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Houve tempo em que ao se pensar sobre a participação das mulheres no frevo, ritmo genuinamente pernambucano, reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco, era preciso um pouco de esforço para se lembrar de nomes e personalidades que se destacaram nesse segmento. 

Talvez, os rostos das integrantes dos corais de blocos líricos e de cantoras mais famosas na mídia, como Elba Ramalho e Nena Queiroga, surgissem como alento na busca pela representatividade feminina na área. Esse esforço, no entanto, vem diminuindo consideravelmente ao longo da história 'frevística' que, cada vez mais, conta com a contribuição efetiva de mulheres, instrumentistas, maestrinas e passistas, para ser construída. 

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Até pouco tempo, era raro encontrar uma mulher nas orquestras de frevo, sobretudo nas itinerantes. Paradoxalmente, uma das músicas mais tocadas por esses grupos havia sido escrita por uma. Fato também de recente descoberta. O Frevo Nº 1 de Vassourinhas, considerado um dos hinos do Carnaval pernambucano, tem composição assinada por Joana Batista Ramos, mulher negra que divide a autoria da música, feita em 1909, com o violonista Matias da Rocha. 

Segundo documentos encontrados pelo pesquisador Evandro Rabello no 2º Cartório de Registro Especial de Títulos e Documentos, ela própria teria feito o registro da criação. "A marcha intitulada Vassourinhas pertencente ao Clube Carna Mixto Vassourinhas. Foi composta por mim e o maestro Matias da Rocha no dia 6 de janeiro de 1909, no Arrabalde de Beberibe em um Mocambo de frente à estação do Porto da Madeira, dito mocambo, hoje é uma casa moderna", diz o documento. Em 1910, a dupla cedeu  os direitos da música para o Clube por três mil réis, de acordo com recibo assinado por eles, localizado no acervo do clube carnavalesco.

Joana Batista Ramos em uma das poucas imagens que se conhece dela. Pintura constante no documentário Cem Anos de Vassourinhas. Foto: Reprodução.

O apagamento dessa história, e de tantas outras que certamente houveram nos mais de 100 anos de tradição do frevo, pode ser explicado como reflexo de uma sociedade patriarcal que relega às mulheres posições inferiores ou mesmo o silenciamento. No entanto, essas poucas referências femininas no segmento vêm aumentando ao passo que mais mulheres se dedicam a ele tomando posse de seu lugar de protagonistas. Uma delas é a maestrina Carmem Pontes, fundadora da Orquestra 100% Mulher.

Em 2003, Carmem começou a procurar instrumentistas para formar um grupo só de meninas. Não foi fácil, e ela chegou a bater os interiores do Estado em busca de mulheres que tocassem o ritmo. A insistência da maestrina deu tão certo que um ano depois sua orquestra feminina já estava integrando a programação oficial do Carnaval do Recife. "A ideia decolou e foi estimulando mais musicistas a tocarem os instrumentos e hoje a gente tem outras orquestras e grupos femininos, eu fico muito feliz de ter dado esse pontapé inicial", disse em entrevista exclusiva ao LeiaJá. 

Em mais de 15 anos de estrada, as dificuldades da 100% Mulher foram imensas. Provar seu talento no meio do frevo, segmento ainda majoritariamente masculino, foi uma luta à parte. Entre as batalhas, as musicistas precisaram desviar de cachês menores simplesmente em virtude de seu gênero; provar que sabiam de fato tocar e não faziam uso de playback; e enfrentar contratantes que as chamavam apenas pelo "visual" e não por seus atributos enquanto instrumentistas. 

A Maestrina Carmem é hoje uma das maiores referências femininas no Frevo em Pernambuco. Foto: Reprodução/Instagram

Tais lutas, com o passar do tempo e o aumento do empoderamento das mulheres em todas as áreas, estão ficando um pouco menos árduas. "Hoje é até mais fácil eu brigar e ter mais argumentos, antes a gente não tinha toda essa base mas quando aparecem pagantes que pensam que estamos fazendo aquilo ali por lazer e querem pagar a menos, é quando eu argumento e mostro nosso material, que a gente trabalha e estuda, que a gente vive da música e que aquilo não é só um hobby. Isso é primordial para que eles entendam". 

Nesse movimento de insistência, autoconhecimento e amor pelo frevo, a maestrina Carmem passou da falta de referências femininas no frevo a ser ela própria uma grande referência. Ela conta que quando se aproxima o Carnaval, instrumentistas de todo o país a procuram interessadas em ingressar no grupo. Atualmente, a 100% Mulher conta com 17 musicistas no formato de palco e cerca de 50 no formato itinerante. 

Segundo Carmem, o ritmo genuinamente pernambucano, que é festejado nacionalmente nesta segunda (14), é uma música de difícil de ser tocada e é preciso muito estudo e dedicação para executá-lo bem, mas a maestrina garante que o segredo para se tocar direito aquele frevo que leva a massa à loucura nas ladeiras de Olinda e ruas do Recife não está no gênero: "Só toca bem mesmo quem tem o frevo no sangue". 

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