Quando o amigo economista Josué Mussalém se encantou, fez cair segunda ficha, ainda mais pesada, sobre o fim do Opinião Pernambuco (programa que apresentei por nove anos e dirigi em cinco). Mussalém, convidado mais freqüente do programa, telefonara meses antes, e falou algo que me ficou em suspenso: “Opinião era negócio diferente, não dá para a emissora repetir. Entre os vários modos de ver o mundo, podemos dividi-lo entre coisas possíveis de retomar e outras irrepetíveis”.
Foi um carinho, um exagero, sem dúvida. Contudo, aquela afirmativa serve também como chave para entender melhor Mussalém, para saber onde nasciam suas paixões. Uma delas, que dividíamos, que estreitou a amizade, era a Segunda Guerra Mundial. Há evento menos provável de se repetir? Tudo que esteve em jogo, personagens que a protagonizaram, os incontáveis mortos, a maneira como o conflito cindiu a história, como nos tornou todos seus descendentes... Na política e na economia, nas ciências, comunicação, artes, em tudo que nos cerca, enfim, existe fuligem, vestígios da Guerra.
“Diferente das batalhas narradas por Homero, na Segunda Grande Guerra não havia deuses influenciando no resultado, com seus ciúmes, rancores e predileções. Todas as culpas e mínimos ganhos, tudo está na nossa conta”. Foi como tentei explicar meu gosto pelo tema. E, já sugerindo o tema da irrepetibilidade, ele respondeu:
– A poesia eternizou as guerras homéricas porque fez com que não possam ser comparadas com nada. Mas o que fez o Dia D se tornar igualmente incomparável, sem deuses ou versos? É dos poucos casos, raríssimos mesmo, onde a realidade foi além do que pode a poesia.
Mussalém gostava tanto do tema, que nunca consegui colaborar com sua biblioteca. Ele, que muito viajou, pesquisou e juntou anotações, só uma vez recebeu presente que ofereci: Maria de cada porto, romance de Moacir C. Lopes, onde um grupo de marinheiros brasileiros náufragos esperam pelo resgate, em alto-mar, enquanto lembram momentos de suas vidas. A narrativa se passa durante o período da Guerra.
Qual será meu naufrágio, neste domingo de rememorações, em que escrevo esta crônica para a coluna Redor da Prosa?
Não sei como cheguei aqui, tampouco em qual oceano estou à deriva. Sei que olho para as águas em redor e somente uma ideia navega em todas as direções: essas ondas podem ser todas diferentes umas das outras, mas poucas são irrepetíveis. As comuns devem me retornar à terra firme, fazer pensar na semana de trabalho que terei; e as irrepetíveis, aonde me levarão?
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