Histórias de quem vive a pandemia bem longe da família

LeiaJá falou com brasileiros que vivem na Europa, novo epicentro da doença que assola o planeta

por Alex Dinarte sex, 27/03/2020 - 16:59

A pandemia de coronavírus (Covid-19) assusta a população de todo o planeta. São cerca de 24 mil mortos no mundo em decorrência do contágio pelo vírus ainda incurável. Cientistas têm se desdobrado na tentativa de achar a cura, e autoridades de saúde se viram como podem para evitar a proliferação. A rotina de todos os habitantes da Terra foi modificada.

Em todas as partes do mundo, comerciantes, artistas, esportistas e funcionários de grandes empresas pararam suas atividades ou se esforçam para reduzir o prejuízo. Muitos procuram seguir no exercício das mais diferentes funções de dentro da própria casa, dividindo o espaço do ambiente com a família. E quem está distante da família e do país de origem lida a preocupação à distância.

A brasileira Gisela Batista, 33 anos, mora no arquipélago de Malta. Psicomotricista e educadora física, ela diz que a proximidade da ilha com o sul da Itália, cujo coronavírus vitimou mais de oito mil pessoas, fez a administração local agir com rapidez e fechar áreas de grande concentração de pessoas. "Como estamos muito perto da Itália e muitos italianos moram em Malta, as prevenções foram rápidas e mais restritas. As pessoas em quarentena podem levar multa de até € 1.000 [equivalente a R$ 5.600) a cada vez que sair de casa", comenta.

Apesar de não poder circular de forma livre, a autônoma que mora no Velho Continente há quatro anos afirma que tem trabalhado direto do lar e só a rotina da ilha em relação ao comércio foi alterada. "As farmácias atendem apenas uma pessoa por vez e os demais esperam fora, a um metro de distância um dos outros. Nos mercados pequenos entram apenas quatro pessoas por vez e, nos de médio e de grande porte, colocaram vidros nos caixas, além de equipar os funcionários com máscaras que cobrem todo o rosto e luvas", conta Gisela.

Ainda segundo a educadora física, a percepção do problema foi instantânea e assim conseguiu conscientizar a família e os amigos no Brasil. "Com a informação que os países fechariam as fronteiras, passei a alertar a minha família sobre a gravidade do vírus e como eles deveriam se proteger em relação a isso", ressalta. "Tive que ser dura para começarem a se prevenir com rapidez, pois tem sempre um que imagina que não é tão grave assim", complementa.

 

Em Portugal

O corretor de seguros Alexandre Oliveira, 36 anos, vive na cidade de Porto, em Portugal. O brasileiro já viveu dois anos na Irlanda, mas teve que deixar o país após o visto estudantil ter perdido a validade. Para Oliveira, a pandemia da Covid-19 preocupa pela saúde e pela questão econômica. Ele e a esposa estão impossibilitados de procurar trabalho fixo por causa da quarentena recomendada pelo governo português. "Do tempo entre a mudança de Dublin para Porto o surto aumentou. Já estávamos desempregados e continuamos assim, aguardando uma melhora nessa situação para tentarmos iniciar nossas vidas em Portugal", conta o paulistano que também é fotógrafo e videomaker.

De acordo com Oliveira, o que o conforta na crise em terras portuguesas é a própria população local que procura colaborar para a diminuição do contágio pelo vírus e o trabalho das autoridades de saúde que, segundo ele, cumprem bem o papel no combate à disseminação. "A população tem colaborado muito também pelo fato de grande parte da população ser da faixa etária de maior risco de infecção. Os idosos são muitos e as autoridades estão agindo com as medidas necessárias para reduzir o risco e investindo na compra de material preventivo", explica.

Com a família na região leste da capital paulista, Oliveira mostra apreensão, mas não perde o bom humor. "Apesar de estarmos morando fora do Brasil, temos familiares e amigos que fazem nossa conexão com o país permanecer forte. Como diz o ditado, 'estamos com um olho no peixe e outro no gato'", brinca.

 

Veja como estão as ruas de Porto, em Portugal, e Hoofddorp, na Holanda:

 

Na Holanda

Moradora dos Países Baixos há cerca de quatro anos, a advogada Rosyane Lobo, 34 anos, reside em Hoofddorp, cidade a 28 km de Amsterdã, capital da Holanda. Por lá, algumas empresas adotaram o esquema de rodízio de funcionários para evitar o máximo de circulação de pessoas nas ruas. Atuando em uma rede de hotéis, a brasileira precisou mudar alguns hábitos e adotou novos procedimentos na assepsia do lar. "Vou fazer compras uma vez por semana e pego apenas o que irei consumir nos próximos sete dias. Aqui teve um pequeno surto do papel higiênico e do álcool em gel, mas os grandes varejistas fizeram um apelo à população, porque eles têm estoque para todos. Em casa, criamos uma rotina com um cuidado extra com a higiene, deixamos o sapato na porta, lavamos as mãos e desinfetamos celulares e chaves toda vez que chegamos", conta.

Na Holanda, apesar das medidas poderem ser vistas como menos restritivas, as pessoas entenderam a gravidade do problema só depois da primeira semana de março. "Os holandeses estavam um pouco céticos sobre o impacto que a Covid-19 poderia causar. Senti que a maioria deles estavam pensando que eram só uma gripezinha, mesmo assim já estavam trabalhando em casa por recomendação do governo", conta Rosyane, que está temerosa com a possibilidade de fechamento das fronteiras e ser forçada a não poder ver a família no Brasil.

Além deste receio, a advogada é sucinta ao avaliar a situação pandêmica do momento. "Não acho que tem que ter histeria e nem pânico, mas tem que ter sim informação, prevenção e um minucioso plano para lidar com a crise que ainda está por vir", analisa. "Do Presidente da República não espero opiniões, espero uma rápida ação baseada em fatos, estudos, que sejam sensatos e reúnam os melhores profissionais na área da saúde e da economia para debaterem e decidirem juntos o melhor para o Brasil, sem ideologias, sem política, mas com humanidade. Primeiro devemos salvar vidas, depois a economia", complementa.

 

Poucas pessoas circulam por Dublin, na Irlanda | Foto: Isabela Macedo

Notícias de Dublin

Nascida no interior de São Paulo, a locutora Isabela Macedo, 27 anos, mora há pouco mais de dois anos em Dublin, capital da Irlanda. Sem poder exercer a função de supervisora em um pub (bar) a cerca de quinze dias, devido à quarentena imposta pelas autoridades, Isabela tem ficado em casa. A brasileira é remanescente de um período crítico em 2018, quando o país enfrentou o pior desastre climático das últimas três décadas. "Como naquela época, muitos comércios fecharam e as prateleiras dos mercados ficaram vazias", recorda.

Segundo a comerciária, outro item que falta em tempos de crise é a solidariedade. "Não consigo entender a necessidade de estocar tanta coisa sendo que o comércio segue aberto. Muita gente fica sem ter opção de compra porque alguém comprou demais o que não precisava", relata. De acordo com Isabela, assim como os brasileiros, os irlandeses têm dificuldade para permanecerem em resguardo. "Ainda vemos muita gente nas ruas, principalmente agora que o clima está começando a ficar favorável para nós. A nossa quarentena já foi prorrogada, por enquanto teremos um mês de isolamento", destaca.

Apesar de preocupada com o Brasil e com saudades da família que reside no município de Sumaré (117 km da capital paulista), ela afirma estar mais aflita com a situação na Europa. Em contato diário com os pais por chamada de vídeo, Isabela reflete. "É uma sensação horrível viver tudo isso distante de casa, ruim estar longe e não poder ajudar o próximo que corresponde na mesma língua nativa que a minha", comenta a brasileira.

 

Na terra da Rainha

Na cidade de Londres, a ordem para fechar tudo vinda do primeiro ministro Boris Johnson, que testou positivo para o coronavírus, fez a gerente de comunicação Rosiane Siqueira, 32 anos, mudar tudo em relação aos afazeres diários e à vida ativa em uma das mais importantes capitais do mundo. "Estou trabalhando de casa desde a semana passada. Ainda frequentava casas de amigos e lugares menos cheios, mas como as diretrizes do governo mudaram, temos apenas permissão para ir aos mercados, farmácias e sair para atividade física uma vez por dia", afirma.

Vivendo na Europa há dois anos, Rosiane acredita que as autoridades demoraram para agirem por lá. Por avaliar muitas medidas governamentais (maior pacote econômico da história do que injetou £ 30 bilhões como estímulo e outros £ 330 bilhões para empréstimos às empresas, além de pagar salários aos desempregados, entre outras ações) como decisões acertadas, a jornalista observa uma certa dubiedade da população londrina. "Depois das medidas replicadas em dezenas de países, ainda vemos resistência de uma parte da população em seguir as regras. Da minha janela, vejo várias pessoas pelas ruas e há inúmeros relatos do metrô lotado, pois muitos não têm como trabalhar de casa. Outras ainda não entenderam a gravidade da situação e estão ignorando as diretrizes do governo", relata Rosiane.

Sobre o surto no Brasil, a paulista de Suzano, município da região metropolitana de São Paulo, busca acompanhar as notícias e diminuir a ansiedade da família que está no Brasil. "Tento tranquilizá-los ao máximo do que está acontecendo aqui para que não se preocuparem muito comigo, mas morar fora requer convívio com uma ansiedade constante", considera. Estabelecida em território inglês há 18 meses, Rosiane descarta retorno à terra natal. "Me preocupo com o egoísmo e individualismo que tem vindo à tona em nós brasileiros. Em nenhum momento dessa crise pensei em voltar ao Brasil exatamente por isso. Aqui, ainda tenho respiros de esperança com os governantes. No Brasil, perdi isso", complementa.

 

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