Legado do Padre Bruno, Emaús resgata dignidade da infância
Movimento voltado para a atenção a crianças e jovens da periferia de Belém simboliza luta de 40 anos em defesa dos direitos humanos e por justiça social
O Movimento República de Emaús teve início em 1970, em Belém, depois que o padre Bruno Sechi chegou à cidade, procedente da Sardenha, Itália. Salesiano de Dom Bosco, padre Bruno trabalhava com jovens da periferia da Itália e assumiu a missão de desenvolver ações em prol da juventude da capital paraense. Em 29 de maio, Padre Bruno morreu, aos 80 anos. O legado ficou.
Em Belém, Padre Bruno organizou uma missa da juventude. Convidava músicos jovens para tocar e depois reunia todos para debater o Evangelho e assuntos da época. O jovens eram dos bairros da Pedreira e Sacramenta. A partir das reflexões do Evangelho, os jovens se inquietaram e decidiram sair da reflexão e passar para a ação.
Segundo Georgina Kalife, pedagoga efetiva de Emaús, essa ação consistia em colocar em prática o Evangelho, buscando o próximo. “Os jovens mais maduros saíam à noite em ronda pela cidade, principalmente na área do Ver-o-Peso, Presidente Vargas, para ver as pessoas que estavam na rua”, contou.
O movimento ganhou uma casa atrás da arcebispado, cedido pelo bispo da época, Dom Alberto Gaudêncio Ramos, e ali foi construído o Espaço do Pequeno Vendedor, que foi inaugurado no dia 12 de outubro de 1970. “Nós, jovens daquela época, íamos pela feira, pelo comércio fazendo abordagem, conversando com as crianças, com os adolescentes e convidando para o almoço. Na época eram 0,20 centavos, um preço simbólico, porque uma das características do movimento sempre foi não ser um trabalho assistencialista, mas ser um trabalho de inclusão e participação do próprio sujeito", destacou Georgina.
Segundo a pedagoga, os meninos tinham que se sentir dignos comprando o seu almoço. "Eles não iam lá para pegar uma esmola. Nós fazíamos um momento de convivência e após o almoço tinha reunião, tinha reflexão e partir disso foi se formando cooperativa a partir das atividades que eles desenvolviam na rua”, contou Georgina.
A partir dos trabalhos desenvolvidos pelas crianças e adolescentes foram organizadas cooperativas por voluntários do movimento. O objetivo era orientar contra a exploração dos meninos, que trabalhavam como jornaleiros, engraxates, sacoleiros, picolezeiros.
Segundo Georgina, que trabalhou desde o início do movimento, a importância do Padre Bruno foi fundamental. "Sua visão em relação ao trabalho era a humanização, acreditando que poderia fazer uma sociedade mais justa", disse.
A pedagoga diz que o padre tinha uma característica que era muito própria: convencer as pessoas. “Quando ele falava, seus olhos brilhavam e ele arrastava pelo exemplo. Ele não era só de falar, ele fazia. Então uma das coisas que era muito importante nessa situação toda de motivação era quando ele começava a falar da situação de injustiça, situação de opressão, e de que não era isso que Cristo tinha vindo anunciar. A questão da perspectiva do reino dos céus, que é uma sociedade plena, essa era a motivação principal”, relatou Georgina.
Com o conhecimento que tinha, Padre Bruno conseguiu montar o projeto da Campanha de Emaús, a grade coleta de móveis e eletrodomésticos para a oficina de reforma do Movimento. “Quando ele lançou essa campanha, ele conseguiu envolver grande parte da sociedade local. As pessoas se comprometiam a ficar horas e horas trabalhando com ele, planejando, fazendo contatos para conseguir fazer os roteiros. Era um trabalho de liderança, ele vivia pensando exatamente nesse aspecto da inclusão”, disse.
O dia da campanha entrou para a cultura de Belém. Uma vez por ano, num domingo, caminhões recolhem o material oferecido pelos moradores do centro e da periferia para a oficina. Reformados, os objetos são vendidos e o dinheiro é no trabalho em prol de crianças e jovens atendidos: creches, escolas, atividades lúdicas.
A República de Emaús promove a socialização por meio de musicalização, teatro e do Projeto Adolescente Aprendiz, para jovens em situação de vulnerabilidade. O espaço, hoje, fica no bairro no Bengui. “Nós chamamos de socialização e que dá uma certa continuidade do trabalho que se originou lá no Ver-o-Peso, com os meninos trabalhadores de rua. Hoje não tem mais essa característica de pegar os meninos da feira que tinha no Ver-o-Peso, em São Brás. Hoje se concentra uma grande parte aqui no Bengui, que é uma situação de exclusão que as crianças vivem, por falta de espaço para brincar, falta de moradia, os pais com subemprego. A situação de risco e vulnerabilidade desses jovens é muito grande”, contou.
A outra frente de Emaús é a defesa dos direitos que funciona no Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), criado pelo Movimento. A grande coleta de Emaús concorre para esse trabalho de sensibilização da sociedade. "Anualmente, quando a campanha é lançada, tem sempre uma carta; essa carta tem um tema escolhido em assembleia geral pelos grupos dos meninos, os grupos das crianças", explicou Georgina.
Há um outro lado que a República também trabalha, que é a participação nos conselhos de direitos das crianças e dos adolescentes. “Nós temos participação direta na elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com o movimento nacional de meninos e meninas de rua. Então essa questão do protagonismo das crianças e dos adolescentes é uma bandeira que a gente também defende, que faz com que os meninos se empoderem nessa perspectiva de lutar pelos seus direitos”, finalizou Georgina.
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