Pandemia completa um ano no Brasil e atinge seu auge
Desde o primeiro caso registrado em São Paulo, o país vive um sentimento de luto enquanto os índices da crise sanitária só aumentam
Em um ano de contágio completo nesta sexta-feira (26), a pandemia da Covid-19 persiste no Brasil em um legado de angústia que modificou toda a realidade mundial. Com impactos contundentes em todos os âmbitos sociais, seus reflexos discorrem na crise econômica e na crise psicológica, provocada pelo sentimento de incapacidade. Entes queridos se foram, só no Brasil 251.661 histórias foram abreviadas. À frente da incerteza quanto ao fim da pandemia, o chefe de Infectologia do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Demétrius Montenegro, avaliou os fatores em torno do vírus no país.
Nas últimas 24h, o Brasil bateu o recorde de mortes diárias com 1.582 ocorrências. Mais 67.878 casos foram confirmados e 10.393.886 infecções no total, segundo levantamento do consórcio de veículos de imprensa. “Talvez o pior momento esteja por vir. Pode acontecer uma mutação que modifique o comportamento do vírus e essa é a grande preocupação [...] é muito incerto dizer que em 2022 a gente vai tá em uma situação tranquila”, projetou ao comentar sobre a ameaça da variante P1 identificada em Manaus, e outras duas cepas do Reino Unido e da África do Sul.
Ele revela que teve as expectativas superadas pelo alto potencial de contágio que fez a doença sair rapidamente da China. “Primeiramente é uma questão emocional, devido a gente tá diante de um desconhecido até então, em que não sabíamos a real proporção do seu comprometimento”, pontuou Demétrius.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que já foram notificados 111.999.954 casos e 2.486.679 vítimas fatais da infecção. Mesmo após um ano de convívio, o Brasil ainda bate mais de 1.000 mortes diárias e acumula 10.393.886 casos. “É um estresse contínuo desde o início, mas a gente ainda tá em um momento muito difícil, que é a questão da obscuridade. Muita gente fazendo propagandas milagrosas e jogando, de certa forma, alguns pacientes contra os médicos que querem fazer medicina baseada em evidência”, critica.
João de Lima/LeiaJáImagens
Envolta por um clima de tensão, os contrastes da Covid-19 no Brasil fizeram os profissionais da saúde serem aplaudidos e em seguida de ataques. Fez o lançamento de hospitais de campanha serem comemorados e depois condenados por casos de superfaturamento e corrupção. O desrespeito à vida por parte dos gestores interferiu desde a compra de materiais hospitalares à aquisição de respiradores de uso veterinário.
O infectologista descreveu a rotina desgastante, que vai além da própria luta pela recuperação dos pacientes. “Às vezes os pacientes se internam já querendo fazer esse tratamento precoce. Para mim, uma situação bem mais confortável é quando eles se internam depois de ter feito o tratamento precoce. Até porque ele já fez, viu que não adiantou nada e não vai ter mais nenhum tipo de pressão para fazer algo sem evidência científica”, comentou.
Para Demétrius, a disparada dos índices poderia ter sido evitada caso os brasileiros tivessem se comprometido com as medidas comprovadas de enfrentamento, como o distanciamento social, o uso de máscara de proteção e reforço à higiene das mãos. “A gente viu muito as pessoas se lamentando porque não teve carnaval, mas o mundo tá vivendo um momento muito crítico que, infelizmente, o número de mortos não está mais causando impacto na população. Parece que houve uma acomodação. Não faz diferença se morreram 100 ou 250 mil. Isso é muito triste”, lamenta.
Em um cenário sufocante, as vítimas graves se enfileiram por uma vaga. Antes desconhecidas, elas passaram a ser pessoas próximas. A irresponsabilidade das recorrentes aglomerações, mesmo com medidas restritivas imposta pelos governadores e prefeitos, fez com que parte da rede de saúde pública entrasse em colapso. “O que a gente tinha de leito no serviço de saúde não era compatível para a assistência e você fica angustiado com essa falta de leitos e pessoas morrendo”, pontuou. Sem direito a enterrar o próprio parente, a crise sanitária estabeleceu uma sequela permanente: a saudade.
A busca pelo benefício que garantiu a sobrevivência de muitas famílias foi caracterizada por longas filas e a lentidão no atendimento da Caixa. Júlio Gomes/LeiaJáImagens/Arquivo
Neste momento, os estabelecimentos considerados não-essenciais já haviam suspendido as atividades e a economia praticamente foi travada. Após movimentação na Câmara dos Deputados, o benefício do auxílio emergencial foi instituído através de pagamentos mensais, inicialmente de R$ 600 e R$ 1.200, pela Caixa Econômica Federal. Para implementar a iniciativa que chegou a atender mais de 65 milhões de brasileiros, cerca de R$ 293 bilhões foram investidos.
Escolas acompanharam a recomendação de isolamento e se desdobraram para concluir o ano letivo de forma remota. As limitações também fizeram com que 2020 fosse o ano do primeiro Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) digital, com 101.100 inscrições. Ao todo, 6,1 milhões de estudantes se cadastraram, mas a edição contabilizou a maior abstenção da história, com a ausência de 5.523.029 inscritos na versão impressa.
Apesar do planejamento contra o vírus ser indispensável para a queda de taxas, o infectologista ressaltou a responsabilidade do Ministério da Saúde, em nome do Governo Federal, que deveria estar mais engajada no andamento do plano de imunização, já atrasado por falta de doses e demora para aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Tá cada vez mais claro que, se você não tiver vacina, a gente não vai ter tranquilidade”, afirma o infectologista.
“Hoje a gente não tem uma política de vacina clara. Não tem cronograma claro de quantas pessoas a gente vai vacinar. A vacina está chegando aos poucos e os estados e municípios não têm como fazer uma programação efetiva de vacinar uma população em pouco tempo, que venha fazer um impacto a ponto da gente ter um prazo mais assertivo”, concluiu.
O primeiro imunizante autorizado foi da farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo. A dose inicial foi aplicada em uma enfermeira do estado, no dia 17 de janeiro deste ano. Até o momento, cerca de 8 milhões de doses foram aplicadas no país. Contudo, apenas 1.750.781 pessoas receberam a segunda aplicação, equivalente a 0,83% da população.
O contrassenso entre a Ciência e a gestão federal fez com que o Governo fosse acusado de genocídio. Reprodução/Wikimedia Commons
No mesmo dia em que o recorde de óbitos foi atualizado, o ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, afirmou que o vírus está três vezes mais ativo no Brasil. "Estamos enfrentando uma nova etapa da pandemia. Hoje, o vírus mutado, ele nos dá três vezes mais a contaminação, e a velocidade com que isso acontece em pontos focais pode surpreender o gestor em termos de estrutura de apoio. Essa é a realidade que vivemos hoje no Brasil", disse em pronunciamento em Brasília.