Em seu segundo dia, o Cine PE - Festival do Audiovisual engrenou. Um público visivelmente maior do que o que compareceu nesta quinta (26) veio conferir, principalmente, o longa metragem Paraísos Artificiais, dirigido por Marcos Prado e estrelado por Nathalia Dill, Livia de Bueno e Luca Bianchi. A sexta (27), marcou a homenagem artística ao ator Ney latorraca, que recebeu o prêmio Calunga e foi ovacionado pela plateia.
Ney recebeu o prêmio do crítico de cinema Rubens Ewald Filho, amigo do ator há 50 anos, como fez questão de frisar. A presença de Ewald foi uma surpresa para o homenageado. O crítico afirmou que "Ney me ensinou a importância do humor", e o ator fez graça, dominando o público: "Estou muito carente e preciso de muitos aplausos", disse ao começar seu discurso, sendo imediatamente atendido. Ney lembrou de vários diretores com quem trabalhou e fez questão de citar Paulo César Saraceni, falecido recentemente. Confira o depoimento exclusivo que Ney Latorraca deu ao LeiaJá sobre a homenagem que recebe neste Cine PE:
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Os outros dois homenageados por esta edição do festival - Fernando Meirelles e Cacá Diegues - também marcaram presença no Teatro Guararapes nesta sexta. Meirelles, que já tinha participado com o longa Domésticas, em 2001, afirmou à reportagem do LeiaJá que "A estrela aqui não são os filmes, atores ou diretores, é o público. Nenhum outro lugar tem essa receptividade quente como Pernambuco". O diretor e produtor também falou da importância dos festivais e do seu filme Cidade de Deus, sucesso absoluto em 2002: "Depois de Cidade de Deus o público se acostumou a ver cinema brasileiro", ponderou.
A programação de filmes começou com a mostra competitiva de curtas, que exibiu o primeiro filme pernambucano da 16ª edição do Cine PE, o documentário Zuleno, dirigido por Felipe Peres Calheiros. Com uma fórmula simples, o documentário investe em muitos planos fechados e basicamente deixa seu personagem principal - o artista plástico Zuleno Pessoa, falecido em 2008 - falar à vontade. Obras do artista passam pela tela ilustrando seu legado, que talvez possa ser ilustrado por uma de suas frases no filme: "Eu pinto com a luz. Meu pintor predileto é o sol". O documentário, filmado pouco tempo antes da morte de Zuleno, tem momentos tocantes, em que o pintor se emociona, e foi muito aplaudido ao fim da exibição.
O segundo curta, Isso não é o fim, se passa em São Paulo e foca em um homem solitário que aluga um banheiro na Rua Augusta a R$ 1. O filme é um mergulho no mundo da noite paulistana e seus elementos naturais: sexo, drogas, prostituição, preconceito. É um filme forte, de poucos e curtos diálogos, que se não fez o público aplaudir e fazer muito barulho, foi o que criou mais burburinho na plateia quando acabou. Quadros, o último curta do dia, é um filme alegórico, quase psicológico, do encontro entre um artista plástico e uma mulher criada pela sua imaginação e própria obra. Cheio de simbolismos, parece ter agradado o público presente no Teatro guararapes.
Famoso por ser o festival de cinema com o maior e mais animado público do Brasil, o Cine PE tem espectadores fieis, comprovando a função de formação de público inerente aos festivais. As estudantes de publicidade Mariana Antonino e Caroline Dreyer vêm todos os anos apreciar os filmes exibidos na programação do festival. "Quero ver Di Melo - O Imorrível no telão do Cine PE", afirma Caroline, antecipando o documentário que será exibido no domingo (29). Já Mariana resgata da sua memória um filme de outra edição que marcou: Recife Frio, de Kléber Mendonça Filho.
Paraísos Artificiais
Muito aguardado, o longa Paraísos Artificiais tem uma relação íntima com Pernambuco. Um momento central na sua trama, um festival de música eletrônica, foi filmado na Praia do paiva, litoral sul do Estado, com mil e quinhentos figurantes, entre eles alguns artistas locais. Paraísos se passa em três tempos: o presente, o encontro ocorrido entre o casal protagonista em Amsterdã quatro anos antes e a citada festa rave, dois anos antes deste encontro.
Ao contrário do que pode sugerir pela presença da música eletrônica, raves e boates, o ritmo do filme é lento. Envolto em um banho de hedonismo, a trama central é na verdade uma história de amor, com as dificuldades que as histórias de amor precisam ter para virarem filme. "A festa é só um subtexto para a história principal", explica o diretor Marcos Prado, complementando que o filme trata "Das escolhas que fazemos e determinam nossos caminhos".
Paraísos Artificiais é um filme de contrastes. A realidade frenética de festas aditivadas por drogas sintéticas é contraposta pela relação de Érika e Nando, que é lenta, suave. Talvez haja um exagero no uso da sensualidade e de cenas de sexo, que a atriz Lívia de Bueno afirma "Não serem tão difíceis de fazer. É muito mais difícil assistir depois". Intenso, o longa exigiu uma preparação cuidadosa do elenco, feita por Fátima Toledo e elogiada por Lívia e por Luca Bianchi, que interpreta Nando. "Eu tive três preparações para as três diferentes fases do personagem no filme", conta o ator, que foi só elogios aos figurantes que filmaram a festa rave na praia do Paiva: "O pessoal do Recife é maravilhosos. Realmente parecia que a gente estava num festival de música eletrônica".
Uma cena marcante de Paraísos é a morte de Lara, interpretada por Lívia. "Eu sofri muito para fazer essa cena e fiquei aliviada quando terminei", relembra a atriz, que comemora: "Essa personagem foi um presente". Se não é exatamente uma crítica ao mundo "aditivado" de raves e boates, o filme serve pelo menos como um contraponto à felicidade artificial e sintética que impera em parte do circuito da música eletrônica, chamando para uma realidade permeada por perdas, erros e, porque não, tristeza.