Crucial para o direito (ou, como prefere Reale, a “experiência jurídica”) é o conceito de validade, cuja vagueza deve ser reduzida a pelo menos três sentidos diferentes.
O primeiro diz respeito à validade formal, também chamada técnica ou dogmática, qualidade que se atribui a uma norma elaborada de acordo com o procedimento previsto pelo sistema estatal positivo, o qual também prevê a competência do órgão que a elaborou; além de confirmar o rito de elaboração e a competência, a validade formal implica conhecer o alcance e a estrutura da regra, buscando determinar sua aplicabilidade.
O segundo sentido leva o jurista a buscar compreender a transformação da regra jurídica em “momento de vida social”. É a correspondência, por parte do grupo social, ao conteúdo da regra: a eficácia.
Finalmente, o jurista não pode deixar de indagar sobre o fundamento das normas jurídicas, isto é, em que medida elas realizam ou não o valor justiça e os demais valores protegidos pelo direito. O fundamento aparece como o valor ou complexo de valores que legitima uma ordem jurídica positiva e seu estudo deve ser feito em relação com o direito positivo em totalidade, vale dizer, observando o cumprimento da regra em interseção com as demais que compõem o ordenamento, numa relação de progressiva fundamentação em todo o sistema.
O conceito fenomenológico de “intencionalidade da consciência”, segundo o qual conhecer é sempre conhecer algo (aliquid), aceito por Reale, leva-o a concluir por um dualismo irredutível entre sujeito e objeto, servindo-se do termo ontognoseologia para denominar a correlação transcendental que existe entre esses dois pólos do conhecimento. Em outras palavras, não há, a rigor, uma gnoseologia que não se dirija ao Ser (“ontos”). Conhecer é conhecer o ser. Ora, a partir daí, o sujeito não poderia jamais ser reduzido ao objeto, ou vice-versa, uma vez que sempre existirá, necessariamente, algo que poderá ser convertido em objeto dentro do campo do conhecimento e algo de subjetivo a relacionar-se com ele. Reale pode ser dito assim um autor realista (de res, coisa), em oposição aos nominalistas, retóricos, céticos, subjetivistas.
Isso leva a um segundo dualismo, aquele entre natureza e espírito, ou, em termos mais kantianos, entre ser e dever ser. Do mesmo modo que, no plano gnoseológico, sujeito e objeto não podem ser compreendidos um sem o outro, correlacionando-se ontognoseologicamente, no plano do ser histórico o ser humano e a cultura “são enquanto devem ser”, sem que possam ser compreendidos fora deste plano, na polaridade dialética entre ser e dever ser.
Esta configuração tampouco seria possível sem a noção de valor emprestada dos neokantianos. O conceito de valor, que para ele é inconcebível fora do ser histórico, leva Reale a afirmar essa polaridade ética, a qual se resolve num processo de mútua implicação. Esta polaridade ética está na essência mesma do ser humano, o qual não pode ser concebido – assim como a cultura – sem aquela dimensão axiológica que projeta no curso da história (O Direito como Experiência, 1968).
Exatamente por conta desses dualismos, afirma Reale, o conhecimento é dialético. Ele é relacional, ou seja, seus dois elementos – sujeito e objeto – estão em constante ir e vir um ao outro e este interrelacionamento é interminável, pois os dois elementos do conhecimento são irredutíveis um ao outro. Essa é a dialética de implicação-polaridade (ou de complementariedade) de Reale.
O ser humano tende a exteriorizar-se, projetando seu espírito (valorando) na natureza que o cerca; é exatamente essa projeção que constitui a cultura, os bens que o espírito humano valora para fins específicos. A cultura assume um caráter essencialmente histórico e contingente, não se podendo cogitar de um evolucionismo ou determinismo nesta ou naquela direção. O objeto só se torna objeto de cultura em virtude da intencionalidade da consciência objetiva, nela aparecendo como objeto valioso. É por isso que a cultura não é algo intercalado entre natureza e espírito, mas sim o próprio processo dialético que o espírito realiza sobre sua compreensão da natureza, um processo histórico-cultural, o qual coincide com o processo ontognoseológico. É o que Reale vai denominar “historicismo axiológico”.
Finalmente, detecta-se uma polaridade entre forma e conteúdo no tridimensionalismo de Reale, sempre em busca de um equilíbrio eclético e procurando evitar um normativismo ou sociologismo. Uma exacerbação de formalidade distancia o direito da realidade, enquanto um excesso de conteúdo priva o direito da objetividade necessária. Daí haver uma necessidade de adequação entre o esquema normativo e a realidade fática: e é precisamente o valor, ou “dever ser axiológico”, que realiza esta adequação.
Reale observa a distinção de Kant entre conceitos “ostensivos” e “heurísticos”, estes funcionando como “princípios regulativos” do conhecimento, e pretende ir além da interpretação que faz do filósofo ao emprestar uma maior dignidade à conjetura, mesmo tendo o cuidado de não tomar posição cética ou retórica. Reale entende que o horizonte do conhecimento é o infinitamente determinável, pois não existe apenas uma diferença qualitativa entre objetos cognoscíveis e incognoscíveis mas também quantitativa, isto é, mesmo nos objetos conhecidos permanece o pano de fundo no qual só o pensamento conjetural consegue penetrar. Assim, mesmo diante de objetos tidos como conhecidos, a conjetura é ato gnoseológico legítimo. Do outro lado, o “transobjetivo" também tem seu lado cognoscível, o que viabiliza a conjetura para todas as regiões do conhecimento; como em Hartmann, e contra o neokantismo de Marbourg, a coisa em si kantiana adquire um sentido positivo na gnoseologia de Reale. Além disso, o postulado de que a metafísica forma a vanguarda da ontologia, ou de que o pensamento conjetural prepara o terreno para um conhecimento mais rigoroso do experienciável, é expressamente defendido por Reale.
Conceituar rigorosamente o pensamento conjetural não é tarefa fácil. Principalmente quando, ao contrário dos retóricos, não se admite que todo conhecimento é conjetural, mas sim que há formas de conhecimento mais e menos definitivas. Reale se adverte disso e cuida de distinguir, entre os diversos sentidos da conjetura, qual aquele que lhe confere legitimidade gnoseológica.
Incialmente cabe separar a conjetura enquanto mero palpite da conjetura verossímil, esta, sim, adequada à metafísica. Ao criticar Popper por não fazer a distinção e dissolver ambos os sentidos sob uma acepção demasiado ampla, Reale afirma que a conjetura difere do palpite por “resultar criticamente de razões de plausibilidade ou verossimilhança” (Verdade e conjetura, 1983).
Como “conjeturar é, sempre, uma tentativa de pensar além daquilo que é conceitualmente verificável”, o pensamento conjetural não se confunde com a analogia, com a probabilidade, com a intuição ou com a fé, e nem com a linguagem metafórica dos mitos, por exemplo, ainda que estas formas de abordagem venham ganhando mais e mais espaço na teoria do conhecimento e Reale lhes reconheça legitimidade. Todas são instrumentos e formas de expressão do “pensar por idéias” (Kant). A conjetura é mais ampla do que a analogia e a probabilidade, mais desvinculada da experiência direta, pode lançar mão delas mas não está adstrita à similitude e à estatística que as condicionam. Por seu caráter pluralista e hipotético, a conjetura é também mais abrangente do que a intuição – a apreensão imediata e direta de um objeto singular. Ainda que se utilize da intuição, a conjetura não se confunde com ela.
Na gradação gnoseológica subsidiada por Reale, de outro lado, o problema central é estabelecer a linha divisória entre a investigação “positiva” e a conjetural. Se a conjetura possibilita “suposições plausíveis porque fundadas na experiência, e jamais em contradição com ela...”, se a experiência é o parâmetro, necessário investigar qual o critério para separar o que deixou de ser “conjetura” e passou a ser “experiência”. Conjetura é um modo de pensar que vai além da experiência, que transcende o evidente e o empiricamente comprovável, ainda que os resultados eventualmente alcançados pelo pensamento conjetural tenham de se conciliar com o experienciável. O problema é que conceitos como “evidente” “empírico” e “comprovável” são complexos e de difícil compreensão. Daí surgem questões tradicionalmente importantes como a de saber se e até que ponto as matemáticas podem ser incluídas nos conceitos de “empiricamente comprovável” e “experiência” ou em que medida uma descrição do ambiente como, por exemplo, a de Newton, poderia ser considerada “evidente”.
Reale percebe o paradoxo, mas afirma que o pensamento conjetural não deixa de atender às exigências do pensamento científico, embora não se confundam, pois “rigor científico” e “verdade” são conceitos que resistem à análise, correspondência semântica confusa. Uma base conjetural subjaz a todo conhecimento, diz Reale, afirmando ainda, na reflexão sobre Sócrates, “que a linguagem, o nosso Logos”, é “o lugar de nossa verdade” (Verdade e conjetura, 1983). Mas Reale defende algo mais do que uma “verdade” intradiscursiva. Não esconde a pretensão de ter a conjetura abrindo caminho para uma conhecimento mais “firme” do que ela própria, na direção de uma “certeza peculiar às ciências”. Mas é certo que sua contribuição vai bem mais longe do que a tradição essencialista da filosofia do direito tradicional, ainda que persista na convicção de que algo se esconde por trás da língua e da relação entre signos.
Nessa nova fase de seu pensamento, Reale traz de volta a dignidade gnoseológica de conceitos como os de verossimilhança, probabilidade ou metáfora, o que tem reflexos imediatos na filosofia do direito e nos já tradicionais questionamentos sobre a cientificidade do conhecimento jurídico: “De resto, muitas asserções que andam por aí como ‘verdades’ assentes, no campo da sociologia ou da economia, e até mesmo no das ciências tidas como ‘exatas’, não passam de conjeturas inevitáveis, que seria melhor recebê-las como tais, mesmo porque são elas que, feitas as contas, compõem o horizonte englobante da maioria de nossas convicções e atitudes” (Verdade e Conjetura, 1983).