Diretores de veículos privados da imprensa boliviana compareciam desde esta segunda-feira à Justiça, acusados de incitação ao racismo e à discriminação, por terem, supostamente, distorcido um discurso do presidente Evo Morales.
Os acusados, entre eles o nonagenário sacerdote hispano-boliviano José Gramunt de Moragas, diretor da agência católica de notícias Fides (ANF), foram intimados a comparecer diante da justiça pela procuradora Claudia Pastén com a advertência de que, "em caso de desobediência, será expedido um mandado de apreensão".
##RECOMENDA##A agência local ANF e os jornais Página Siete e El Diario, o mais antigo do país, compareceram às audiências, apesar de negarem a jurisdição do tribunal comum, e pedem a entrada em vigência da lei de imprensa, que data de 1925.
"Manifestei à procuradora que não reconheço sua competência, mas respondo suas perguntas porque respeito as autoridades judiciais do país", disse Raúl Peñaranda, diretor do Página Siete, que compareceu nesta segunda. O diretor da ANF compareceu depois, e o do El Diario se apresentará na terça.
"Não cometemos erro e muito menos um crime", ressaltou Peñaranda. Seu diário, fundado em 2010, recebeu na sexta-feira fortes críticas do vice-presidente Alvaro García, que afirmou que seus executivos estão ligados "à direita chilena".
O governo ameaçou processar os meios que divulgaram "de forma maliciosa" declarações do presidente Evo Morales, em agosto, nas quais teria afirmado que, enquanto no altiplano pode não haver alimentos por causa das geadas, da falta de chuva ou pela queda granizo, "no leste não, só os frouxos têm fome".
Os presidentes dos três veículos organizaram protestos contra o mandatário na região leste do país, onde atuam as lideranças de direita que se opõem ao governo.
As ásperas relações entre o Executivo e parte da imprensa começaram muito antes. No final de 2011, o presidente Morales lançou uma crítica mordaz à imprensa, considerada por ele "a melhor oposição" ao seu governo.
O auge desta relação tempestuosa foi em 2010, quando manifestações convocadas pelas associações de imprensa nas principais cidades do país obrigaram o governo a garantir que uma lei antirracismo, em debate na época, não ia prejudicar as liberdades de expressão e imprensa.
Desde que assumiu, Morales, um indígena de esquerda, mantém uma difícil relação com a imprensa, principalmente com alguns meios. Um jornalista o chamou de "cruzamento de lhama com lúcifer", enquanto radialistas de Santa Cruz consideraram "maldita" a raça aimara à qual pertence o mandatário.
Mas o próprio presidente também se referiu aos jornalistas de forma ofensiva, chamando-os de "frangos" e de "coro de vuvuzelas".
A Sociedade Interamericana de Imprensa pediu explicações ao governo boliviano por seus processos contra a imprensa, que classificou de "intimidantes".