Coletivas de Trump sobre Covid-19 viram comícios

Em seu estilo único, o presidente fala de tudo, desde política externa a suas realizações pessoais, sobre a imprensa 'desonesta' e suas próprias opiniões médicas não convencionais

sex, 27/03/2020 - 07:06
MANDEL NGAN O presidente de Estados Unidos, Donald Trump MANDEL NGAN

Forçado pela pandemia do novo coronavírus a suspender comícios de reeleição, o presidente Donald Trump transformou os pronunciamentos diários na Casa Branca sobre a crise em discursos de campanha, enquanto seu principal adversário está em quarentena.

Em um país paralisado pelo medo do vírus devastador, o púlpito da sala de imprensa da Casa Branca é o local ideal para os telespectadores no horário nobre receberem as últimas informações do governo. Ou pelo menos essa é a ideia.

Mas o centro do palco está reservado para Trump e, com pouco mais de sete meses para o dia das eleições presidenciais, o vírus não é a única batalha na mente dos republicanos.

Especialistas como o renomado médico de doenças infecciosas Anthony Fauci se alinham atrás do presidente. Mas a estrela principal, no entanto, é o presidente. Entre as 17h30 e as 18h00 em Washington, os pronunciamentos não são curtos, duram 90 minutos ou mais.

Seus conselheiros chegam primeiro, ficam silenciosamente em pé em torno de um espaço vazio no púlpito. Então, com a experiência de alguém com uma longa história na televisão, Trump entra.

Ele lê uma longa declaração em que atualiza o que seu governo está fazendo, para em seguida apresentar seus subordinados, a quem pede para cada um dizer algumas palavras.

“Alguma pergunta?” E o show começa.

Em seu estilo único, Trump fala de tudo, desde política externa a suas realizações pessoais, sobre a imprensa "desonesta" e suas próprias opiniões médicas não convencionais.

A atmosfera é instantaneamente reconhecível para quem já viu os comícios "Make America Great Again" ("Tornar a América grande novamente"), apenas sem aplausos.

No final, os jornalistas na sala, em número reduzido devido às restrições impostas pelo combate ao novo coronavírus, começam a ficar sem perguntas.

Mas Trump não pode ficar longe das câmeras.

"Comecei a gostar desta sala", afirmou o presidente.

- Preso no sotão-

Os pronunciamentos garantem uma grande audiência ao vivo, com mais de oito milhões de espectadores em média, às vezes ultrapassando os 12 milhões.

Como sempre, o show de Trump é um sucesso.

O mesmo não ocorre com o candidato democrata Joe Biden. O ex-vice-presidente de Barack Obama estava no auge apenas algumas semanas atrás, com vitórias impressionantes nas primárias democratas contra seu rival, Bernie Sanders.

Assim que ele estava pronto para enfrentar Trump, a pandemia de coronavírus chegou. E como milhões de outros americanos, Biden, de 77 anos, acabou confinado em sua casa.

Esta semana, finalmente, ele procurou sair do isolamento montando um estúdio em seu porão cheio de livros.

Mas problemas técnicos e uma equipe de campanha aparentemente incapaz de mudar de rumo rapidamente fizeram Biden parecer um amador.

Em uma conversa virtual com apoiadores na noite de quarta-feira, Biden falou fluentemente sobre política externa, o novo coronavírus e muito mais. Mas apenas cerca de 2.000 pessoas viram.

Enquanto isso, Trump estava se exibindo na sala de imprensa da Casa Branca.

- Jonalismo ou propaganda? -

Como Trump sai do assunto central do encontro com a imprensa com tanta frequência e faz comentários sobre assuntos médicos que seus especialistas mais tarde terão que negar, algumas empresas de mídia americanas estão pensando em reduzir a cobertura ao vivo.

"Se ele continuar mentindo, como todos os dias, sobre coisas tão importantes, todos devemos parar de transmiti-la", disse Rachel Maddow, uma forte crítica de Trump que tem um programa na MSNBC, na semana passada.

O conselho editorial do New York Times disse que era "hora de terminar" os pronunciamentos. O veterano jornalista da ABC, Ted Koppel, também disse que a mídia precisa repensar a cobertura tradicional de um presidente não convencional.

"Trazer uma câmera para um evento ao vivo e deixá-la gravando é tecnologia, não jornalismo; jornalismo requer edição e contexto".

Ari Fleischer, que foi secretário de imprensa da Casa Branca no governo republicano George W. Bush, diz que os jornalistas de esquerda estão simplesmente tentando isolar Trump do povo.

"A aprovação de Trump atinge o mais alto nível de sua presidência", escreveu no Twitter. "Não é por acaso que muitos repórteres da resistência querem retirar seus relatórios do coronavírus do ar".

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