Área para conter rebeliões vira espaço educativo

Em Pernambuco, presídio aposta em uma série de cursos para combater o mundo do crime

por Nathan Santos qua, 14/03/2018 - 15:47

De segunda a sexta-feira, o jovem *Cauã, de 24 anos, colore dezenas de desenhos. É uma forma, segundo ele, de trazer cores para sua própria vida, uma vez que “o mundo do crime é obscuro”. Em folhas de papel ofício, capricha nos traços e em cada ponto dos personagens que, aos poucos, ganham forma e cor. “Aqui eu distraio a mente, esqueço dos problemas e sonho em me tornar um desenhista profissional”, diz.

Roupas, personagens de desenhos animados, super-heróis e animais. *Cauã arrisca-se em desenhar praticamente qualquer figura, mas hesita em colocar no papel o que seria um desenho alusivo ao sentimento de liberdade. Ele cumpre pena há quatro anos no Presídio de Igarassu (PIG), na Região Metropolitana do Recife. “Não sei quando vou sair, não dá para sentir a liberdade”, fala. Enquanto vive entre grades e muros, o detento dedica boa parte da sua rotina às aulas de desenho com foco em moda, uma das 25 capacitações profissionais e educativas realizadas na própria unidade prisional.

Paulo Uchôa/LeiaJáImagens

Entre presídios de Pernambuco, o PIG se destaca pela ausência de incidentes violentos nos últimos dois anos, como rebeliões e mortes, e principalmente pela série de atividades de qualificação promovidas para os detentos. De acordo com a supervisora administrativa e coordenadora das oficinas, Maria das Graças Silva, as atividades têm uma proposta profissionalizante, porém focam ainda mais na possibilidade de reabilitação social dos presidiários. O curioso, sobretudo, é que a grande maioria dos cursos ocorre em um corredor que serviria, teoricamente, para conter rebeliões.

Segundo Maria das Graças, por meio do espaço, policiais poderiam acessar os corredores que dividem os pavilhões do Presídio de Igarassu para atuar em eventuais rebeliões ou motins. No entanto, o espaço de 160 metros estava desativado e com problemas estruturais; nos últimos anos não precisou ser utilizado para conter conflitos entre os detentos. “Nós precisávamos de um local mais adequado para realizar nossas oficinas, então, juntamente com a diretoria do PIG, resolvemos reformar e transformamos no ano passado esse espaço em um ambiente de aprendizado social e de qualificação profissional. Temos, ao todo, mil reeducandos participando das atividades; temos o curso de desenho voltado para moda, oficina de unha e gel, corte e costura, informática, eletricista, terapia ocupacional, e outras inúmeras atividades”, explica Maria das Graças.

Antes de ser detido e cumprir pena no PIG, *Lucas, de 34 anos, era desenhista. Em 2017, foi convidado pela direção da unidade prisional para desenhar e pintar o espaço que, posteriormente, se tornaria um ambiente voltado exclusivamente para atividades educativas. Encheu o espaço de cor e deu um ar diferente do passado. “Pintei todo esse espaço e recebi o convite para dar aulas de desenho. Montei a turma, vi quem tinha interesse, e abracei quem sabia e quem não sabia desenhar, para aperfeiçoar o desenho ou começar da base”, relembra *Lucas.   

No curso de desenho voltado para moda conduzido por *Lucas, turmas de diferentes pavilhões do PIG são atendidas por dia, cada uma com mais de dez participantes. Eles aprendem técnicas de desenho e pintura, além de receberem dicas sobre criação de modelos de roupas e estampas. “Quando sei que vou ter a oportunidade de estar aqui, acordo bem e tento passar o melhor para eles. Vai chegar o tempo de a gente ir para rua e se eles têm algum dom, é melhor botar para fora. Aqui eles podem criar modelos de roupa, marcas e estampas, e um dia poderão criar suas próprias empresas para vender os modelos”, conta o professor de desenho.

Outra opção de capacitação é o curso de unha e gel. Durante as aulas, os participantes ainda aprendem técnicas de manicure e discutem como poderão criar seus próprios negócios quando ganharem a liberdade. “Aprendi aqui que tenho que ser rápida aplicando a unha, o cliente gosta de rapidez e de um serviço de qualidade”, relata *Márcia, uma das participantes do curso. Metros depois, cerca de 20 computadores são utilizados nas aulas de informática, que abordam desde conceitos básicos e uso de programas do Pacote Office até dicas de digitação.

*Carlos, detido no Presídio de Igarassu há cinco meses, era professor de artes marciais quando estava em liberdade e hoje conduz as aulas de informática. “Sempre gostei de ensinar e aqui é uma oportunidade para eu ocupar a mente e falar da palavra de Deus para os rapazes. Hoje mesmo eles estão produzindo texto e a gente percebe frases que falam de Jesus. Eles também falam da vida deles e das famílias”, comenta *Carlos, enquanto acompanha os demais reeducandos na utilização dos computadores.

Um dos alunos do curso de informática se chama *Márcio, 25. Ele está detido no PIG há oito meses. O rapaz confessa que já conhece vários procedimentos na área de computação, mas prefere participar das atividades. “Sair do pavilhão já é uma vitória. Aqui temos a oportunidade de ter mais conhecimento. Quero procurar um trabalho quando sair do presídio, estou arrependido do que fiz e agora o jeito é cumprir toda a pena”, conta o reeducando.

Já as aulas de corte e costura são realizadas pelo detento *Caio, que cumpre pena em Igarassu há quase sete anos. O curso tem cerca de três meses e possui três turmas por dia, cada uma com um quantitativo de cinco a dez alunos. O rapaz aprendeu as técnicas enquanto trabalhou na empresa de costura da sua família e hoje compartilha o aprendizado com os demais presidiários. “Minha função é passar o que aprendi aos alunos, fazendo bolsas, pochetes e outras coisas mais simples. Assim, pelo menos eles têm alguma coisa para fazer e podem pensar em algo para trabalhar na liberdade. Como estão ocupados, eles dispensam os pensamentos negativos”, frisa *Caio.

De acordo com *Francisco, um dos alunos do curso de corte e costura, a capacitação abre uma visão empreendedora. “Nunca trabalhei com corte e costura, eu trabalhava com transporte. Aqui estou aprendendo a manusear as ferramentas e a fazer bolsas, lapiseiras, pochetes e outros objetos. Até comecei a pensar em atuar com isso quando sair daqui. Acho importante porque a direção sempre nos incentiva a participar das oficinas e isso nos motiva a estar aqui, acompanhando as aulas”, diz *Francisco, enquanto manuseia uma máquina de costura.

Acompanhe no vídeo a seguir mais detalhes das aulas realizadas no PIG:

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Segundo o diretor do Presídio de Igarassu, Charles Belarmino, os cursos promovidos para os detentos ajudam a diminuir os problemas da unidade. Desde o início das atividades, o número de indisciplinas, tais como brigas, porte de celular, uso de faca, entre outras, caiu de 573 para 314 registros. O PIG conta com 3.463 reeducandos, mas, oficialmente, tem capacidade para apenas 566. "A gente tem notado uma mudança muito positiva. Tem gente aqui que quer mudar de vida e agora estão tendo a oportunidade por meio dos cursos", finaliza o diretor.

*Nomes fictícios foram usados nesta reportagem para prevenir as identidades dos reeducandos

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