Covid-19: médico ataca Bolsonaro:"absolutamente incorreto"

O professor de medicina da USP, que já cuidou de uma cirurgia do presidente, chegou a afirmar que dentro do governo há pessoas que estão flertando com as trevas e com a morte

qui, 09/04/2020 - 10:41

Diante da irresponsabilidade e falta de prevenção do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), um dos médicos mais respeitados do Brasil, urologista Miguel Srougi, afirmou que sua postura é "absolutamente incorreta". Para o professor da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), o contexto pandêmico “requer um governo forte”, porém Bolsonaro não se importa com a quantidade de vítimas fatais da pandemia.

Ele avaliou as ações restritivas tomadas por Estados e Prefeituras, e elogiou a condução do ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que tenta combater a disseminação mesmo sem o aval do presidente. "Tecnicamente, o que está sendo feito no Brasil é correto graças a governadores e a um ministro competente. Já a postura do presidente é absolutamente incorreta. Ele se sensibilizou com o apelo de grandes empresas de que não podiam parar e menosprezou vidas. Para ele, não faz diferença se vão morrer mais ou menos pessoas", disparou.

"Existe uma disfunção política em um momento muito difícil para o Brasil e para o mundo na área de saúde. A simples ideia [de Bolsonaro] de não agir, sem isolamento social para impedir aglomerações de pessoas, pode ser preponderante para sabermos se vamos ter mil ou 10 mil mortes", declarou Srougi.

Desde o início do surto no Brasil, o presidente tentou minimizar os efeitos na Saúde e afirmou em mais de uma oportunidade que a Covid-19 não passava de uma “gripezinha”. Ele chegou a convocar uma manifestação nacional contra o Congresso, o que resultou em aglomerações ao redor do país. "Se seguíssemos o que Bolsonaro sugere, surgiria um pico incontrolável, irreversível, e as pessoas morreriam nas calçadas. Ele entende que esse é um preço que a sociedade tem que pagar para salvar a estrutura empresarial. Há pessoas no governo que estão flertando com as trevas, com a morte, com tudo o que há de ruim", avaliou o médico, que já cuidou do mandatário após uma cirurgia para correção de uma hérnia em setembro do ano passado, no Hospital Vila Nova Star.

Ainda que critique o presidente, o médico enfatiza a importância da Política para controlar do número de infectados, visto que os interesses da classe empresarial se afastam da integridade da população. "O estado vai voltar a ter um papel muito grande, porque nessas horas é o governo que atua. Se dependêssemos das grandes empresas neste momento, todos nós iríamos morrer. Os ricos têm que ajudar os pobres, ou todos vão morrer", e acrescentou, “falta sentimento e dignidade a quem desconsidera quarentena”.

O urologista ainda discorreu sobre a característica socioeconômica da proliferação. "É uma doença importada. Sem dúvida, pegou a classe dos afortunados, que viajam mais. Agora já está comunitária, e aí atinge todo mundo. É triste saber que as pessoas mais simples são as que menos conseguem se isolar, com trabalhos informais, manuais e presenciais, e que não podem trabalhar com computador. Essas pessoas serão as mais atingidas", afirmou.

Ele entende que, em países democráticos, a restrição da liberdade é complicada de ser mantida. Por isso, os efeitos do novo coronavírus também serão refletidos no âmbito psicológico da sociedade. Ainda assim, explicou a necessidade da quarentena. "O isolamento social reduz o pico inicial de casos de infecção e faz com que a curva de casos seja mais lenta. Como 5% dos doentes vão precisar de UTI, serão necessários mais leitos, caso não reduza a marcha", apontou.

Entretanto, o professor defende a flexibilização do isolamento, mas pede orientação e compromisso com a testagem da população. "Seria necessário isolar o estado e testar a população com o estado isolado. [...] após os resultados, apenas os doentes seguem isolados e vigiados. Isso até que chegue a uma solução, que é uma vacina ou um remédio", propõe.

“As [pessoas] que não estiverem com coronavírus, liberadas para trabalhar. Mas isso com extrema organização, para que um infectado não transmita o vírus a um não infectado", finalizou Srougi.

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