Campanha por eleitorado jovem alerta projeto bolsonarista

Confira o que cientistas políticos têm a dizer sobre as táticas de aproximação à juventude utilizadas pelos líderes da polarização

sex, 01/04/2022 - 17:56
Marcello Casal Jr./Agência Brasil TSE emitiu título de eleitor para 850 mil jovens até 21 de março Marcello Casal Jr./Agência Brasil

A política brasileira viveu um mês de março agitado, com muitas mudanças através da janela partidária, pré-campanha mais intensa dos presidenciáveis e novas denúncias de corrupção no governo de Jair Bolsonaro (PL); desta vez, no Ministério da Educação. Além da movimentação que tomou conta da mídia nas últimas semanas, também é possível perceber mudanças nas pré-campanhas à Presidência, alvejando com mais ênfase os jovens, em especial o público cujo voto não é obrigatório: adolescentes de 16 e 17 anos. O que pode justificar a estratégia? 

Dados de um levantamento com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que o número de eleitores de 16 e 17 anos que solicitaram o primeiro título de eleitor caiu 82% neste ano eleitoral. Em 2012, 2.603.094 pessoas dessa faixa etária pediram o documento, enquanto neste ano, até 21 de março, foram 466.227. O número deve crescer até 4 de maio, prazo final para registro e regularização do título. 

Ao mesmo tempo em que o índice revela um desinteresse entre adolescentes aptos ao voto em engajar com o grande pilar democrático que é a eleição, o grupo acaba se tornando uma parcela com potencial para aumentar e diminuir diferenças nas intenções de voto, especialmente entre os líderes da polarização no país, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual mandatário, Jair Bolsonaro. O LeiaJá conversou com cientistas políticos para ajudar a esclarecer como o eleitorado jovem vem sendo utilizado pelos presidenciáveis. 

“A importância do voto jovem é enorme. A gente vê isso pela movimentação da base do governo, eles sabem que perdem de goleada entre os jovens e isso não é de hoje. Desde o impeachment, as pautas progressistas são apoiadas pela juventude e nunca foi feito um esforço genuíno do bolsonarismo em cativar esses jovens. A maioria foi chamada de alienada, burra, massa de manobra, doutrinada. Por isso a narrativa bolsonarista entrou em alerta com essa campanha dos artistas, porque o discurso deles nunca foi atrativo. Por isso me parece muito mais bravata o esforço do governo em manter os jovens na inércia. Eles não vão tentar agora há meses do pleito cativar um público que eles nunca cativaram”, supõe o mestre em ciência política Caio Santos, apresentador do podcast ‘Política É Massa’. 

Artistas em campanha

No fim de março, artistas como Anitta, Juliette, Zeca Pagodinho, Mark Ruffalo, Whindersson Nunes e Luísa Sonza realizaram uma campanha nas redes sociais incentivando os jovens de 16 e 17 anos a regularizar a documentação para votar nas eleições de outubro. O que eles têm em comum? Todos são contra Jair Bolsonaro. Quem também fez oposição acirrada foi a drag queen Pabllo Vittar, que levantou uma bandeira pró-Lula no palco do Lollapalooza em 2022, em São Paulo.   

A manifestação política não foi bem recebida pelo Governo. O Partido Liberal, de Jair Bolsonaro, chegou a representar contra o festival diante do TSE. 

“Sobre o PT e Lula, acredito que exista um alinhamento ideológico e a visão que muitos desses jovens têm do país de sua infância. A maioria era criança na época de maior popularidade do PT, então há um fator que pode ser emocional, mas não podemos subestimar a consciência crítica de jovens que veem com temeridade seu futuro. Jovens se preocupam com pautas ambientais, emprego, segurança, mas muitos também abraçam pautas identitárias e nada disso é representado de uma maneira honesta e atenciosa do lado do governo. Lula acaba sendo o único viável para concentrar essas pautas da juventude, mesmo que em alguns casos se faça críticas aos seus planos relativos a esses assuntos”, continua Caio. 

O cientista político e professor universitário Elton Gomes também traça o perfil desse eleitorado. Na opinião do especialista, ainda que essa juventude não deva ser subestimada em sua leitura crítica da conjuntura política do país, a avaliação dos mais jovens ainda é mais pessoal e menos aprofundada que a dos mais velhos. 

“São pessoas que têm necessidades muito específicas, não demandam um aprofundamento muito grande no perfil dos candidatos e coalizões, e não fazem avaliações retrospectivas do que o candidato ou grupo político fez, nem prospectiva do que ele pode fazer. Esse grupo procura votar muito mais com base nos critérios de identificação pessoal, idiossincrasia (identificação por grupo) e coisas dessa ordem”, pontua Elton. 

Ao mesmo tempo, Gomes considera que o bolsonarismo vê, sim, através do seu poder nas redes sociais, uma forma de reter parte do público jovem. “Os candidatos políticos tentam conseguir fazer crescer a massa de eleitores, mediante o ingresso deste cidadão, que na maioria das vezes vai exercer o direito ao voto pela primeira vez, aos 16 anos, quando muito, pela segunda vez, aos 18 ou mais”, continua. 

- - > LeiaJá também: ‘Lollapalooza: ação no TSE gerou efeito contrário nas redes’ 

Atenção às demandas dos mais jovens também é recente para o PT 

De acordo com a última rodada da pesquisa Datafolha, o ex-presidente Lula tem preferência da maioria dos jovens entre 15 e 24 anos. No recorte por idade, o petista vence em todas as faixas etárias, mas tem maior vantagem - de 51% - entre os mais jovens. A menor é entre quem tem mais de 60 anos, de 39%. 

“O Partido dos Trabalhadores tem uma grande expertise na mobilização do eleitorado jovem. As campanhas em prol do primeiro voto para o ex-presidente Lula, em eleições passadas, foram muito importantes para consolidar o “fencing”, o cercamento do eleitorado. De modo geral, há uma tendência verificada em várias democracias do mundo, de jovens se identificarem com determinadas pautas da esquerda. No caso do PT, isso é um pouco complexo, porque o PT só recentemente se coadunou com as pautas da chamada esquerda identitária, caracterizada por pautas de gênero e raça. Esse espaço do mercado eleitoral brasileiro estava ocupado fundamentalmente pelo Psol. O PT percebeu que isso poderia ser um elemento que trazia perda de um ativo eleitoral importante e começou a ser eleito também nesse filão”, afirma Elton Gomes. 

Ainda de acordo com a pesquisa Datafolha, o presidente Jair Bolsonaro tem 22% da preferência na faixa etária de 16 a 24 anos. O grupo que mais apoia o atual chefe do Executivo é formado por quem tem mais de 45 anos, 29%. Ainda de acordo com o levantamento, a vantagem de Lula sobre Bolsonaro chega a 35 pontos percentuais no Nordeste, região considerada o maior reduto eleitoral do petista. 

“No caso do presidente Bolsonaro, ele tem uma aceitação maior entre pessoas com um pouco mais de idade e predominantemente de pessoas do gênero masculino. O grande elemento que se vê de novidade nas eleições atuais é justamente a do governo querer utilizar um elemento em sua vantagem, a cibermilitância. Uma cibermilitância muito bem estruturada e que foi, em grande medida, possibilitadora da vitória de Bolsonaro em 2018”, elucida o cientista político. 

A cibermilitância ou militância cibernética foi e segue sendo um grande pilar do bolsonarismo no país. Em 2018 e 2019, o foco dessa tática foi o mensageiro WhatsApp, por onde o Governo ainda consegue milhões de reproduções do seu conteúdo diariamente; conteúdo esse que foi marcado por escândalos de fake news e milícias digitais. Agora, o foco do reduto bolsonarista é o Telegram. 

“Ele [Jair Bolsonaro] tendo essa penetração maior nas redes sociais, em vários grupos que atuam de maneira descentralizada, veiculando informação política, tem uma capacidade de mobilizar um eleitorado mais jovem que, a exemplo do que acontece com o ex-presidente Lula, pode ser instrumental para essa disputa, que tende a ser muito acirrada. Esse público pode dar mais competitividade a esses dois grandes líderes carismáticos, Messias políticos populistas, que polarizam a disputa política eleitoral para presidente da República do Brasil hoje”, completa Elton Gomes, que finaliza: “os jovens são pessoas que podem vir a ser, se não decisivas, instrumentais para as eleições”. 

 

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