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Crônicas Recifenses IV – Não gosto de Maracatu, visse?

Cristiano Ramos, | seg, 02/04/2012 - 19:52
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Respeito é bom! E tenho realmente muito, por todas as culturas. Gostar, porém, é outra coisa. Como disse bêbado na Rua do Hospício, “Gostar sobe frio que a gente sente pelo avesso, que bole com tudo”. Por isso, sob risco de morte, tenho que admitir: não gosto de maracatu.

Menino de interior, que teve parte da infância em engenho, sem energia elétrica, de fogo-morto mas gente bem viva, assisti a vários lanceiros atravessando a cancela, subindo ladeira, apresentando-se debaixo de sol de rachar. Só de carregarem aquela roupa toda e enfrentarem o calor, já assaltaram minha verde admiração.

Depois, morador novo do Recife, em tempos de Chico Science, ficou impossível ignorar os maracatus, os amigos não paravam de comentar, ainda que soubessem quase nada sobre. Sem falar que Arraes chegaria ao Governo do Estado pela terceira vez, ou seja, era Ariano Suassuna com mais força ainda para tudo “armorializar”, principalmente o maracatu. Resumindo: virou moda entre jovens e política cultural entre adultos.

Na faculdade, fiquei chegado em muita gente de maracatu, que tocava, estudava, acompanhava. Quando assumi programa de TV, então, pautei o assunto trocentas vezes, levei de guardiões a pesquisadores, de cineastas a produtores que ganhavam dinheiro em cima da manifestação cultural. Era nada mais do que minha obrigação.

Até namorada de Maracatu eu tive. E que sempre buscava entender porque eu não era apaixonado pelo ritmo: “Gosta nem de baque solto nem de baque virado”?

– Ô, minha linda, não é questão de baque, mas de queda mesmo. Não tenho mínima quedinha pelo Maracatu.

Era exagero meu, óbvio. Porque curiosidade sobre o maracatu veio e partiu diversas vezes, até por causa de tópicos correlatos sobre os quais escrevi ou apenas estudei. Não deixaram de ser quedinhas, simpatias, mimos. Nada, contudo, parecido com aquele frio bulindo pelo avesso.

– Isso com certeza é preconceito, não gosta de coisa de pobre – acusou amigo dessa minha ex-namorada (bem rico, diga-se). Ao que respondi com toda franqueza e nenhuma paciência.

– Hum rum. Deve ser por isso também que não gosto de balé. Se não sei a diferença entre um sissone e uma tesoura no frevo, explicação é porque não gosto de pobre, né?

Dia desses, um paspalho foi à minha rede social dizer que sou preconceituoso, porque não gosto de cordelistas – grupo no qual ele se inclui, claro. Sem me conhecer em nada, ele acertou... E errou feio: nunca fui fascinado por literatura de cordel, mesmo pelo bom trigo que existe no gênero, perdido entre incontável joio (porque, como se sabe, existem mais pernambucanos cordelistas do que pagadores de IPTU); isso não impediu, no entanto, que eu realizasse semana especial em homenagem ao cordel, na TV Universitária, além de prestar uma assessoria de imprensa gratuita durante evento dedicado ao tema. Portanto, tenho nada contra, mas também não preciso morrer de amor.

Policiamento ideológico geralmente não consegue dar dois passos se não puder acusar você de pelo menos um dos três clichês: elitismo, ignorância e oportunismo. Como nunca fui conhecido por atitudes políticas conservadoras, nem por burrice ou por me vender em troca de cargos, lembro de um ritmista de maracatu que bolou outra coisa: “Deve ser trauma de infância”! Aí, colega de trabalho que dividia a mesa conosco, e que pensou ser com ele, esbravejou:

– Gosto de Maracatu não, visse? Apesar de, na minha meninice, a senhora sua mãe ter pego minha lança e enfiado na...

Corri dali, sem pestanejar meia vez. Até porque duas outras discussões de bar (tão imbecis quanto) tinham gasto minha cota do semestre. Fui andando pela Rua da Aurora, lembrando os versos de Bandeira: “Em brigas não tomo parte, / A morros não subo não: / Que se nunca tive enfarte, / Só tenho meio pulmão”.

De dois pulmões bons, mas com coração de segunda, tenho convivido menos nessas rodas de institucionalização dos gostos. Senão minha arriscosa sinceridade arranjará faca no bucho ou tiro nas bandas. Melhor ficar em casa, escrever colunas e ser xingado à distância. Como repetia meu querido Titico-Peito-de-Aço, “Coragem pode ser muita, só não pode ser maior que as pernas”.

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