Pandemia reforça necessidade de combate ao negacionismo

Investimento em educação é fundamental para enfrentar a ignorância e valorizar a atividade científica no Brasil

qua, 14/04/2021 - 09:25

O número de casos e mortes causadas pela covid-19 continua crescendo no Brasil de forma alarmante. Apesar dos avanços da ciência e da medicina e das diversas pesquisas feitas ao longo do tempo, uma parte significativa das pessoas no país e ao redor do mundo insiste em negar a existência e o desenvolvimento do vírus. Esse comportamento é reforçado por aqueles que negam a evolução científica em si, o que acarreta graves consequências.

Diego Santos, professor de História na UNAMA - Universidade da Amazônia, explica que o negacionismo científico começou a surgir por volta dos séculos 15 e 16, quando a chamada Ciência Moderna direcionou um olhar diferente para o cosmo, para a sociedade e para a astronomia, criando também relações diferentes com a religião. Mais tarde, nos séculos 17 e 18, surgiram diversas teorias. Uma delas foio a Teoria Heliocêntrica, de Nicolau Copérnico.

“A partir dali começa, pautado em afirmações religiosas muito influenciadas pelo período da Idade Média, começa o primeiro grande negacionismo. Porém, o termo negacionismo vai estar muito mais associado ao século 20 e principalmente ao período do holocausto, quando se nega o holocausto, se nega o que houve dentro das práticas do nazismo e do fascismo. Isso começa a trazer dúvidas que descambam até a nossa sociedade”, observa Diego.

O professor afirma que o exemplo do holocausto é muito forte e que está muito próximo de nós por causa do período da Segunda Guerra Mundial, em 1939 a 1945, momento em que muitos judeus foram mortos em campos de concentração. Ele também cita o movimento que se contrapunha aos efeitos do cigarro, na década de 1950, nos Estados Unidos.

“A ideia era colocar uma dúvida nas pessoas que consumiam o cigarro, pra saber se ele provocava câncer ou não. A própria indústria do cigarro estimulava essa ideia da dúvida, negando ou pelo menos criando uma ideia de dúvida em relação ao uso intensivo do cigarro”, explica.

Segundo Diego, o negacionismo encontra um terreno fértil especialmente entre as pessoas que não estão tão próximas da ciência e porque se respalda na desinformação. O professor destaca o papel da Igreja na formação histórica do Brasil e cita a forte presença das igrejas evangélicas no país nos últimos 30 anos. 

“A forma como a comunicação se faz hoje também prejudica bastante. Muitas das coisas que não seriam tomadas como verdades tornam-se verdades absolutas. No passado, era muito mais porque havia certo privilégio em relação ao conhecimento. Hoje é pela demasia. Hoje se tem (informações) de tal maneira que não se sabe efetivamente o que é verdade ou não. As pessoas não procuram saber, não procuram cruzar as fontes, pra saber se aquela informação é verdadeira ou não”, complementa.

O professor alerta para uma crise do conhecimento e aponta consequências negativas. Segundo ele, no século 19, thavia algo para ser descoberto. Hoje, existe algo para negar. Diego comenta que Robert Proctor, professor de História da Ciência na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, chama isso de Agnotologia – negação do saber científico.

“Já se está vivendo esse processo, de dificuldade de compreensão das coisas e de colocar em xeque todo o conhecimento científico produzido até hoje, como é o caso, inclusive, do processo de vacinação. Era até comum no século 19 e no início do século 20, quando a gente teve a Revolta da Vacina, no Rio de Janeiro. As pessoas colocaram a questão de se vacinar ou não e qual era o sentido da vacina”, exemplifica.

O professor afirma que o negacionismo mais perigoso e ameaçador é aquele que questiona a própria preservação da vida. “É muito mais ameaçador o negacionismo em relação à covid-19, em relação às vacinas testadas e aprovadas do que o negacionismo vinculado ao terraplanismo (discurso de que a Terra é plana). Ele é muito mais do campo de vista teórico. Ambos são ruins e problemáticos diante dos seus questionamentos”, salienta.

Diego analisa o ceticismo em comparação ao negacionismo e afirma que todo e qualquer pesquisador e cientista deve ser um cético, já que o ceticismo incentiva o pensar através de interrogações. Entretanto, o negacionismo é negar aquilo que está posto e atribuído a um conhecimento e, por isso, precisa e deve ser combatido.

“Como fazer isso? Eu acredito que a educação seria um caminho dos mais frutíferos. Sem uma base educacional, você aceita e passa a ter uma compreensão limitada das coisas, das relações. Não quer dizer que a religiosidade seja a culpada disso, mas que se tenha a possibilidade de interação e de compreensão dessa verdade através das suas diversas possibilidades. Não existe uma única interpretação”, afirma o professor.

Pacto coletivo

“O negacionismo se torna algo extremamente negativo na medida em que ele afeta um pacto coletivo de política pública para a segurança da comunidade como um todo”, explica Bárbara Araújo Sordi, professora do curso de Psicologia da UNAMA.

De acordo com a professora, os grupos contrários à ciência crescem com a desinformação. Para ela, é preciso entender o contexto político atual para identificar como o negacionismo se manifesta. “É diante desse cenário de fake news que a gente tem um fortalecimento de alguns grupos políticos que começam a criar uma ‘teoria da conspiração’ e que ao mesmo tempo questionam políticas públicas e a própria ciência em si”, diz.

Assim como o professor Diego Santos, Bárbara também acredita que o investimento na educação é uma das formas de combate ao negacionismo. “Precisamos investir nos estudos científicos, nas nossas universidades, na educação, na saúde básica, nas campanhas de saúde e fazer com que a população tenha a compreensão das medidas de segurança, da importância dos estudos epidemiológicos, das práticas de promoção e prevenção de saúde”, explica a professora.

Repercussão epidemiológica

Dirceu Costa dos Santos, professor e coordenador do curso de Biomedicina da UNAMA, diz que no contexto da covid-19 o negacionismo fortalece a repercussão epidemiológica no que se refere ao número de casos, assim como a pressão em cima dos sistemas público e privado de saúde. Resultado: aumento do número de óbitos.

“No contexto a médio e longo prazos, esse aspecto acaba sendo muito prejudicial. As pessoas acreditam em todo o processo de prevenção e de cuidados, mas acabam sendo contaminadas por esse grupo pequeno que descaracteriza a importância da ciência nesse sentido”, explica.

Dirceu afirma que o negacionismo compromete não só o processo de formação das novas gerações, mas também o nível de investimento científico e o nível de creditação dos cientistas brasileiros que já enfrentam diversas dificuldades no trabalho por causa da falta desse investimento. “A gente precisa ter um nível de preocupação muito grande em dissipar de forma muito rápida esse tipo de pensamento, principalmente para a mídia e para a população que não tem acesso a informações científicas e com respaldo”, alerta.

O biomédico expõe o negacionismo como o filho mais velho da desinformação, sendo o produto básico da falta de formação adequada em termos educacionais e em todos os níveis, desde a formação básica até a formação superior. “É o resultado de uma mídia que não busca as informações ou as fontes das informações mais adequadas para serem disseminadas, e eu falo de redes sociais de forma geral e ele é, na verdade, conseqüência da falta de investimento”, complementa.

Quanto à importância de se acreditar na ciência, Dirceu comenta que, em termos de pesquisas na área da saúde geral, trata-se de um trabalho que é o fruto de um processo muito longo de formação. “Estamos falando de pessoas que passaram 15, 20, 30 anos estudando com investimento, principalmente no Brasil, muito restrito e muito escasso, mas de qualquer forma estamos falando de fruto de um trabalho muito sério, de pessoas extremamente competentes e reconhecidas no mundo inteiro”, analisa.

O biomédico aponta que a sociedade deve se posicionar de uma forma a orientar, explicar e esclarecer as dúvidas de pessoas que não tiveram, de alguma forma, acesso a informações adequadas dentro do seu processo de formação. “Não existe política sem preocupação com a saúde pública e com o processo de formação educacional do seu país. Nós temos a obrigação de trabalhar em prol da elucidação da importância da ciência, de entender e de seguir as orientações que são disseminadas corretamente pelos cientistas no sentido de proteger a população e salvar vidas”, finaliza Dirceu.

Por Alana Bázia e Isabella Cordeiro.

 

 

 

 

 

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