Banalização e ignorância ameaçam a saúde das mulheres

Mesmo a higiene sendo indispensável, mulheres ainda enfrentam dificuldades em conhecer o próprio corpo e ter acesso a serviços básicos

por ter, 30/11/2021 - 16:43
Ministério da Saúde Muitas mulheres ainda não têm acesso a itens de higiene pessoal para o período menstrual Ministério da Saúde

A saúde da mulher brasileira é banalizada em níveis preocupantes. Sem conscientização familiar e apoio governamental, o desconhecimento sobre o corpo feminino, desde o primeiro período menstrual até o acompanhamento periódico no ginecologista, dificulta os cuidados com a saúde.

A falta de estimulação em conhecer o próprio corpo reflete na vida feminina durante a puberdade nas dificuldades de comunicar-se com os pais sobre o período menstrual e relatar incômodos nas partes íntimas, afirmou a ginecologista Mary Helly Valente, do Centro de Tratamento Oncológico (CTO) de Belém. “Essa menina, às vezes, não tem abertura, mesmo nos dias de hoje, de falar sobre o próprio corpo com a família, com o pai ou com a mãe”, observa.

Além disso, sem incentivo dos pais em manter rotineiramente consultas médicas, analisa a médica, jovens e adolescentes são impulsionadas a buscar conhecimento de formas inseguras, por meio de pesquisas na internet ou por conversas com amigas, sem qualquer auxílio especializado. 

“A gente deve levar em consideração que cada mulher é um indivíduo diferente. O que é normal [para uma mulher] pode não ser normal para outra. Então, cabe aí repassar esse nosso conhecimento profissional da área da saúde, conhecimento técnico sobre a anatomia e a fisiologia da mulher. Conhecendo seu corpo e informando o que é o fisiológico dela, o que é o normal dela, sem ter comparações e sem generalizações”, alertou Mary Helly Valente.

Contra o mau hábito de só procurar o médico quando há sinalizações diferentes no corpo, a médica adverte: o ideal é visitar o ginecologista frequentemente para prevenir doenças e certificar que o organismo esteja realmente bem. “Por exemplo, a dor pélvica, que muitas mulheres têm em períodos menstruais, se banalizou. [Há mulheres] dizendo que não vão procurar o médico porque toda mulher tem cólica menstrual, quando muitas vezes [a dor] pode ser uma sinalização do corpo dizendo que tem realmente algum problema”, explicou.

As diferenças de classes sociais também enfraquecem o direcionamento de políticas a mulheres periféricas. Segundo Mary Helly, algumas meninas nem sequer conhecem outros métodos de prevenção em período menstrual, além do absorvente – muitas, inclusive, não tem nêm mesmo acesso a esse único produto. Para a médica, é fundamental que métodos seguros sejam apresentados para mulheres de baixa renda.

“Conhecimento é tudo. Saber que existem outras ferramentas, como o copo coletor, calcinhas absorventes. Não devemos privar essas mulheres de saber que existem esses métodos. São métodos um pouco mais caros, mas que fazendo a conta no final podem ser um pouco mais econômicos. Essa informação deve ser repassada para essa mulher, para que posteriormente possa ser uma opção de aquisição, se for uma melhor forma dela fazer o uso no período menstrual”, explicou.

A médica também avalia que a insegurança sanitária em que muitas famílias brasileiras vivem pode facilitar o surgimento de doenças. “Essa falta de saneamento básico pode impactar de forma negativa na saúde dessa mulher e na família, principalmente se [a mulher] for a responsável pela família e pela renda”, concluiu.

Inferiorização dificulta

Os debates sobre a saúde básica das mulheres ainda são muito recentes. De acordo com Flávia Ribeiro, jornalista e militante das Rede de Mulheres Negras do Pará e Rede Nacional de Ciberativas Negras, a falta de recursos para atender às demandas femininas é influenciada pela minimização de tudo que diz respeito a mulheres.

"Na nossa sociedade, a mulher não tem dimensão de humanidade que o homem tem", assinalou Flávia.

Segundo Flávia, só agora, em 2021, discussões sobre saúde vaginal e períodos menstruais são realizadas sem motivos de vergonha ou chacota.

"Por isso que hoje temos mulheres adultas que não conhecem seu próprio corpo, porque é como se o corpo da mulher fosse exclusivamente voltado para o usufruto do homem. A falta de debates sobre gênero prejudica muito, pois é a partir desse debate que a jovem pode perceber se está passando por situação de assédio, abuso [e] vai conseguir entender que menstruação é normal", salientou.

Ainda segundo Flávia, a escassez de tratamento prioritário à saúde ameaça o futuro de meninas sem condições de ir a um médico privado ou comprar produtos de prevenção menstrual. "É necessário que o governo trate com prioridade, porque é o futuro de meninas que está sendo ameaçado. É uma questão tão elementar que é estarrecedor que o governo não perceba o quanto isso é importante", finalizou.

Por Quezia Dias.

 

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