"Uma condução desastrosa", diz Mandetta sobre Bolsonaro

Em entrevista ao O Globo, o ex-ministro da Saúde diz que "os números falam por si" no que diz respeito à gestão da pandemia

por Lara Tôrres sab, 26/12/2020 - 11:34
Erasmo Saçomão/MS Erasmo Saçomão/MS

Em entrevista ao jornal O Globo, o ex-ministro da Saúde do governo Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta, fez duras críticas à gestão da pandemia de Covid-19 por parte do Governo Federal, mais especificamente do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que segundo ele, não acredita no vírus e conduz a gestão da doença de forma “desastrosa”. 

“O número de mortes fala por si. Ele (Bolsonaro) teve uma condução desastrosa. A desautorização do ministro em público, 'manda quem pode e obedece quem tem juízo'; o 'e daí?'; 'não sou coveiro'; 'gripezinha'; 'está no final'. Está no final nada. Se teve alguma coisa digna de nota eu não saberia te citar. Nós conseguimos ativar a indústria brasileira de respiradores, foi uma coisa que conseguimos fazer quando eu estava lá, conseguimos abrir 15 mil leitos de UTI, que é uma coisa positiva. Agora, eles deixaram 7 milhões de kits no almoxarifado. O governo federal deixou as pessoas à própria sorte”, afirmou Mandetta.

Questionado sobre os principais erros do presidente, o ex-ministro conta que tentou alertar Bolsonaro sobre o problema assim que “a China noticiou a doença e a OMS (Organização Mundial da Saúde) fez a primeira recomendação de emergência somente para Wuhan”, afirmando que era “uma doença para a qual tinha que se organizar”. De acordo com ele, apesar do alerta, “o presidente entrou em uma rota de absolutamente negar a existência disso, assim como outros líderes mundiais. Ele falou várias vezes que entre a saúde e a economia, ele ia ficar com a economia”. 

O resultado do negacionismo, segundo Mandetta, foi a tentativa de organização contra a doença por parte da população a nível municipal e estadual, sem apoio federal. “Vimos o Ministério da Saúde falando uma coisa e ele falando outra. Ele começou a criticar todo e qualquer prefeito e governador que fizesse qualquer coisa para diminuir a velocidade de transmissão para não carregar o sistema de saúde, que era o principal problema da doença”. Perguntado sobre que nota daria à condução da pandemia, ele respondeu três. “Está de recuperação”. 

O ex-ministro também citou a sua substituição por Nelson Teich, que teve uma rápida e conturbada passagem pelo ministério antes de ser substituído pelo atual ministro e militar, General Eduardo Pazuello, que passou quatro meses como ministro interino antes de ser efetivado. 

“Depois ele me troca, coloca um médico. É impossível para um médico com base científica fazer política de governo, firmar uma recomendação, uma prescrição médica. Aí ele põe um militar para oferecer ordem. Faz uma intervenção militar na Saúde, mas um militar não tem a menor noção do que é Saúde. A gente passa a ter um governo federal que sai completamente do enfrentamento da Saúde e com o argumento de que o problema era de logística. Nunca foi, o problema era de Saúde pública, muito mais complexo do que carregar caixa para lá e para cá. E agora tem uma crise tripla, de prevenção, atendimento e vacina”, criticou Mandetta.

Ao ser perguntado sobre o que teria feito diferente durante a sua gestão, Mandetta afirma que errou ao se preparar para um vírus lento quando a China noticiou sua existência e seriedade. 

“Gostaria muito de ter tido melhor percepção, porque quando a China apresentou a doença, eles apresentaram como um vírus pesado, que se você identificasse a pessoa e bloqueasse os contatos dela, ele parava (de disseminar). A gente se preparou com essas informações para um vírus lento. Somente quando ele entrou na Itália, que fez aquele estrago no sistema italiano, e foi fazendo estrago na Inglaterra, na Espanha e se mostrou extremamente capaz de transmitir, é que vimos que estávamos diante de um vírus extremamente competente. Se eu soubesse que era um vírus tão competente em termos de transmissão, teria feito um sobredimensionamento de vigilância e testagem. A gente começou imaginando que precisaria de 2 mil leitos de CTI a mais, recalculamos e vimos que precisaríamos de 15 mil a mais. Somente quando a doença chegou na sociedade ocidental (vimos a dimensão). (...) Diante do que pôde ser feito naquele período com os elementos que a gente tinha, eu não faria nada diferente”, afirmou ele.

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