As políticas públicas e os problemas inerentes à sua implementação têm se constituído, nos últimos anos, em um tema recorrente no Brasil, porém não têm merecido a necessária atenção de modo a tornar-se um tema da agenda política nacional. O que acontece no Brasil, segundo o Prof. Carlos Aurélio Pimenta Faria1, é que existe uma babel de abordagens, teorizações incipientes e vertentes analíticas, que buscam dar inteligibilidade à diversificação dos processos de formação e gestão das políticas públicas em um mundo cada vez marcado pela interdependência assimétrica. Esse caráter incipiente é comprovado, por exemplo, pelo fato de qualquer exame da produção brasileira recente evidenciar a quase inexistência de análises mais sistemáticas acerca dos processos de implementação de políticas públicas, além da escassez dos estudos de “pós-decisão” da institucionalização destas políticas.
O histórico das iniciativas de modernização neste campo demonstra um elevado grau de fragmentação e descontinuidade de ações com o consequente desperdício de recursos e resultados insuficientes. As políticas públicas tornaram-se uma categoria de interesse sócio-jurídico há aproximadamente vinte anos, havendo pouco acúmulo teórico a respeito, o que desaconselha a busca de conclusões acabadas, conforme será analisado oportunamente.
Na verdade, conforme leciona a Professora Maria das Graças Ruas2, em face da variedade de teorias e conceitos sobre Políticas Públicas, enfocando, inicialmente, a diferenciação social das sociedades modernas, no que tange às ideias, valores, interesses e aspirações diferentes, existe a possibilidade de haver conflitos sociais. Desta feita, esse possível conflito, decorrente dessa diferenciação social, deveria ser mantido dentro de limites admissíveis. Para a resolução desses conflitos, por meio da coerção, utiliza-se a política. A política, no entendimento da citada professora3, seria um conjunto de procedimentos formais e informais que expressam relações de poder e que se destinam à resolução pacífica de conflitos quanto a bens públicos. Já a política pública compreenderia o conjunto de decisões e ações relativas à alocação imperativa de valores.
Dentro dessa perspectiva, pode-se inferir que a política pública envolveria mais do que uma decisão e requereria diversas ações estrategicamente selecionadas para implementar decisões tomadas. Conclui-se, nesse sentido, que as políticas públicas representam os instrumentos de ação dos governos, numa clara substituição dos “governos por leis” (government by law) pelos “governos por políticas” (government by policies). O fundamento mediato e fonte de justificação das políticas públicas é o Estado social, marcado pela obrigação de implemento dos direitos fundamentais positivos, aqueles que exigem uma prestação positiva do Poder Público4.
Em suma, políticas públicas são as decisões de governo que influenciam a vida de um conjunto de cidadãos. São os atos que o governo faz ou deixa de fazer e os efeitos que tais ações ou inações provocam na sociedade. O processo de políticas públicas numa sociedade democrática é extremamente dinâmico e conta com a participação de diversos atores em vários níveis. O desejável é que todos os afetados e envolvidos em política pública participem o máximo possível de todas as fases desse processo: identificação do problema, formação da agenda, formulação de políticas alternativas, seleção de uma dessas alternativas, legitimação da política escolhida, implementação dessa política e avaliação de seus resultados. Políticas públicas são aqui entendidas como o “Estado em ação”, ou seja, é o Estado implantando um projeto de governo, por intermédio de programas, de ações voltadas para setores específicos da sociedade.
Há uma questão que deve ser analisada previamente à definição de política pública: a política não é uma norma e nem um ato jurídico, no entanto, as normas e atos jurídicos são componentes da mesma, uma vez que esta pode ser entendida como “um conjunto organizado de normas e atos tendentes à realização de um objetivo determinando”5. As normas, decisões e atos que integram a política pública têm na finalidade da política seus parâmetros de unidade. Isoladamente, as decisões ou normas que a compõem são de natureza heterogênea e submetem-se a um regime jurídico próprio.
No entendimento de Fábio Konder Comparato, “as políticas públicas são programas de ação governamental”6. O autor segue a posição doutrinária de Ronald Dworkin, para quem a política (policy), contraposta à noção de princípio, designa aquela espécie de padrão de conduta (standard) que assinala uma meta a alcançar, no mais das vezes uma melhoria das condições econômicas, políticas ou sociais da comunidade, ainda que certas metas sejam negativas, por implicarem na proteção de determinada característica da comunidade contra uma mudança hostil. Nas palavras de Dworkin:
Os argumentos de princípio se propõem a estabelecer um direito individual; os argumentos políticos se propõem a estabelecer um objetivo coletivo. Os princípios são proposições que descrevem direitos; as políticas são proposições que descrevem objetivos.7
Segundo defende Maria Paula Dallari Bucci, há certa proximidade entre as noções de política pública e de plano, embora aquela possa consistir num programa de ação governamental veiculado por instrumento jurídico diverso do plano. Complementa Maria Paula Dallari Bucci:
A política é mais ampla que o plano e define-se como o processo de escolha dos meios para a realização dos objetivos do governo, com a participação dos agentes públicos e privados. […] A política pública transcende os instrumentos normativos do plano ou do programa. Há, no entanto, um paralelo evidente entre o processo de formulação da política e a atividade de planejamento.8
Desta forma, a referida autora define políticas públicas como sendo programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. As políticas públicas podem ser entendidas como o conjunto de planos e programas de ação governamental voltados à intervenção no domínio social, por meio dos quais são traçadas as diretrizes e metas a serem fomentadas pelo Estado, sobretudo na implementação dos objetivos e direitos fundamentais dispostos na Constituição.
Há que se fazer a distinção entre política pública e política de governo, vez que enquanto esta guarda profunda relação com um mandato eletivo, aquela, no mais das vezes, pode atravessar vários mandatos. Deve-se reconhecer, por outro lado, que o cenário político brasileiro demonstra ser comum a confusão entre estas duas categorias. A cada eleição, principalmente quando ocorre alternância de partidos, grande parte das políticas públicas fomentadas pela gestão que deixa o poder é abandonada pela gestão que o assume.
Inegável, por certo, que o estudo das políticas públicas no Brasil foi marcado profundamente pela evolução sociológica do Direito como um todo, acompanhando a consolidação do chamado Estado democrático de direito, o Estado constitucional pautado pela defesa dos direitos de liberdade e pela implementação dos direitos sociais. No Estado constitucional, pautado pelas teses do novo constitucionalismo, a função fundamental da Administração Pública é a concretização dos direitos fundamentais positivos, por meio de políticas públicas gestadas no seio do Poder Legislativo ou pela própria Administração9, políticas estas formuladas por intermédio de intelecção sociológico-política.
Referências Bibliográficas
1. FARIA, Carlos Aurélio Pimenta. Um Inventário Sucinto das Principais Vertentes Analíticas Recentes. In Revista Brasileira de Ciências Sociais (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), Vol. 18, Número 51, fevereiro de 2003, p. 21-31.
2. RUAS, Maria das Graças. Análise de Políticas Públicas: Conceitos Básicos. In: Maria das Graças Ruas; Maria Izabel Valladão de Carvalho. (Org.). O estudo da política. Brasília: Paralelo 15, 1998, v. , p. 231-260.
3. RUAS, Maria das Graças. Op. Cit., p. 231.
4. BUCCI, Maria Paula Dallari. As políticas públicas e o Direito Administrativo. Revista Trimestral de Direito Público, n. 13, São Paulo: Malheiros, 1996, p. 135.
5. COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista dos Tribunais, ano 86, n. 737, março, São Paulo, 1997, p. 18.
6. COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista dos Tribunais, ano 86, n. 737, março, São Paulo, 1997, p. 18.
7. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução e notas Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 134.
8. BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 259.
9. Segundo constata Maria Paula Dallari Bucci, a exteriorização das políticas públicas se afasta de um padrão uniforme e claramente apreensível pelo ordenamento jurídico. Por vezes, podem ser instituídas por leis, como a Política Nacional de Recursos Hídricos – Lei n.º 9.433, de 1997; outras vezes, são consubstanciadas em emendas constitucionais, como no caso do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF, criado pela Emenda Constitucional n. 14/96; em outros casos, podem ainda decorrer de atos administrativos isolados ou ordenados em programas, como as políticas de transporte municipal. (BUCCI, Maria Paula Dallari. Op. Cit., 2002, p. 257).