumento da desigualdade entre os estudantes. evidenciado pelo número de estudantes que se inscreveram no Enem mas não realizaram o exame, de acordo com o educador. “Muitos desistiram. Aqueles alunos que não tinham professores com condições de dá aula remota. Que não tinham internet em casa. Não tinham um local para estudar”, disse.

Por causa dessas desistências, muitos dos estudantes que fizeram o Enem no ano passado, para ingressar no ensino superior, possuíam melhores condições financeiras e eram de escolas com mais estrutura, segundo o professor. “A meu ver, como educador, aconteceu uma seleção horrível. Favoreceu a segregação social que já é nítida no Brasil. Faltou intervenção maior do Estado. Faltou uma política pública mais efetiva”, finalizou.

Por Amanda Martins e Felipe Pinheiro.

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