Gustavo Krause

Gustavo Krause

Livre Pensar

Perfil: Professor Titular da Cadeira de Legislação Tributaria, é ex-ministro de Estado do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, no Governo Fernando Henrique, e da fazenda no Governo Itamar Franco, além de já ter ocupado diversos cargos públicos em Pernambuco, onde já foi prefeito da Capital e Governador do Estado.

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Minha Terra Tem Palmeiras?

Gustavo Krause, | sex, 11/10/2013 - 10:33
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O nome Brasil tem origem, segundo o protesto indignado de Frei Vicente do Salvador, na madeira (Pau-Brasil) de “cor abrasada e vermelha que tinge o pano”.

 

A natureza rebatizou a “Terra de Santa Cruz”. Sua descoberta fora uma empreitada estatal, militar e religiosa que, na época, eram os ventos poderosos que enfunavam as velas das esquadras portuguesas na aventura dos grandes descobrimentos.

 

Seria a mudança de nome uma vitória da ideologia da natureza exuberante sobre a ideologia religiosa da Ordem de Cristo?

 

Desconfio que não. A madeira refletia a identidade mercantilista do projeto. O Pau-Brasil tinha valor comercial e mercado.

 

De fato, dois olhares coexistiam no ato fundador do Brasil: o olhar renascentista que proclamava a visão edênica do paraíso perdido; o olhar mercantilista que movia o projeto colonial de exploração econômica.

 

Infelizmente, a evolução histórica certificou: o encantamento fora retórico; a ação, predadora.

 

De lá para cá, o “progresso” foi movido a “ferro e fogo” (título do livro de Warren Dean sobre a devastação da Mata Atlântica). O desbravamento de matas e florestas era a palavra de ordem dos senhores do mundo novo que se descortinava como grande provedor das cortes dissolutas e perdulárias do velho mundo.

 

Por um dever de justiça, cabe o registro de lúcidas vozes sobre os efeitos danosos da agressão ao patrimônio florestal brasileiro. Entre elas, é importante destacar o pensamento de José Bonifácio, André Rebouças, Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha, Alberto Torres e o mais recente, assumidamente ecologista avant la lettre, Gilberto Freyre, na fascinante obra sociopoética, Nordeste (1937).

 

Com efeito, estes visionários não tiveram o gosto de ver as questões antecipadas por suas mentes prodigiosas serem assumidas pela humanidade como uma questão central, estratégica para a sobrevivência da vida na Terra, ratificada pela ampliação da consciência universal dos ecocidadãos e incorporada aos marcos legais e institucionais das gestões públicas e privadas.

 

De outra parte, não tiveram o desgosto de testemunhar a devastação que vêm sofrendo os nossos ecossistemas, em especial, a cobertura vegetal que metaboliza a energia solar e torna viável a vida no Planeta Terra. No atacado e no varejo.

 

No atacado, basta olhar o que resta de Mata Atlântica, Floresta Amazônica, Cerrado e Caatinga; no varejo, basta ler a manchete da edição do JC, 02 de fevereiro do corrente ano: “Palmeiras-imperiais são cortadas no Derby”.

 

Cortadas, não! Foram assassinadas! Um assassinato anunciado e que atingiu seres plantados pelas mãos virtuosas do paisagista Burle Max em 1935. Depois de assassinadas, esquartejadas para servir de lenho seco para brincadeiras juninas ou de carvão para animados churrascos. Outras vão morrer asfixiadas pelo pulmão, intestino, estômago, coração, o corpo de uma cidade de cimento, aço, sujeira, violência e desprezo pelo verde, pela história, pela qualidade de vida e sem dar ouvidos aos cientistas que reafirmam a condenação das palmeiras sobreviventes. Mais grave: as autoridades municipais mentem quando alegam que a causa do óbito fora um fungo. Ainda assim, é obrigação municipal tratar preventiva e curativamente a vegetação urbana.

 

Tudo por conta do Corredor Leste-Oeste, obra urbana estúpida que faz-de-conta que serve aos usuários dos ônibus e faz-de-conta que alivia a cidade mergulhada no caos da imobilidade e da imundície.

 

É por essas e outras que, farsantes, Brasil afora, tentam juntar no mesmo saco o que é calamidade natural com calamidade política, matando famílias inteiras e soterrando os sonhos das pessoas. Uma é obra do funcionamento ou cobrança da natureza do que lhe foi tomado; a outra é descaso, irresponsabilidade pública, no caso do Recife, brutalidade prosaica, ao trucidar as palmeiras-imperiais, que, generosas, tudo dão e pedem o mínimo para viver e servir. Mangueiras, jaqueiras, oitizeiros, sapotizeiros, palmeiras, são saudades da refrescante sombra que, outrora, acariciava o cidadão recifense.

 

No Recife, o refrão tem sido assim: são contribuintes otários pagando a crueis sicários para fazer da vida urbana um funesto obituário.

 

E no Brasil contemporâneo, faltaria inspiração ao grande Gonçalves Dias para compor “A canção do exílio” com palmeiras, bosques e sabiás.  Afinal, sem as palmeiras, o exílio é aqui.   

 

* Este artigo foi publicado no JC. 09/02/11. Torna-se atual. Voltam a massacrar as palmeiras e o verde do Recife. Trata-se de um ecocídio em nome da mentira que é o progresso a qualquer preço. 

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