Gustavo Krause

Gustavo Krause

Livre Pensar

Perfil: Professor Titular da Cadeira de Legislação Tributaria, é ex-ministro de Estado do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, no Governo Fernando Henrique, e da fazenda no Governo Itamar Franco, além de já ter ocupado diversos cargos públicos em Pernambuco, onde já foi prefeito da Capital e Governador do Estado.

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Leia sem Moderação

Gustavo Krause, | qua, 04/09/2013 - 14:07
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O título original era outro: “Escrever e beber sem moderação”. Porém, o sopro de juízo que me resta murmurou nos meus ouvidos: “Cara, teus inimigos gratuitos vão adorar e vai ser um prato, melhor dizendo, um copo cheio para o punhado de teus inimigos com RG e CPF”.

Tudo bem. Concordei com este doce anjinho da guarda. Nem por isto desisti de escrever sobre o livro de autoria Mark Bailey, ilustrado pelo neto caçula de Hemingway, Edward Hemingway, editado pela Zahar, que é um primor estético-literário e narra, com beleza e concisão, a tragédia que marca tão de perto pessoas especialíssimas.

Com pouco mais de 100 páginas, o GUIA DE DRINQUES dos grandes escritores americanos embriaga o leitor com saborosas receitas de coquetéis e frases alforriadas das censuras, mas deixa o mal-estar da ressaca que resulta do binômio escritor-alcoolismo.

O time de escritores e escritoras é da pesada. Ao todo 43, oito mulheres, trinta e cinco homens; cinco ganhadores do Nobel, quinze do prêmio Pulitzer, vários agraciados com  National Book AWards, todos imortalizados pela merecida glória. 

Começo pelo mais incorreto politicamente (uma preferência pessoal) H.L. Mencken, autor de O Livro dos Insultos, cervejeiro voraz e, por gostar de todas as bebidas, se declarava um onibíbulo (v. Aurélio, bíbulo: aquele que bebe): “Bebo exatamente o quanto quero e um drinque a mais”.

A minha segunda escolha recai, talvez, sobre o mais sofrido (bastante traduzido no Brasil) Charles Bukowski, alemão de nascimento. Atormentado pelo pai e por deformidades no rosto por uma enfermidade de etiologia desconhecida, entregou-se ao álcool e aos livros que produzia desde os quinze anos a partir do profundo mergulho na vida mundana. Aos 73 anos, a leucemia cumpriu o papel que estava reservado à cirrose. Dos porres homéricos, deixou a lição: “Beber é uma forma de suicídio em que a gente pode voltar à vida e começar no dia seguinte”.

Curioso: a atração entre os escritores americanos e a bebida foi alvo da observação de alguns ilustres visitantes do país, entre eles Alexis de Tocqueville e objeto da obra escrita por Ticknor&Fields, 1989, cuja tradução livre  é A musa sedenta: álcool e o escritor americano. E a companhia dela foi a sina de cinco ganhadores do Nobel.

O intenso Hemingway, um farrapo humano, suicidou-se aos 61 anos, deu status ao mojito e nos deixou a mensagem: “Um homem não existe até que fique bêbado”; na companhia inseparável do uísque enquanto escrevia, Faulkner foi longe: “A civilização começou com a destilação”; o primeiro americano a ganhar o Nobel de literatura, Sinclair Lewis, tinha uma grande frustração: “De que adianta ganhar o prêmio Nobel se isso não nos permite nem entrar nos bares clandestinos?”; o breakfast de Eugene O´Neil era uísque puro; para John Steinbeck, movido a vinho “Só a luxúria e a gula valem alguma coisa”. 

Para não dizer que não falei de flores aqui vai o que disse, completamente bêbada, Edna Millay, a primeira mulher a ganhar o prêmio Pulitzer: “Minha vela queima dos dois lados”; e a grande escritora e pinguça confessa, Dorothy Parker, não deixou por menos: “Gosto de um Martini/dois, no máximo/com três estou debaixo da mesa/com quatro embaixo do anfitrião”

Para os extravagantes Truman Capote “Esta profissão é uma longa caminhada entre um drinque e outro” e Jonh O´Hara “Comecei numa quinta-feira. Sábado já estava sóbrio de tanto beber”.

Por sua vez o misterioso Edgar Allan Poe, fissurado em absinto, terminou tão misteriosamente quanto suas obras. Já Sherwood Anderson morreu por conta de uma infecção causada por um palito que engoliu a bordo de um transatlântico com destino ao Brasil. E para encerrar o doloroso, porém, excêntrico necrológio, cabe lembrar a morte de Tenessee Williams engasgado com a tampa de um frasco de remédio que tentou abrir com os dentes. 

Por fim, certo crítico considera o livro tão divertido quanto leviano porque dá uma conotação folclórica ao alcoolismo que deve ser tratado como uma doença, por vezes, fatal. Neste sentido, os autores advertem: “Lembre-se de que alguns coquetéis não fazem de você um bêbado, e de que nenhuma quantidade de bebida pode fazer de você um escritor”.

E como estamos falando sobre a grandeza e a miséria da natureza humana, não custa lembrar Abraham Lincoln: “Aprendi com a experiência que as pessoas que não têm vícios têm muito poucas virtudes”.

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