Eleições podem ser cruciais para o meio ambiente

Os presidenciáveis Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), que disputam o segundo turno, são contrários em praticamente todas as propostas e convergem apenas no assunto energia eólica. Enquanto no plano de governo do capitão do exército o meio ambiente não é tratado com um tema nem tem capítulo próprio, no de Haddad a sessão é nomeada de “transição ecológica para a nova sociedade do século 21”

qui, 25/10/2018 - 16:43
Cristino Martins/Agência Pará Cristino Martins/Agência Pará

Em um momento de incertezas políticas e de forte tensão quanto ao futuro do país, o tema meio ambiente, geralmente esquecido durante as eleições, tem gerado preocupação e recebido destaque na reta final. Os presidenciáveis Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), que disputam o segundo turno, são contrários em praticamente todas as propostas e convergem apenas no assunto energia eólica. Enquanto no plano de governo do capitão do exército o meio ambiente não é tratado com um tema nem tem capítulo próprio, no de Haddad a sessão é nomeada de “transição ecológica para a nova sociedade do século 21”.

Com as pesquisas apontando como provável a vitória de Bolsonaro, entidades ambientalistas têm demonstrado preocupação. "Ao longo das últimas décadas, experimentamos grandes retrocessos na área ambiental, mas as propostas de Jair Bolsonaro poderão nos levar à um cenário trágico e sem precedentes", afirmou o Greenpeace em comunicado divulgado na quarta-feira (24). Um estudo feito por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão que monitora o desmatamento na Amazônia, apontou que o desmatamento da floresta pode triplicar caso o candidato vença e cumpra o que tem prometido para a área socioambiental.

Se feita uma busca milimétrica no plano de governo do candidato do PSL, é possível observar que a palavra meio ambiente aparece apenas uma única vez. Apoiado por boa parte da bancada ruralista e com propostas fortemente rejeitadas por ambientalistas, Jair Bolsonaro, líder nas pesquisas, traz como uma das promessas mais polêmicas a fusão dos Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. Para ele, isso "coloca um fim na indústria das multas, bem como leva harmonia ao campo". Ele defende, também, que a pretende acabar com o “ativismo ambiental xiita”. Ainda segundo o capitão do exército, o ministro seria indicado "pelas entidades dos produtores". "Que fique claro: o futuro ministro sairá do setor produtivo. Não haverá mais brigas", afirmou em uma coletiva de imprensa em 11 de outubro, quatro dias depois de vencer o primeiro turno com 46% dos votos.

Em seu plano de governo, Bolsonaro também defende que o Estado deve facilitar que o agricultor e suas famílias sejam os gestores do espaço rural. “Devemos identificar quais são as áreas em que realmente o Estado precisa estar presente, e a que nível”, diz o texto. Para que isso aconteça, sugere que o primeiro passo é “sair da situação atual onde instituições relacionadas ao setor estão espalhadas e loteadas em vários ministérios, reunindo-as em uma só pasta”. Essa nova estrutura federal agropecuária reuniria atribuições de política e economia agrícola; recursos naturais e meio ambiente rural; defesa agropecuária e segurança alimentar; pesca e piscicultura; desenvolvimento rural sustentável; e inovação tecnológica.

Bolsonaro também já declarou que pretende que o Brasil deixe o Acordo de Paris sobre o clima — assim como fizeram os Estados Unidos de Donald Trump. Segundo ele, o país teria que “pagar um preço caro” para atender às exigências e, para o candidato, isso fere a soberania do país. "O que está em jogo é a soberania nacional, porque são 136 milhões de hectares que perdemos ingerência sobre eles. Eu saio do Acordo de Paris se isso continuar sendo objeto. Se nossa parte for para entregar 136 milhões de hectares da Amazônia, estou fora sim", disse no dia 3 de setembro.

“Pensar que desenvolvimento se faz à custa do ambiente nos traz uma preocupação enorme. É uma visão muito simplista imaginar que é preciso derrubar floresta para fazer agricultura ou pecuária”, avalia a pesquisadora brasileira Thelma Krug, do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial. O acordo foi aprovado por 195 países em 2015. Um de seus principais objetivos é reduzir a emissão de gases do efeito estufa, de forma a evitar o aquecimento global. “O pessoal não está entendendo que cada vez mais o vetor que vai estimular o mercado internacional deixa de ser quanto custa, mas a pegada ecológica do produto. Não vai ter mercado para o País (se o desmatamento da Amazônia aumentar), mas aí a floresta já foi”, complementa.

Bolsonaro indicou também o plano de transformar o Ibama (responsável pela fiscalização ambiental no País) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio – que faz a gestão das unidades de conservação) em uma coisa só, para acabar com o que chama de “indústria da multa”. Já em relação a energia, o plano de governo defende que “é preciso um choque liberal no setor”. “Caso nada seja feito, o setor de energia será novamente um gargalo ao crescimento econômico no início da próxima década. Crescendo de 3% a 4% ao ano, chegaremos em 2021- 22 altamente dependentes da geração termelétrica a óleo e carvão, elevando preços e ocorrências de blecautes”, diz o texto. O programa também aponta que o Nordeste seria a região mais beneficiada com o novo modelo. “Com sol, vento e mão de obra, o Nordeste pode se tornar a base de uma nova matriz energética limpa, renovável e democrática”, diz.

Dividido em seis tópicos, o programa de Haddad promete que “dará os sinais decisivos para a construção de uma economia justa e de baixo carbono, contribuindo decisivamente para conter aquecimento global”. O texto também afirma que, se eleito, Haddad implantará a reforma a fiscal verde, que progressivamente aumentará o custo da poluição e premiará investimentos e inovação de baixo carbono. “A reforma incluirá a desoneração de tributos sobre investimentos verdes (isenção de IPI, dedução de tributos embutidos em bens de capital e recuperação imediata de ICMS e PIS/COFINS), reduzindo o custo tributário do investimento verde em 46,5%” diz o texto.

O programa também sugere que “investirá no aperfeiçoamento do modelo energético, orientado pelas seguintes diretrizes (1) a retomada do controle público, interrompendo as privatizações; (2) a diversificação da matriz elétrica, direcionando investimentos para expandir a geração com energias renováveis (solar, eólica e biomassa); (3) tarifas justas; e (4) participação social”. Haddad também traz como meta instalar kits fotovoltaicos em 500 mil residências por ano. O petista promete criar um novo marco regulatório da mineração, que será construído “de forma participativa, prevendo medidas para que a atividade mineradora produza com maior valor agregado e responsabilidade social e ambiental”. O marco ainda conterá previsão para a responsabilização das empresas e pessoas físicas quanto aos impactos ambientais e sociais por práticas que desrespeitem a legislação; a criação de órgão de fiscalização e regulação da atividade mineradora; estímulo ao desenvolvimento tecnológico e inovação das empresas do setor; e a instituição de políticas para as comunidades atingidas pela mineração, inclusive compensação financeira.

Haddad também se compromete a ampliar a infraestrutura de oferta de água por meio da retomada ou início de obras de adutoras, canais e barragens. Ele também promete a revitalização de bacias hidrográficas e a despoluição dos rios para recuperar sua capacidade hídrica e sugere uma “política de reuso e reciclagem da água, de promoção da eficiência hídrica e de busca de fontes não convencionais, como a dessalinização de água do mar”. Na área de gestão de resíduos sólidos, o petista propõe que o governo federal “apoie estados e municípios e incentive a coleta seletiva e a reciclagem. Diz, ainda, que adotará medidas concretas para diminuição dos impactos ambientais gerados pelo consumo de descartáveis, estimulando a mudanças de hábitos para redução de seu uso e/ou substituição por materiais biodegradáveis”.

Em relação ao campo, Haddad considera que “o Brasil precisa aproveitar o momento de desvalorização do câmbio e dos altos preços das principais commodities exportadas para dar solidez a práticas mais sustentáveis de produção no campo”. O candidato aponta que a  prioridade deve ser a produção agroecológica, “tornando as práticas de agricultura de baixo carbono formas dominantes de produção no agronegócio e na agricultura familiar”. Ele propõe, ainda, a recriação, em órgão único, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Ministério da Aquicultura e Pesca, bem como pelo redesenho dos Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. Para o agronegócio, o petista indica  regulação do grande agronegócio para “mitigar os danos socioambientais, impedir o avanço do desmatamento, assegurar o ordenamento da expansão territorial da agricultura de escala, corrigir as permissividades normativas, impedir excessos das subvenções públicas e subordinar sua dinâmica aos interesses da soberania alimentar do país”.

Um eventual governo de Haddad também afirma que haverá mudanças no crédito rural, que não vai “financiar práticas produtivas ofensivas ao meio ambiente e aos direitos trabalhistas, serão valorizadas as boas práticas ambientais na agricultura”. Além disso, o novo Plano Safra iria estabelecer a diretriz para que o financiamentos esteja de volta integralmente para a agricultura de baixo carbono até 2030. O projeto também aponta que a reforma agrária estará no centro da agenda pública nacional, havendo a atualização dos parâmetros de aferição da função social da terra rural, “que contemplará não só a produtividade econômica, mas também a legislação ambiental e trabalhista”. O candidato também promete a “regularização fundiária dos territórios tradicionais e historicamente ocupados, o reconhecimento e demarcação das terras indígenas e assegurará a titularidade prioritária às mulheres nos lotes dos assentamentos nos programas de reforma agrária”.

O plano petista assume o compromisso com a taxa de desmatamento líquido zero até 2022. Diz, também, que as respostas brasileiras ao Acordo de Paris e à Agenda 2030 e seus 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) se tornarão referências para outros países em desenvolvimento. Além disso, Haddad promete que “promoverá um amplo debate para a construção de políticas públicas nacionais de proteção e defesa dos animais, em especial na área de educação, visando a construção de uma nova cultura sobre tema”.  Por fim, afirma que, se eleito, “fará a formulação e implantação de políticas de educação ambiental, envolvendo universidades, escolas e demais órgãos públicos, redes, movimentos sociais e toda a sociedade civil organizada”. João Adrien, diretor executivo da Sociedade Rural Brasileira, discorda da questão do desmatamento. “O desmatamento ilegal tem de ser combatido com todas as forças, rigor absoluto. Por mim tinha de acabar hoje, não em 2030 ou 2022. É ilegal, portanto não é aceitável. Mas o Código Florestal permite um corte legal. Dentro de normas adequadas, que contemplem o universo da sustentabilidade, não vejo o problema, sobretudo no Cerrado. Porque é possível que em algum momento seja necessário expandir”, afirma.

Com informações da Agência Estado

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