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Quanto mais avança a colheita de trigo no Rio Grande do Sul maior é a certeza de que os problemas climáticos que marcaram esta safra causarão perdas significativas tanto em volume como em qualidade. A Federação da Agricultura do Estado (Farsul) estima que a produção não passe de 2,2 milhões de toneladas, 1 milhão de t a menos do que a previsão inicial. Enquanto o setor calcula os prejuízos, o mercado concentra esforços para tentar escoar o trigo gaúcho para o exterior, já que, no Brasil, a demanda pelo produto comprometido pelo alto teor de micotoxinas será restrita. Fontes consultadas pelo Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, apontam a Ásia e o norte da África como os principais destinos do grão.

De acordo com o relatório técnico publicado pela Emater-RS, a expectativa de que o tempo seco dos últimos dias poderia impactar positivamente a produtividade não se confirmou. Com 72% da área colhida, não há indícios de o rendimento será maior na área remanescente. "As lavouras colhidas recentemente têm apresentado rendimentos ainda menores do que as primeiras", diz a empresa. Na região de Santa Rosa, onde a colheita está quase encerrada, a diferença entre o potencial e o efetivamente retirado chega a 60%.

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Por enquanto, os agricultores gaúchos estão colhendo, em média, de 20 a 25 sacas de 60 quilos por hectare. Na safra recorde de 2013 (que resultou em 3,3 milhões de toneladas), a média era de 50 sacas por hectare. A esperança é que a produtividade das lavouras da região dos Campos de Cima da Serra amenize o prejuízo. "Talvez a melhora venha a acontecer na reta final da colheita nas plantações de maior altitude, onde o trigo foi cultivado mais tarde. Mas de uma maneira geral as perspectivas não são nada boas", disse ao Broadcast o assistente técnico da Emater-RS, Luiz Ataídes Jacobsen. Nesta semana, a entidade deve divulgar estimativa de produção, considerada uma prévia do que deve ser o resultado oficial da safra no Estado.

De acordo com cálculos da Farsul, se for confirmada a quebra de cerca de 40% da produção, o prejuízo deve ser de no mínimo R$ 850 milhões. A projeção é cautelosa, e a própria entidade reconhece que as perdas devem ser maiores.

A percepção pessimista não se baseia apenas na preocupação com a quantidade. Após uma safra excelente no ano passado, em 2014 o cultivo de trigo no Rio Grande do Sul foi comprometido pelo excesso de chuvas em setembro e outubro e pela falta de luminosidade, favorecendo a presença de fungos nas lavouras. Isso comprometeu a qualidade do trigo e deverá potencializar o prejuízo dos agricultores.

No processo de segregação feito pelas cooperativas, a quantidade de trigo de primeira linha, próprio para a panificação, é irrisória. A maior parte do cereal não atinge classificação para moagem e terá de ser destinada à ração, com valor comercial reduzido.

Para o presidente da Comissão de Trigo da Farsul, Hamilton Jardim, os dados obtidos até aqui indicam que um terço do trigo gaúcho está apropriado para panificação, enquanto dois terços são de qualidade inferior, o chamado "triguilho". Ataídes Jacobsen, da Emater, retrata um quadro ainda mais desolador. Para ele, o volume de trigo tipo 1 classe pão deverá corresponder a no máximo 10% desta safra gaúcha - enquanto em anos anteriores chegou a representar 60% ou 70% do total produzido.

Outro problema é que uma parcela do trigo colhido apresenta alto teor de micotoxinas, resultantes de fungos como a giberela, o que dificulta a venda mesmo para a indústria de ração. Relatório disponibilizado em 4 de novembro por um laboratório de Santa Maria, no interior do Estado, acusou a presença de microtoxinas acima do permitido pela legislação brasileira em 41% das amostras testadas.

Exportação

O volume expressivo de trigo com a micotoxina Deoxinivalenol (DON) faz com que traders busquem compradores no exterior, já que a possibilidade de escoar a safra gaúcha no mercado interno é bastante limitada. "No mercado local muitos compradores nem têm cotado o produto. E, se o fazem, o preço ofertado é extremamente baixo", diz Jacobsen.

O norte da África, que sempre foi consumidor do trigo gaúcho, tem sido o principal destino do grão este ano, junto com a Ásia - em muitos países desses continentes a legislação para a presença de micotoxinas é mais branda do que a brasileira. "Existe demanda para esse triguilho fora do Brasil e, por enquanto, não há dificuldade em vendê-lo. Teremos liquidez, só que não nos preços praticados no ano passado", avaliou Vitor Marasca Junior, diretor da comercializadora Marasca.

Nos últimos dias, a Marasca fechou embarques de trigo destinado à ração para a Coreia do Sul, Paquistão e Nigéria, entre outros países. O preço de venda ficou entre US$ 180 e US$ 200 FOB por tonelada, 50% abaixo do registrado no ano passado. Segundo Marasca, embora os asiáticos e africanos demonstrem interesse pelo produto, a perda de qualidade influencia negativamente no preço de exportação. Além disso, o cereal gaúcho também sofre pressão do produto do Paraná, de excelente qualidade e próprio para panificação. Enquanto o produto paranaense tem liquidez assegurada, o produto gaúcho não encontra interessados no mercado doméstico.

Conforme a Farsul e a Emater-RS, o trigo tipo 1 classe pão tem recebido ofertas entre R$ 25 e R$ 28 a saca de 60 quilos. Há um ano, a saca era vendida a R$ 40, em média. Em alguns casos, para se chegar ao preço mínimo, de R$ 33,45/saca, os negócios são fechados por meio do Prêmio Equalizador Pago ao Produtor (Pepro). Mas, devido a cotação do cereal em níveis bastante baixos, fechar operações desse tipo começa a ficar difícil. Já o trigo de categorias inferiores - tipo 2, 3 e 4 - está sendo ofertado por R$ 14 ou R$ 15 a saca de 60 quilos, sem perspectiva de melhora.

Socorro

Após se reunirem em Porto Alegre, representantes da cadeia tritícola anunciaram que pedirão ao governo federal a renegociação das parcelas de financiamentos de custeio - a primeira delas, de cerca de R$ 250 milhões, vence em janeiro. Caberá à Farsul enviar um documento ao Ministério da Agricultura pedindo a prorrogação do vencimento.

Com a confirmação de que os prejuízos deste ano são inevitáveis, as preocupações começam a se voltar para a próxima safra. Hoje é impossível não pensar que os planos de investimentos serão afetados pela frustração causada por quebra de safra, preços baixos, endividamento e incertezas com relação ao clima. "Estamos vivendo hoje exatamente uma situação oposta à que tínhamos nessa época no ano passado, quando o cenário era muito promissor", resumiu Jacobsen.

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