Um dia em uma universidade ocupada

Depois de tomar os centros acadêmicos, o que fazem os manifestantes? O LeiaJá passou um dia acompanhando o que acontece em uma ocupação como as que se espalham por todo o país

por Giorgia Wolf sab, 29/10/2016 - 19:24
Giorgia Wolf/LeiaJáImagens Estudantes reunidos para uma das atividades da ocupação na UFPE Giorgia Wolf/LeiaJáImagens

Às 9h30 na manhã de uma quinta-feira, os estudantes andam normalmente pelo campus da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e muitos acompanham as aulas sem problemas. A descrição seria óbvia, se alguns dos centros acadêmicos da universidade não estivessem ocupados por estudantes que protestam contra a PEC do Teto dos gastos, além de outras iniciativas do atual governo, como o projeto Escola Sem Partido. O Centro de Educação (CE) e o Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) ostentam faixas e cartazes com frases e desenhos deixando claros os motivos do ato.

O processo de ocupação de escolas e centros acadêmicos por todo o Brasil, iniciado no Paraná, tem sido notícia por todo o país, como não poderia deixar de ser. Mas pouco se publicou sobre o que fazem estes estudantes depois que ocupam estes espaços, como mantêm as ocupações e a mobilização, se realizam atividades durante o dia ou apenas ficam lá usando o espaço físico disponível e passando o tempo. Para conhecer um pouco do cotidiano dos estudantes que vivenciam as ocupações, o Portal LeiaJá esteve durante um dia acompanhando os estudantes e as atividades realizadas na ocupação da UFPE.

Antes, foram necessários contatos que permitissem acesso às pessoas e locais, além de vencer uma resistência inicial - e natural, pois muitos criticam duramente a imprensa na cobertura das manifestações. Acompanhada por alguns alunos do curso de Rádio e TV, a reportagem é levada ao representante da comunicação na Comissão Unificada dos Estudantes Secundaristas. É feito o pedido para que os alunos não sejam identificados, pois temem represálias. Por isso, a identificação dos manifestantes nesta reportagem se dá por iniciais.

O Centro de Educação (CE) é uma das bases de informação da Comissão Unificada dos Estudantes Secundaristas. Rompido com a União Nacional dos Estudantes (UNE), o grupo é formado pelos próprios alunos da UFPE, que traçam toda a logística da alimentação, das barracas de camping onde os ocupantes dormem, cuidam dos parceiros e colegas, da comunicação, das assembleias, do cronograma das atividades e do planejamento de novasas ocupações. “Temos assembleias gerais todos os dias para avaliar o contexto político e as ações no Campus, mas nem todos podem fazer parte”, explica a estudante de Rádio e TV, T.F. Na porta do CE, estudantes com os rostos cobertos fazem a fiscalização da entrada nas assembleias e reuniões do grupo. Com receio da imprensa e da repressão do governo, limitam as informações, fotografias e registros audiovisuais não produzidos pelos próprios grupos. “Queremos cuidar da imagem de cada um. Não queremos uma luta armada ou à força, mas apenas lutar pelos nossos direitos”, complementa.

Professores, técnicos e alunos incentivam uns aos outros, se ajudam com questões básicas e realizam saraus artísticos. Às 11h, começa a primeira aula pública do dia, no Centro de Educação, uma conversa sobre o preojeto Escola sem Partido. Em roda, os estudantes debatem, com a participação também de professores. Uma professora argumenta: “A escola sem partido desestimula as ações da forma de pensar e agir, inibindo os movimentos e as reivindicações estudantis”. A liberdade de expressão é o tema mais debatido e os alunos se alertam sobre a repressão que poderá vir ao movimento. "O principal diálogo da escola sem partido define o não diálogo ideológico e político dentro da sala de aula”,  diz o estudante de filosofia J.L., completando: "A escola sem partido se torna perigosa por adotar um lado político e determinar a sua forma de agir e pensar”.

Os prédios ocupados estão organizados, limpos e pacíficos. Ao mesmo tempo que possuem confiança, os olhares de preocupação do que irá acontecer tomam conta das feições no rosto de cada estudante. “A qualquer momento podem invadir a nossa casa acadêmica e usar a força para liberar os centros, podem lutar, bater, expor, uma repressão sem fim”, afirma uma aluna.

Às 12h, palestras são realizadas em centros não ocupados: o Centro de Tecnologia e Geociências (CGT) e o da Saúde (CS). Na pauta, as questões de luta e os movimentos que estão sendo realizados no Centro de Educação e no Centro de Filosofia. “A PEC 241 deve ser debatida e comentada várias vezes”, diz a professora M. “Muitos alunos não conhecem o projeto e estão se informando por meio das ocupações. Ficam sabendo por outros colegas e, quando perguntam, sabem o quão perigoso é a sua aprovação para os que já estão na universidade e para aqueles que irão entrar”, conta outra aluna, do curso de Farmácia. Os grupos, munidos de caixas de som e microfone, convidam os estudantes dos outros centros para conhecer a rotina da ocupação.

Os almoços e os lanches são coletivos e em horários específicos, e a programação do dia disponibiliza várias ações culturais, políticas e educacionais realizadas por professores e alunos. “Temos sempre atividades durante o dia que proporcionam informação sobre vários temas como gênero, feminismo, movimento estudantil e principalmente a PEC do Teto dos Gastos, uma das nossas lutas”, explica uma aluna. De acordo com eles, o objetivo dos movimentos é propagar a comunicação e unificar a ocupação, com o viés educativo. “Através da música, dos debates e das discussões, nós dialogamos os problemas do país e as consequências que podem ocasionar com uma decisão errada, tentamos buscar mudanças e alternativas”, completa. As assembleias que define o rumo do movimento são realizadas diariamente, de mahã e no fim da tarde.

Manifestações Artísticas

Às 14h, mais um chamado é realizado pela Comissão Unificada dos Estudantes Secundaristas. Na rua novamente, o grupo 'puxa' os estudantes com as batidas dos tambores do Centro de Educação até o CAC. Usam gritos de guerra como “Para barrar a precarização, greve geral, greve geral da educação" e "Ocupar, resistir!". A última “Aula Pública” é anunciada no saguão de entrada do Centro de Arte e Comunicação (CAC): “Vai começar, a última aula pública com o tema Gênero, Sexualidade, e seus Discentes”.

Em roda, os estudantes partilham informações e opiniões sobre a liberdade de expressão com os alunos e professores dos cursos de Teatro, Cinema e Artes Visuais que explicavam o que era a representação artística e corporal na luta e na forma de protesto. Ao abrir para o debate em gênero abordando a performance na vida das Drag Queen’s, um aluno de teatro caracterizado pede permissão e é convidado a entrar na roda. Calmo, com o rosto maquiado em um formato marcante e com uma expressão curiosa, ele se apresenta. 

Repressão Governamental

Nas ocupações e nos movimentos diários, os estudantes evitam os registros fotográficos e audiovisuais para preservar e proteger a identidade de cada um, pois temem represálias. Consideram as ocupações uma nova forma de viver a política e acreditam que seus resultados podem mudar o país. “Uma hora eles terão que nos escutar. Se conseguirmos arquivar a PEC do Teto, os movimentos irão ganhar força e direito”, diz um dos comunicadores da comissão unificada. As reivindicações são muitas: “Pedimos a reformulação do estatuto, somos contra os cortes estudantis, a perseguição aos movimentos e a identificação dos estudantes que foi exigida pelo Ministério da Educação”, resume um aluno da área da Educação.

Novas ocupações na UFPE

Às 17h30 da quinta-feira (27), o Centro de Arte e Comunicação tinha acabado de ser ocupado, passando a ser o terceiro centro da UFPE em tal situação. A história e a programação continuam nos centros com possibilidade de novas ocupações. "Ocupamos e foi lindo, pacífico e com música, vamos seguindo", relata uma das alunas de rádio, ao LeiaJá.

O CAC amanheceu na sexta-feira (28) ocupado com manifestações de apoio. Desde cedo, os professores chegaram com mantimentos e os estudantes que não participam ativamente no grupo chegavam com doações e suportes como barraca, mochila e pacotes de frutas. A sensação de fraternidade e a desculpa nas palavras de alguns, por não fazer parte integral dos movimentos por conta do trabalho ou do estágio, surgem na convivência deles. Até o momento, seguem ocupadas os setores do Centro de Educação (CE), do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) e do Centro de Artes e Comunicação (CAC) do campus Recife da UFPE. Os estudantes buscam dialogar e ocupar os outros centros dentro do campos, unificando a manifestação.

*Com Felipe Mendes

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