Ato na prefeitura tem confusão e manifestantes agredidos

Integrantes de movimento por moradia, ao tentar entrar na Prefeitura do Recife, sofreram retaliação da Guarda Municipal do Recife

por Vitória Silva qui, 26/01/2023 - 15:17
João Velozo/LeiaJáImagens Idosa passa mal após série de agressões feitas pela Guarda Municipal aos manifestantes João Velozo/LeiaJáImagens

Manifestantes foram agredidos durante um protesto por moradia no Recife, nesta quinta-feira (26). O ato, acompanhado pela equipe do LeiaJá, foi iniciado de forma pacífica no bairro da Soledade, no Centro da cidade. O destino final do grupo, formado por integrantes do Movimento de Luta por Teto, Terra e Trabalho (MLTT), foi a Prefeitura do Recife, onde representantes tentariam agendar um diálogo com o prefeito João Campos (PSB) ou com secretários.

Ao chegar à sede da prefeitura, o grupo foi impedido de avançar nas dependências do prédio e teve as bandeiras do movimento recolhidas pela Guarda Municipal do Recife, que estabeleceu uma barreira humana no local. Os manifestantes insistiram na tentativa de entrar no edifício e foram agredidos com socos e golpes de cassetete. Guardas também foram agredidos. Dada a falta de diálogo e ação truculenta, a resposta do movimento foi ocupar a Prefeitura do Recife até que fossem ouvidos pela secretária de Habitação Maria Eduarda Medicis. 

Até a última atualização desta matéria, as informações passadas à reportagem são de que o Movimento será atendido pela secretária às 11h da sexta-feira (27). Até a noite desta quinta, a ocupação na prefeitura estava sendo desmontada e as famílias aguardavam um ônibus enviado pela própria gestão para levá-los de volta à ocupação.

No tumulto, uma idosa foi golpeada, teve um mal-estar e ficou caída no chão, sendo auxiliada por colegas do movimento. Ela foi identificada como Laudiceia Antônia da Silva, 60 anos. Outras pessoas foram agredidas e também passaram mal. Por volta das 14h20, a Polícia Militar de Pernambuco chegou à PCR para auxiliar no apaziguamento da situação entre o MLTT e a guarda. 

“Estamos na ocupação Leão do Norte, eu vivo só lá com o meu filho. Morreram três pessoas da minha família nas chuvas, só escapamos nós dois. Eu apanhei deles [da guarda], danaram [sic] cassetete em mim e no meu filho. Eu tenho 60 anos, sou doente e tenho problema de pressão, então passei mal”, relatou a vítima.

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“A gente quer ocupar o prédio, para poder ter a moradia da gente. É um ano já esperando essa moradia, a casa foi levada, a gente não tem nada e sobrevive de ajuda, de doações. Não temos colchão, a gente dorme no chão. Não somos bandidos, somos mães e pais de família, correndo atrás do que é da gente, e apanhamos deles. Uma velha [sic] de 60 anos apanhou deles”, acrescentou a idosa.

O coordenador do Movimento Davi Lira disse ter conversado com um representante da Prefeitura do Recife, mas não havia tido nenhum sucesso de possibilidade de diálogo até então. “Conversei com o secretário Sérgio Campello, ele disse que não tinha possibilidade de a secretária de Habitação nos atender. Perguntei qual era a atividade mais importante que ela estava fazendo para não atender as famílias desesperadas e ficaram sem resposta. Simplesmente impediram o nosso acesso de outro coordenador para iniciar as negociações”, relatou. 

Ele afirmou, ainda, que mesmo com conversa, não conseguiria ter negociação “se a prefeitura continuar com essa postura, infelizmente”. Além disso, Davi elogiou a atuação da Polícia Militar de Pernambuco, que acompanhou a manifestação desde o início e, inclusive, impediu que mais manifestantes fossem agredidos pela Guarda Municipal na Prefeitura do Recife. “Eles até se retiraram porque viram que não existia nenhum grau de risco porque aqui tem mãe, criança, idoso. A maioria das pessoas do movimento são mulheres. É um machismo muito grande por parte dos guardas. Teve uma companheira que levou uma cacetada nos peitos e desmaiou. Isso não é humano. Infelizmente a gente não vai avançar para resolver o problema da moradia digna do povo que sofre todos os dias tratando quem luta por dignidade dessa forma”, lamentou. 

Integrante do movimento, Tiago Bezerra, que também foi agredido, relatou que o grupo chegou na sede da prefeitura com bandeiras e gritando palavras de ordem e que até tentaram entrar, mas já havia uma barreira os impedindo. “A gente foi bastante agredido. A maioria das pessoas do movimento são mulheres e, ao defender agressões, fui segurado por trás por algum agente à paisana, enquanto outro guarda municipal começou a me agredir com cacetete e várias agressões começaram a acontecer. Acredito que as mulheres foram as mais agredidas”, disse. 

“Foi um ato muito machista, de caráter fascista por pessoas, moradores de ocupação. Tinha gente com bengala, crianças, que só vieram reivindicar o direito de moradia, que já estamos tentando negociar há meses e ainda não fomos recebidos. Para demonstrar a nossa atitude, hoje vamos ocupar aqui e só vamos sair com alguma resposta ou algum diálogo possível com a prefeitura”, complementou Bezerra. 

Também coordenador do Movimento Victor Henrique, fez questão de parabenizar a polícia que “conduziu todas as famílias até aqui de uma forma pacífica, uma forma humana, e promoveu a paz e até conseguiram intervir na agressão dos guardas”. “Se a Polícia Militar não estivesse aqui, talvez pudesse até ser pior”, observou. 

Victor também foi agredido pela ação truculenta dos agentes municipais. “Quando a gente chegou na prefeitura, fomos recebidos pela Guarda Municipal como bandido, e fomos agredidos com cacetete, porrada. Inclusive senhoras de idade, crianças, adolescentes e pessoas com deficiência. O episódio aconteceu por parte da guarda, mas a nossa intervenção é algo pacífico. Vários comerciantes daqui parabenizaram o movimento por não termos saqueado e nem destruído nada. A nossa ideia não é danificar o patrimônio público, é resolver o problema das famílias”. 

O advogado da comissão de advocacia popular da Ordem dos Advogados de Pernambuco (OAB) Antônio Celestino afirmou que o procedimento a ser tomado com relação às agressões será de pegar os nomes das pessoas agredidas e, em seguida, investigar a Guarda. “Pegamos a identificação para marcar um processo de escuta junto à Defensoria Pública do Estado. Eles têm um núcleo de direitos humanos específico, que a gente encaminha e faz o acompanhamento das escutas para que os procedimentos cabíveis sejam tomados”. 

“A gente já tinha marcado uma eventual reunião com a prefeitura, e aí a coisa se degringolou para esse lado. Estamos tentando montar uma comissão para discutir com o secretário Sérgio Campello e ver as tratativas que podem ser tomadas. Em relação à atuação da guarda, vai ter que ser investigado e tratado de forma específica”, explicou.

A manifestação

Integrantes do MLTT realizaram, nesta quinta-feira (26), uma passeata por ruas do Centro do Recife. O objetivo da caminhada foi cobrar do poder público ações de habitação para famílias sem moradia na capital pernambucana, que possui um déficit de cerca de 70 mil habitações. O interesse do grupo é discutir com o prefeito, ou com secretários, a ocupação do prédio da antiga secretaria de Contabilidade, sem utilização há seis anos e localizado também no centro da cidade. 

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