Gestantes e obstetras dividem apreensão em meio à pandemia

O aumento no registro de infecções faz com que as mães temam prosseguir com o pré-natal, enquanto médicos são fragilizados com as mortes de colegas de profissão

por Victor Gouveia qua, 24/06/2020 - 17:47
Rafael Bandeira/LeiaJáImagens/Arquivo A gestante Cybele Campos afirmou que realizou seu último exame em meados de março Rafael Bandeira/LeiaJáImagens/Arquivo

Divididas entre a expectativa para nascimento dos filhos e o medo em meio às incertezas da Covid-19, gestantes e profissionais de obstetrícia da Região Metropolitana do Recife (RMR) sofrem com uma rotina de pressão e com limitações para manter o pré-natal em contexto de isolamento. O risco de contaminação degrada o fator psicológico das parturientes, no entanto, os atendimentos e partos seguem normalmente, segundo secretarias de saúde.

"O último exame que fiz foi logo no começo da quarentena", lembra a microempreendedora Cybele Campos. Com 28 semanas de gestação, ela aguarda o nascimento da segunda filha e admite a tensão vivida nesta gravidez. "Tô morrendo de medo. Só rezando para passar daqui para setembro, [...] a pessoa fica em casa procurando fazer várias coisas, porque se não a pessoa é capaz de se entregar", lamenta.

Embora seja acompanhada pela rede particular, Cybele prefere evitar deslocamentos e, para isso, mantém contato com o obstetra mesmo à distância. "Tudo que eu posso, pergunto a ele por ligação mesmo. Prefiro ligar", pontua. Em um momento em que é necessário redobrar a atenção para que todas as recomendações sejam cumpridas, a primeira medida tomada por ela foi escolher uma unidade que não recebesse pacientes da Covid-19.

Agora, o objetivo é continuar em casa e evitar contato com pessoas até o dia do parto. "Não sei se ela vai ter que usar aquelas viseirinhas assim que nascer, mas espero que passe dois dias só no hospital e tome o maior cuidado possível. Álcool em gel, luva, máscara e tudo direitinho[...] a pessoa tem que seguir as regras para tentar amenizar", recomenda.

A obstetra Flávia Gusmão reforça que as mães realmente estão sendo afetadas psicologicamente pelo medo da Covid-19. Muito desse temor é resultado da morte de grávidas com comorbidades, que contraíram a doença. "Outra [gestante] era para fazer o tratamento, fugiu do hospital porque não quis ficar lá e voltou gravíssima, e morreu no mesmo dia", conta.

Ela ainda acrescenta que tal condição reverbera e também é sentida pelos profissionais da área, sobretudo os envolvidos em gestações de alto risco. "O estresse emocional é muito maior. Porque os tempos tão muito difíceis, a gente fica sem saber se vai pegar a doença, fica vendo colega adoecendo e morrendo", relata.

Gusmão estipula que nos próximos meses pode haver uma queda no índice de natalidade da região, tendo em vista que muitas mulheres adiaram o sonho de engravidar durante a pandemia. "A minha recomendação é dar um tempo [de tentar engravidar]. A gente só vai poder dar segurança quando houver uma vacina", avalia a profissional.

Ainda que acredite na possibilidade de uma segunda onda de surto, a médica prega cautela e bom senso. Mesmo assim, aprovou o retorno dos atendimentos e consultas médicas em Pernambuco, no último dia 10, tendo em vista a necessidade de outros tratamentos e enfermos. "Eu tenho pacientes que estão tendo hemorragia por causa de mioma e não conseguiram se operar. Hemorragia mesmo de sangrar por 10, 15 dias e não puderam se operar porque tudo é só Covid", disparou.

Rafael Bandeira/LeiaJáImagens/Arquivo

O LeiaJá solicitou informações e registros das principais secretarias de saúde da RMR. A secretaria do Recife informou que entre 12 de março e 26 de maio realizou 3.500 partos agendados nas maternidades Arnaldo Marques, no Ibura; Bandeira Filho, em Afogados; e Barros Lima, em Casa Amarela. As consultas do pré-natal são realizadas normalmente, em 130 unidades de Atenção Primária à Saúde, que não recebem pacientes da Covid-19. Maternidades próximas aos hospitais de campanha, como o Hospital da Mulher do Recife (HMR), no Curado, há uma divisão de setores e isolamento para infectados.

Em Olinda, a rede com 57 equipes de Atenção Básica manteve os atendimentos às gestantes com risco habitual. A unidade destinada para a classificação foi o Hospital Tricentenário, em Bairro Novo. Já as mães classificadas como alto risco tiveram à disposição nove policlínicas para o acompanhamento pré-natal e foram assistidas pela rede estadual. Entre março e abril o município contabilizou 679 partos, informa o comunicado.

Jaboatão dos Guararapes somou 714 partos no Hospital Memorial Guararapes e no Hospital Jaboatão Prazeres, entre fevereiro e março, garante a secretaria de Saúde. O atendimento pré-natal está mantido em todas as Unidades de Saúde da Família, no Centro de Referência em Saúde da Mulher e na Rede Conveniada (Humanize).

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