Mau desempenho da Economia pode virar voto evangélico
Com voto evangélico divido de acordo com o Datafolha, a vantagem do presidente Jair Bolsonaro pode ser dissolvida pela crise econômica puxada pela alta inflação
A estratégia de partidos da direita em incentivar o conservadorismo cristão se baseia nos moldes da estrutura evangélica no Brasil, criada sob forte influência do protestantismo dos Estados Unidos. Os pastores congressistas da bancada da Bíblia costumam demonizar o "politicamente correto" e reforçam a não aceitação das diferenças para atrair votos, assim como fez o ex-presidente norte-americano Donald Trump.
Exemplo para o presidente Jair Bolsonaro (PL), Trump enxergou nos protestantes um voto fiel e fundamental para se eleger. O modelo foi aprofundado pelo brasileiro, que usa versículos bíblicos como frases de efeito e indicou o pastor Milton Ribeiro ao Ministério da Educação e os ministros André Mendonça e Kássio Nunes ao STF pela devoção religiosa.
Em um evento no Palácio da Alvorada, em março deste ano, o presidente disse a líderes religiosos que dirigia a nação "para o lado que os senhores desejarem". Nessa quarta (15), Bolsonaro supôs que Jesus andaria armado ao concluir que ele “não comprou uma pistola porque não tinha naquela época”.
Desinformação e indução
Derrotado em todas as projeções eleitorais até o momento, para reduzir os danos da alta rejeição e se reforçar com seu eleitorado consolidado, o presidente costuma se apoiar na agenda de costumes para encobrir as críticas à gestão. "Isso ocorre porque houve um sequestro em relação a certas pautas. É como se certas pautas, que são importantes para os evangélicos, virassem um monopólio da direita e aí por falta de informação política, eles acabam achando que teologicamente precisam votar na direita", avaliou o doutor em Ciência Política Jorge Oliveira Gomes.
Com o aumento de fiéis nas últimas décadas em paralelo ao enriquecimento dos donos de igrejas como Edir Macêdo, Silas Malafaia e RR Soares, a pesquisa de 2020 do Datafolha apontou que 31% da população brasileira é evangélica, o que representa cerca de 27% do eleitorado religioso. Essa parcela, em sua maioria, é afetada por uma visão de mundo mais reacionária incutida na cultura gospel, que se concebeu no Brasil de forma afastada de teologias mais ligadas a questões sociais.
O doutor em Ciência Política Gustavo Rocha frisou que os partidos de direita também se aproveitam da fragilidade socioeconômica dos fiéis que são motivados pela teologia da prosperidade. "A principal razão, ao meu ver, está atrelada ao projeto político de lideranças religiosas no segmento neopentecostal. Os fiéis desses grupos tendem a ser de extratos sociais mais baixos, com menos formação e menor grau de informação. Os líderes religiosos desse grupo se aproveitam muito disso para incutir determinadas posições", explicou.
Refúgio para as religiões de matriz africana
Essa estrutura político-religiosa empurra ainda mais as religiões de matriz africana ao preconceito. Como refúgio, seus adeptos veem na esquerda uma saída para receber apoio e respeito. "Na esquerda existe uma maior aceitação por conta da aproximação natural da esquerda com pautas progressistas e de minoria. No Brasil, geralmente as coisas caminham juntas", pontuou Oliveira Gomes.
Rocha acrescenta que a ideologia de esquerda tende a ser mais sensível a questões enfrentadas pelo candomblé e outras vertentes. "Eles são um misto de exclusões. São aqueles que tem sua prática religiosa atrelada à resistência, à imposição do Estado e da sociedade ao longo da história. Sofrem racismo, além de terem sua religião demonizada. Com o aumento da participação evangélica através desse movimento neopentecostais, eles sofrem ainda mais pressão", resumiu.
Mau desempenho da Economia pode virar votos
A fidelidade evangélica nas últimas eleições indica que esses eleitores devem manter a convicção política. Contudo, desde 2018, Rocha percebe que a esquerda passou a tentar se aproximar desses grupos para dialogar.
Outros fatores que podem mudar o voto evangélico são a divergência decorrente da pluralidade dos grupos evangélicos e a atual situação econômica. “Eles são parte de extratos sociais muito afetados pelo cenário econômico. Há uma tendência que essas duas dimensões entrem em conflito. Então pode haver uma "quebra" nessa fidelidade”, analisou o cientista.