130 anos do fim da escravidão:O que a abolição não aboliu?

13 de maio é tido pelo povo preto como mais um dia de luta contra os resquícios da escravidão no Brasil

por Jameson Ramos qua, 09/05/2018 - 15:30

No dia 13 de maio de 2018 marcam-se exatos 130 anos da Abolição da Escravidão no Brasil. No entanto, essa data não é comemorada pelo povo negro, que resiste nesse dia e o alça como mais um dia de luta contra o racismo institucionalizado no Brasil, contra as opressões, desigualdades e outros percalços colocados no caminho do povo preto desde o período colonial. Para refletir sobre a data, o LeiaJá resolveu elaborar uma sequência de matérias especiais: "O Que a Abolição Não Aboliu?"; "Resquícios da Abolição (minidocumentário)" e "A Luta do Povo Preto Para um Futuro Melhor". Passado, presente e futuro.

A seguir você lerá a primeira parte deste especial - que culminará num debate ao vivo no Facebook do LeiaJá, na próxima segunda-feira (14).   

Brasil, segunda-feira, 14 de maio de 1888: o país amanheceu "livre" da escravidão. Na tarde do dia anterior, 13 de maio, a Princesa Isabel sancionou a lei que “pôs fim” aos mais de 300 anos desse que era um processo político e econômico vigente no Brasil - o último país do ocidente que aboliu a escravidão.  Na história, ficou cristalizado que esse processo abolicionista foi uma vitória para o povo preto escravizado por tanto tempo. No entanto, segundo alguns historiadores, pesquisadores e professores negros, a realidade não foi bem assim. Por isso, o dia 13 de maio não é festejado como um dia de glória – “é um dia de luta para que os nossos direitos sejam garantidos e de combate ao racismo que ainda existe no Brasil”, exclama Rosa Marques, Socióloga e coordenadora do Rede de Mulheres Negras de Pernambuco.

Pesquisadores relatam que apenas a liberdade do ir e vir dos escravos, na época, foi garantido pelo Estado. Nenhuma política de inclusão social daquela população, que por quase quatro séculos tiveram os seus direitos humanos negados, foi instituída pelo poder público. Os negros ficaram entregues à própria sorte, não tendo moradia, trabalho, acesso à saúde, educação; sem cidadania. Denise Botelho, professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e líder do grupo de estudos e pesquisas em educação, raça, gênero e sexualidade, nos confirma que: “esse processo de pseudo abolição efetivamente não libertou homens e mulheres escravizados porque a lei só previa a interrupção do processo econômico da escravidão, mas não previu uma inserção dos negros na sociedade de classes”.

Isso se tem confirmado também pelo Jornal do Senado, datado em 14 de maio de 1888, que é possível ser encontrado no site oficial do Senado Federal. Nele lê-se que negros como Luiz Gama e José do Patrocínio - dos poucos pretos que conseguiram ter destaques na época - reivindicavam juntamente com Joaquim Nabuco e Ruy Barbosa a necessidade de oferecer oportunidades para integrar os ex-escravos à sociedade de forma digna. O jornal traz a discussão dizendo que era inevitável diante de séculos de domínio sobre as populações negras que não foram contempladas com nenhum tipo de compensação. Mas esse debate não ganhou força na câmara. Enquanto isso, os libertos foram mantidos de forma subalterna e marginalizados - totalmente à margem da sociedade.

Linha do tempo

Antes da Lei Áurea, em 1845, surgiu a lei que previa sanções contra o tráfico negreiro. Em 1871, foi adotada a Lei do Ventre Livre, que dava liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir da sua promulgação, mas os manteve na tutela dos seus senhores até os 21 anos. Em 1885 instaurou-se a lei do sexagenário, que garantia liberdade aos que completassem 60 anos, com a obrigação de prestarem serviços a título de indenização ao senhor por três anos. Essas medidas, porém, não trouxeram os resultados esperados, pois a contrapartida geralmente exigida inviabilizava seu cumprimento ou a lei era simplesmente desrespeitada pelos donos dos escravizados.

Em arquivo federal, consta que o peso para que a abolição acontecesse também se deu porque com a proibição do tráfico negreiro (1845), houve uma redução do interesse econômico pelo negro, que com o tempo passou a apresentar custo maior que a mão de obra livre competitiva - culminando na aceitação dos parlamentares pela abolição total dos ainda escravos. Um pouco antes da proibição desse tráfico, o preço do escravo já subia no mercado com a previsão de que não seriam mais trazidos negros para o Brasil. Essa alta manteve-se até 1880, em especial pela forte demanda das lavouras cafeeira. Quando se assina a Lei Áurea, boa parte da mão de obra escrava já havia sido substituída.

Denise Botelho afirma que após a abolição, o Estado se encarregou de trazer europeus na condição de cidadãos (brasileiros) com direito a trabalho, moradia, manutenção familiar, ficando os negros sem nenhuma proteção. “ Durante muito tempo ficamos num quadro de desigualdade gerada pelo próprio Estado. Foi ele quem criou isso quando não deu respaldo à população afro brasileira firmando um processo de fortalecimento dos europeus que vieram pra cá”, corrobora. Ela aponta ainda que “muito tardiamente nós viemos a ter leis ou ações afirmativas para o povo negro”, mais precisamente no século 21, no início dos governos democráticos.

Só em 2003, com a ascensão do governo Lula, que foi instalada a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). Uma ação tida como importante para a perspectiva de criação da agenda promotora do lugar de situação dos negros e negras do Brasil. Hoje, a SEPPIR, que inicialmente tinha sido criada com status de ministério, está vinculada ao Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, unindo a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, a Secretaria de Direitos Humanos, e a Secretaria de Políticas para as Mulheres.

Numa alusão do antigo ao novo, Rosa Marques explana que “quando a gente trata de uma abolição inacabada, estamos falando dos resquícios da escravização. E quais as consequências? Uma população que não consegue entender a estrutura do racismo, que não reconhece a beleza e a diversidade do povo negro”.  Rosa, que é socióloga, traz à discussão o crescimento desordenado das favelas que, segundo ela, é muito por conta dessa escravização do povo negro e de sua liberdade sem pensar o que poderia ser feito para a inclusão digna dos libertos na época. “Já se passaram 130 anos e quase nada mudou”.

(FOTO: Oswaldo Corneti/FotosPúblicas)

“O que aconteceu lá traz se perpetua até hoje. As favelas (muitas delas) sem saneamento, sem água, sem lazer; a nossa juventude sem possibilidades e sendo mortas. Se pensou no término da escravização, mas não se pensou nos direitos que essa população teria que ter”, ratifica Rosa. Ela aponta que a postura do Estado sempre foi de exploração e de ausência com os afro brasileiros.

A abolição foi importante para o Brasil (nação) que vinha sofrendo sanções comerciais por conta da manutenção desse processo de escravidão. Circunstâncias levaram à assinatura da lei, mas não um processo consciente, de reflexão da desumanidade que era a escravidão das pessoas negras. “Se precisava desse marco legal, que é a abolição, mas se precisava ter um projeto para essa população. Nós não temos um projeto para a ascensão real dos afro brasileiros”, finaliza Denise.

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