Vulnerabilidade na quarentena e o acesso ao essencial
A necessidade de se prevenir do novo coronavírus estabeleceu uma realidade ainda mais difícil às pessoas em situação de rua da Região Metropolitana do Recife (RMR)
O cenário imposto pela crise da pandemia acentuou a carência das camadas sociais mais vulneráveis da Região Metropolitana do Recife (RMR). Diante das recomendações sanitárias para ficar em casa e reforçar a higiene, a população em situação de rua busca alternativas para permanecer de pé e evitar ser infectada pelo novo coronavírus. O LeiaJá colheu relatos de quem tem como única opção apoiar-se no assistencialismo para superar o vírus e o preconceito.
A suspensão do comércio não essencial e a restrição da movimentação de pessoas limitou ainda mais as possibilidades de coexistir na agitação de Recife e Olinda. Sem muita informação sobre o novo coronavírus, desabrigados olham para uma multidão mascarada, em posse de tubos de álcool gel, e tentam entender a gravidade da doença que já matou mais de 1.300 pessoas em Pernambuco.
Para uma vida em bancos de praça e sob marquises, banho e alimentação digna são luxos. Porém, o burburinho sobre as mortes decorrentes da pandemia avança e o medo fez com que buscassem ajuda da gestão pública. Em Olinda, a Casa Três Marias, no Carmo, foi disponibilizada para oferecer higienização, instrução e um lanche aos desabrigados. O município já registrou 1.330 casos confirmados e 97 óbitos, aponta a prefeitura.
No ponto de apoio, cerca de 80 atendimentos são realizados diariamente, no entanto, cerca de 25 desses optam pelo banho, revela a educadora sanitária Laís Spínola. A proposta é evitar a contaminação, ainda que seja difícil permanecer livre em um ambiente tão frágil que é a rua.
Quem tem fome, tem pressa
Já no Recife – município com cerca de 507 óbitos -, o Restaurante Popular Josué de Castro, no bairro de São José, permite que a fome seja combatida com a entrega mais de mil quentinhas, das 11h às 14h. O almoço geralmente é uma das refeições adquiridas em uma peregrinação diária, que os necessitados fazem em busca de alimento.
O ex-pedreiro Danúbio Alves, de 63 anos, relata que sai da comunidade do Bode, um trajeto da Zona Sul ao Centro, para quebrar jejum. O café da manhã é servido no Armazém do Campo, com ingredientes doados por agricultores de assentamentos ligados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Após almoçar no restaurante popular, ele segue para a Praça do Diário, onde conta com a empatia de grupos voluntários para voltar ao barraco de barriga cheia.
Além do poder público
Para quem não passa por essa necessidade e se comove com a condição, “a satisfação de doar, de tirar a fome de uma pessoa naquele dia, ver os olhos das pessoas quando a gente chega e ouvir: ‘meu Deus, hoje eu não sabia o que ia comer’, e de repente chega uma marmita [...] não tem nada no mundo que pague”, garante a instrumentadora cirúrgica, Ana Vieira.
Junto a oito familiares, ela encabeça o projeto Almoço Solidário, que distribui a cada quinze dias 200 refeições para quatro comunidades do Janga, em Olinda. Ela se apoia na contribuição de amigos para tocar o projeto.
Enquanto as mulheres ficam responsáveis pelo preparo, os homens dividem-se em dois carros e saem pelas ruas das comunidades fazendo a boa ação. ”A comida que faço na minha casa é a mesma que vai para a doação. É simples, mas é uma comida feita com muito amor e carinho”, assegura Ana. Para ajudar o grupo a manter o trabalho, basta entrar em contato com Freire através do contato 98324.2415.