Mulheres ficam sem espaço na cúpula do poder chinês
O Politburo, órgão decisório do Partido Comunista da China (PCC), não terá mulheres entre seus 24 membros, algo nunca visto em um quarto de século
As mulheres representam metade da população chinesa, mas os altos escalões do poder são inacessíveis a elas: ficaram praticamente de fora das mudanças anunciadas no domingo (23) na liderança do Partido Comunista da China (PCC).
Assim, o Politburo, órgão decisório do PCC, não terá mulheres entre seus 24 membros, algo nunca visto em um quarto de século.
E a nova composição do Comitê Central, uma espécie de parlamento do partido com 205 membros, conta com apenas 11 mulheres, 4,9% do total contra 5,4% no comitê anterior.
No que diz respeito ao Comitê Permanente, nada muda. O grupo de sete pessoas que detém as rédeas do poder mantém sua composição apenas de homens.
"As mulheres ainda estão pouco representadas no topo da política chinesa", lamentou no domingo a nota informativa Neican China.
"É preciso lembrar que as mulheres representam 48,8% da população chinesa e 29,4% dos membros do Partido Comunista", diz.
Sun Chunlan, de 72 anos, a única mulher no Politburo anterior, aposentou-se e nenhuma outra representante feminina foi nomeada em seu lugar.
- "A metade do céu" -
Sun, como vice-primeira-ministra encarregada de políticas sanitárias, era enviada com frequência para inspecionar cidades com surtos de covid.
Ela era conhecida como "Dama de Ferro", devido às medidas estritas que ordenava ao passar pelas cidades.
Mas Sun Chunlan foi uma exceção na política chinesa, dominada por redes de camaradagem masculina e sexismo notável que muitas vezes asfixiaram carreiras promissoras, concordam vários analistas.
A realidade, portanto, está longe do lema proclamado na década de 1950 pelo fundador do regime, Mao Tsé Tung (1949-1976): "As mulheres carregam metade do céu".
"Não vejo como as mulheres podem 'carregar metade do céu' na China se nem podem fazer parte do Politburo", comentou no domingo Jacob Gunter, analista no Instituto Mercator de Estudos Chineses (Merics).
Para Minglu Chen, professora na Universidade de Sydney, "o compromisso do Partido Comunista Chinês com os direitos das mulheres tem apenas um caráter econômico" para que elas "ingressem no mundo do trabalho".
E ainda assim, nesta sociedade tão conservadora, "muitas mulheres têm dificuldades em conciliar seus papéis de boas mães, esposas e funcionárias", diz a professora.
Para progredir na política, carecem de momentos de socialização, como as refeições regadas a álcool, num ambiente fundamentalmente masculino.
- Discriminação -
O mesmo acontece em torno do presidente Xi Jinping.
"A maioria dos antigos colegas de Xi nas províncias de Zhejiang e Fujian agora fazem parte do Politburo", observa Victor Shih, professor de ciência política da Universidade da Califórnia, em San Diego.
"E nenhuma de suas colegas conseguiu entrar no Politburo, ou mesmo ocupar cargos de liderança em nível provincial", lamenta o professor.
É verdade que a China implementou um sistema de cotas em 2001, exigindo a presença de pelo menos uma mulher em todos os níveis de governo e partido, exceto no Politburo. Mas devido à falta de controle, o sistema não é realmente respeitado.
"Se um sistema de cotas melhor tivesse sido implementado e realmente aplicado, hoje começaríamos a ver os resultados", avalia Minglu Chen, para quem a situação atual também é produto da "dominação de um único partido".
Desde 1948, o Politburo do PCC admitiu apenas oito mulheres, das quais apenas três ocuparam um cargo de vice-primeira-ministra.