Para FHC, governo Bolsonaro "acha inimigo onde não tem"

Entre críticas aos atuais ministros, defesa de Aécio e críticas à Lula, FHC falou sobre sua visão do atual momento do Brasil em entrevista à BBC

ter, 26/11/2019 - 15:19
Tânia Rêgo/ Agência Brasil Tânia Rêgo/ Agência Brasil

Em Londres para uma palestra sobre os 50 anos de seu livro "Dependência e Desenvolvimento na América Latina", o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deu uma longa entrevista à BBC onde analisou o governo Jair Bolsonaro, o PSDB e Lula, entre outros temas. Entre críticas aos atuais ministros, defesa de Aécio e críticas à Lula, FHC falou sobre sua visão do atual momento do Brasil.

O ex-presidente atacou o que chamou de "setor ideológico" do governo Bolsonaro e fez duras críticas - sem citar nomes - aos ministros Abraham Weintraub e Ricardo Salles. "(Setor ideológico) acha que está defendendo a cristandade contra o comunismo, que é algo que não tem mais, onde que está? Eu não sei. Mas eles pensam que tem. E há muito tempo que não se vê um governo tão de uma família. A família tem peso. Então, não pode-se dizer que o governo está caminhando numa certa direção. Ele fala as coisas. Faz menos do que fala e o que fala assusta. Meio-ambiente, por exemplo. A retórica é de que não é um tema importante, e é. Na prática (em termos de medidas concretas) não mudou muita coisa, mas mudou. Porque quando o governo fala, o presidente fala, o ministro fala, as coisas começam a acontecer. A queimada aumentou, o desmatamento aumentou. Eu sei que é cíclico e há momentos com mais queimadas. Mas além de ser cíclico, você tem um ingrediente que é a desatenção aparente do governo para essas questões", disse FHC.

"Na área da educação, meu Deus, me preocupa porque você não vê rumo. E agora você vê um diálogo do ministro da Educação que é inaceitável. Mexe com a mãe não sei de quem. Coisas que não têm cabimento. Então, tem áreas bem retrógradas e outras são construtivas. Por incrível que pareça os militares são os mais moderados. E precisamos buscar algum tipo de moderação no Brasil. É contra nossa cultura, o nosso espírito não é de ruptura. E o governo é muito de rupturas. Fala palavras pesadas, acha inimigo onde não tem, tropeça sozinho", completou.

Fernando Henrique disse que não acredita que a Democracia esteja sob risco, mas alertou para os riscos de se alimentar posições reacionárias. "Vou citar Otávio Mangabeira. A democracia é uma planta tenra que você tem que regar todos os dias. Acho que há uma posição reacionária contra mulher, índio, negro. Eu não aceito isso. Sou contra. Temos que lutar contra isso e protestar claramente. Agora, não posso dizer que o governo tenha assumido essa posição. Tem setores que defendem essa posição e aí você tem que ser contra. O presidente agora mesmo está criando um partido novo e o símbolo são balas, um revólver 38. Isso não é uma coisa civilizatória. Não tem cabimento. Temos que ser contra. Mas nós podemos dizer que somos contra. Temos liberdade. A imprensa está livre. Eu vivi regime autoritário, vi gente torturada. É diferente. Não vamos misturar alhos com bugalhos", afirmou.

Aécio

Perguntado sobre a continuidade de Aécio Neves nos quadros do PSDB, FHC tentou se esquivar, mas disse que sairia do partido se fosse o deputado mineiro."Eu renunciaria sim. Eu renunciaria. Talvez pior do que qualquer fato tenha sido o tipo de conversa que o Aécio Neves teve. Aquilo foi negativo, é inegável. Na matéria de corrupção, o PSDB tem que ser contra, seja lá quem for. Mas não pode prejulgar", disse.

Lava Jato e Lula

Tido como aliado da Lava Jato - nas conversas vazadas entre procuradores e o ex-juiz Sérgio Moro - FHC sobre as críticas à força tarefa, mas defendeu os procuradores. "Há exageros na própria Lava Jato. Eu sempre defendi, porque é uma coisa inédita no Brasil colocar ricos e poderosos na cadeia. Eu não gosto de ver, porque alguns deles eu conheço, mas acho que é importante que tenha sido feito. Ela às vezes exagera e deve-se condenar o exagero", disparou.

Fernando Henrique negou qualquer envolvimento com os procuradores, admitiu que o julgamento pode ter sido parcial, mas acha que Lula deveria mesmo estar preso. "Eu mal conheço os juízes e procuradores da Lava Jato. É possível que eles tenham lado, tenham uma visão. Todo mundo tem. É bobagem pensar que as pessoas são neutras. Mas os juízes não julgam por aí, analisam fatos. Eu já fui chamado a depor três vezes a pedido da defesa de Lula. E você dá uma espiada no processo. Tem muita coisa. Não creio que os juízes tenham condenado simplesmente porque têm um viés político contrário. A Lava Jato pode ter uma tentação a ser salvadora da pátria, expurgar, resolver tudo. Mas não é por isso que condena. Condena porque tem fato. Também não acho que seja pecado tão grande que o procurador tenha falado com o juiz. Trabalham juntos. Ou eu digo que a Justiça não vale para nada ou eu tenho que aceitar a Justiça, o julgamento. Pode ter errado num ponto? Mas em três instâncias? É um pouco demais", afirmou FHC.

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