Cidades bolsonaristas têm maior risco de morte por Covid

Pesquisa elaborada por estudiosos de diferentes instituições revela a faceta letal do negacionismo

por Vitória Silva qua, 05/05/2021 - 14:18
Arthur Souza/LeiaJáImagens/Arquivo Cemitério no Recife Arthur Souza/LeiaJáImagens/Arquivo

Cidades ferrenhamente bolsonaristas, que elegeram, em 2018, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com 50% ou mais dos votos válidos, destacam-se entre os 5.570 municípios brasileiros como as mais vulneráveis à infecção ou morte por Covid-19. Nos municípios onde o presidente teve mais da metade dos votos no segundo turno das últimas eleições, o risco de infecção foi 299% e o de mortes, 415% maior do que nos municípios onde ele perdeu a eleição. O foco do estudo é mostrar os efeitos fatais do negacionismo na população, diante da crise na Saúde.

Os dados constam em nova pesquisa, publicada em 28 de abril, por estudiosos do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), da Universidade Federal da Bahia (UFBA), da Universidade de Toronto, no Canadá, e do Ibmec, intitulada “Os efeitos desastrosos dos líderes na negação: evidências da crise do COVID-19 no Brasil”.

Quando o escopo filtra as localidades onde o chefe do Executivo obteve mais de 70% dos votos no segundo turno, o resultado é pior: chega a 567% a mais a chance de se infectar e a 647% o risco de ir a óbito, do que em uma cidade onde ele teve menos de 30% dos votos. Isso equivale a sete vezes mais mortes nas cidades onde Bolsonaro ganhou com ampla margem.

“O Sr. Jair Bolsonaro é o arquétipo de um líder em negação. O atual presidente do Brasil fez uma sequência de discursos para televisão e rádio minimizando a gravidade da pandemia COVID-19. O conteúdo das comunicações do Sr. Bolsonaro minimizou os efeitos da doença, desconsiderou a importância do distanciamento social e estimulou a adoção de tratamentos sem comprovação científica de eficácia”, diz o documento, assinado pelos professores Sandro Cabral, Nobuiuki Ito e Leandro Pongeluppe.

Os cientistas organizaram um painel de dados dos 5.570 municípios com observações diárias de 25 de fevereiro de 2020 a 18 de fevereiro de 2021 sobre o número de infecções confirmadas e o número de mortes devido à Covid-19. Eles verificaram o que aconteceu após cinco discursos realizados por Bolsonaro, transmitidos abertamente por redes de TV e rádio de 6 de março de 2020 a 8 de abril de 2020. Foram usados também dados do Tribunal Superior Eleitoral sobre as eleições de 2018.

No arquivo de pesquisa, as cidades que lideram a lista não são identificadas, mas os gráficos confirmam as informações já divulgadas em 2018, que identificam maior concentração de votos a favor do presidente nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

O LeiaJá conversou com Sandro Cabral, professor do Insper/UFBA, que afirmou que ele e os colegas de trabalho optaram por “não estigmatizar as cidades e suas populações” através da pesquisa. O pesquisador também dá mais detalhes sobre o artigo.

“Nós escolhemos esses discursos porque, apesar dele (Bolsonaro) estar se comunicando todos os dias, ele fala para uma bolha. Fala em uma live particular semanal, no Twitter ou nos grupos do WhatsApp, por onde ele também se comunica somente para os seus seguidores. Escolhemos os discursos de TV porque assim, ele fala para o Brasil inteiro. Assim a gente sabe o impacto daquela mensagem de uma forma ampla, independente de se tratar de um município bolsonarista ou não”, aponta Cabral sobre a seleção dos discursos.

Também segundo o especialista, nas 52 primeiras semanas não houve nenhum discurso, depois de abril, sobre a pandemia. Após esse período, Bolsonaro se pronunciou nacionalmente no feriado de 7 de setembro e no Natal. O presidente comenta assuntos cotidianos sobre a Covid à imprensa ou aos seguidores nas redes sociais. Seu último discurso nacional foi em março deste ano, com uma leve mudança de tom, mas ainda marcado por sinais da desinformação e do negacionismo, sempre mencionando os entraves econômicos.

“Criamos um falso dilema entre economia e saúde, que são vistos como antagônicos, quando não são. Pelo contrário, preservar a saúde é preservar a economia. Se fossemos dar um valor à quantidade de mortos, de vidas perdidas que temos, quanto isso não acumularia? O prejuízo econômico das vidas abreviadas, sem falar no sofrimento das famílias. Nosso problema maior se concentra em uma ação descoordenada (do Governo Federal), em priorizar o que não é prioridade”, continua o co-autor do artigo.

O professor explica ainda que, nessas cidades em que as pessoas apoiaram, majoritariamente, Bolsonaro, os prefeitos, se não são governistas, mesmo que sejam da oposição, são mais suscetíveis à abertura do comércio e às flexibilizações, por pressões administrativas ou mesmo da própria população. Além disso, há também os que fazem parte da bolha negacionista, que se opõem ao uso de máscaras e defendem a economia em primeiro lugar, o que respinga em eleitos e não eleitores do presidente.

“A gente espera uma articulação central, um Governo Federal que nos mande sinais, mas se dele nós recebemos sinais contrários à contenção do vírus, dá nisso: 400 mil mortos, estamos empilhando corpos”, articula, por fim, Sandro Cabral, reafirmando também que a doença tem o poder de nos isolar do resto do mundo, pois quem sofre com as sanções diplomáticas são os brasileiros.

“Com o posicionamento do Brasil, nós sofremos as sanções. Barreiras sanitárias para o país, voos cancelados, relações ruins com outros líderes. O mundo pode querer se proteger e se isolar da gente”, conclui.

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