"Racismo é coisa rara”: o mito da democracia racial

Diante das negações de que existe racismo no Brasil, as vivências confirmam que o país está longe da plenitude e igualdade racial

por Jameson Ramos ter, 21/05/2019 - 16:05

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Que a violência urbana atinge todos os corpos, isso é notório. Mas qual a principal cor dessas vidas assassinadas cotidianamente? De acordo com vários levantamentos de institutos brasileiros, o corpo negro é o mais atingido por essa violência cotidiana, desde antes da proclamação da República do Brasil. É também por isso que - não por acaso -, o mês de maio é tido como um dos meses mais importantes para os negros que (ainda) lutam pela total inclusão social e contra a institucionalização do racismo no país.

Foi no dia 13 de maio de 1888 que a escravidão foi abolida no Brasil. Mas, até os dias atuais, essa população sente na pele os resquícios dos 338 anos da escravidão no Brasil, questionando essa “falsa democracia racial”, como revela o comunicador e influenciador digital Ad Junior.

É durante o mês de maio, época em que se ecoa a “liberdade dos negros”, que o movimento alerta para as discussões de que não houve uma verdadeira ressocialização do negro e que a alforria não veio seguida da reparação necessária. O presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Humberto Adami Júnior, acentua que há muito tempo o movimento negro faz a denúncia do mito da democracia racial.

“Antes dessa denúncia, se acreditava piamente que aqui não existia nada (racismo) e que os negros que podiam reclamar eram os tais ressentidos. Eu vejo como uma vitória o desfazimento do mito da democracia racial”, aponta Adami. O advogado assevera que há parcelas da população que acreditam piamente nesse “mito da democracia racial”.

Esse apontamento do Humberto Adami se solidifica quando observado que os negros, mesmo sendo maioria da população brasileira (55,6%), são os que mais enfrentam dificuldades para sobreviver no Brasil. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que a porcentagem de negros em situação de pobreza e extrema pobreza dobrou no país em cinco anos.

“É óbvio que legalmente a lei (Áurea) acabou com a escravidão, mas não dizia em nenhum momento em ofertar a liberdade. Ela acabou com o regime de escravos, ou seja, o modo de produção escravocrata. Entretanto ela não acaba com o modo de produção da emancipação, que é a inclusão do negro no modo de produção assalariado. Nós não fomos incluídos. O país optou por incluir no modo de produção assalariado uma força de trabalho de imigrantes, que não vieram para o Brasil em condição de escravo”, acentua Roque Ferreira, um dos coordenadores do Movimento Negro Socialista.

O movimento avalia que a abolição foi importante, mas faz a seguinte interrogação: “Qual é a situação do negro no pós-abolição”. Roque aponta que aos negros não foi dada nenhuma condição objetiva e material para que ele pudesse se enquadrar no novo sistema pós-abolição. “Naquele momento éramos constituídos inimigos do Estado, que permanece até os dias atuais”, diz.

Por integrar um movimento socialista, Roque fala que a partir do momento em que se desenvolve o sistema de apropriação do capital e o sistema de exploração, dentro desse contexto do sistema capitalista o negro é o setor mais explorado enquanto força de trabalho, "sofrendo toda a violência do racismo estrutural do Estado".

O Movimento Negro Socialista não se associa às convições políticas que alguns setores do movimento negro defendem - como as políticas de reparação social baseadas no critério do racialismo. “Nós entendemos que a maneira do estado pagar essas reparações seria a de ofertar condições de igualdade para todos. Mas como vivemos num sistema capitalista, isso seria uma utopia não realizada. O sistema não vai dar igualdade econômica para todos e, tão pouco, igualdade racial. O racismo é um dos pilares que sustentam o sistema capitalista e de exploração de classes”, justifica Roque Ferreira.

Em consonância com a realidade política do Brasil, Humberto Adami avalia que a discussão do racismo e inclusão social dos negros deveria ser uma pauta suprapartidária. “Todos deveriam estar apoiando a inclusão e o empoderamento. Mas o que se ver é o contrário, é a negação do racismo dizendo que não precisa (da inclusão) porque são todos iguais e aqui (no Brasil) não tem racismo”, pontua o advogado. 

Mesmo o presidente da república afirmando em entrevistas que "racismo é coisa rara no Brasil", o que se vê é que a cada dia a segregação racial se assevera, aprofundando a desigualdade social no país.

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