Memorial digital homenageia mortos por Covid-19

Página na Internet monta um acervo dedicado à importância das vítimas na vida dos entes queridos

por Alex Dinarte ter, 02/06/2020 - 16:47

O número de mortos em decorrência da pandemia causada pelo novo coronavírus se aproxima de 30 mil no Brasil. Com a recomendação de isolamento social no período pandêmico, a grande maioria das vítimas da Covid-19 não pôde ter a tradicional reunião familiar para rituais como velório e enterro ou cremação.

Além de terem que lidar com o luto, parentes e amigos ainda podem sofrer mais com a dor de não conseguir homenagear, de modo digno, muitos dos que partiram em virtude da doença. A partir da impossibilidade das famílias em realizar, como de costume, a maioria dos cerimoniais que envolvem o momento de morte, as psicanalistas Erica Azambuja, de 40 anos e Marilia Velano, de 38, idealizaram o Memorial Santinho.

A página, que está no ar na Internet desde o final de abril, é um ambiente exclusivo para homenagear os que morreram após terem contraído o vírus. Por meio de uma dedicatória e a fotografia de um objeto que representa o convívio da pessoa com a família, a reverência fica eternizada.

De acordo com Marilia, a iniciativa surgiu da necessidade de celebrar a importância que cada ente tem na vida de seus pares. "Pela impossibilidade de simbolização dessas perdas, para que este trabalho de luto tenha seu lugar merecido e seja pontuado com a importancia que foi a vida da pessoa em relação à continuidade dela para os que ficaram", explica.

"A escolha de um objeto é um movimento para quem está enlutado recordar traços, características, histórias da vida, é um ato civilizatório para dar um lugar merecido aos que partem", acrescenta a psicanalista.

Segundo Marilia, os pedidos de inclusão no acervo virtual são oriundos das redes sociais e do empenho da rede de apoio psicossocial Memorial das Vítimas do Coronavírus no Brasil. "Fomos percebendo a necessidade de oferecer nossa escuta clínica para familiares que hoje vivem uma situação devastadora", comenta.

De acordo com ela, o trabalho do Santinho pode colaborar para que os entes aceitem a perda e sigam mesmo sem recursos psíquicos, como o de não ver o corpo do morto ou não ter o encontro com demais entes, no momento de despedida. "O que  tentamos fazer tem a ver com um remendo, uma costura fina, uma escrita conjunta para que este luto seja vivenciado e simbolizado pelo sujeito e pela sociedade", ressalta.

Mesmo sendo o luto um processo individual, o acervo simbólico também abrange o modo de como cada pessoa lida com a perda. "Este processo é muito singular e cada um vai vivenciá-lo de uma maneira, no seu tempo, com seus recursos", aponta Marilia.

Para a psicanalista, apesar do sentimento particular, o acervo digital também pode responder a questionamentos sobre o que a perda daquele ente querido significa. "Se é possível dizer algo que seja universal e inerente a todos, é tentar procurar um lugar, uma escuta, laços com outros objetos de amor, que podem ser as pessoas, mas tambem pode ser trabalho que te traga de volta a vida", completa Marilia.

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