É o novíssimo ramo da ciência social. Criação nacional. Tem por objetivo estudar as manifestações das ruas ocorridas em junho do corrente ano. Opinou, está diplomado.
Aliás, o mês de junho sempre se consagrou pelas explosões de traque de massa, peido-de-velha, rojões e ruas repletas de pessoas desfrutando os folguedos da época.
De fato, a tríade – Antonio, João e Pedro – santificada pela Igreja Católica sempre foi celebrada com beleza e alegria, graças à tradição que selou a convergência entre o sagrado e o profano, aquecida pelas fogueiras, animada pela emoção do coco, baião, xaxado, alimentada pelo néctar e ambrosia dos humanos (milho, coco, açúcar, canela, bolos variados) tudo culminando com o enlace dos corpos nos arrasta-pés e modernosas quadrilhas.
Até aí tudo bem. O ciclo junino sempre foi um momento festivo agregador. Guloso. Ingênuo. Divertido. Levantando poeira nos salões e saudando os céus com fogos coloridos.
Este ano havia um tempero a mais para mexer com alma do povo no país do futebol (?): a Copa das Confederações, um grande aperitivo para a Copa de 2014, Copa saudada por lágrimas ufanistas do então Presidente Lula com a novidade de que a pátria de chuteiras e as seleções estrangeiras pisariam no solo aveludado de Arenas Multiuso ainda que caríssimas e inacabadas.
E não há como negar: houve a explosão popular. Fora dos estádios. O povo brasileiro foi às ruas por sua conta e risco. Sem lideranças legítimas ou fajutas. Sem palavras de ordem, mas dando ordens por meio de palavras claras e diretas: vocês que estão alojados no poder não me representam; queremos um Brasil melhor e que funcione. Mudem!
Neste meio tempo, fui convidado para um “jantar inteligente”. Jantar inteligente é uma criação inteligentíssima, irônica, mordaz, do filósofo, escritor, professor, articulista da Folha/SP, o pernambucano Luiz Felipe Pondé. E como o espaço é pequeno para descrever fielmente o jantar inteligente, aqui vão alguns elementos básicos: o jantar congrega gente “chique” de variadas profissões que fingem não gostar de dinheiro; consideram o resto do mundo “ridículo” o que ajuda a ser mais inteligente; proclamam-se democratas, mas não morrem de amores pelo cheiro do povo.
De um modo geral, os assuntos são variados, atuais e sempre abordados com o cuidado de não ferir, implícita ou explicitamente, a ditadura do politicamente correto. Um menu peruano ou vietnamita é de bom tom.
Neste jantar, a conversa foi monotemática: as manifestações de ruas e os respectivos veredictos sobre causas, consequências, cenários, especulações sobre 2014 e leituras professorais sobre os aspectos sociológicos, antropológicos, psicanalíticos e por aí foi.
Com efeito, as questões jorravam na velocidade dos espumantes: primavera árabe ou outono brasileiro? Baderna ou a não violência ativa, inspirada em Gandhi? Estavam ali por “míseros” vinte centavos ou pelos bilhões embolsados pela corrupção? Dilma aguenta o tranco ou volta Lula em 2014? Chegou ao fim do “ciclo dos postes” eleitos pela força política dos padrinhos? O curto-circuito dos fios desencapados eletrocutou a democracia representativa? A internet abre o caminho para a ciberdemocracia ou será uma ferramenta para o Big Brother global faltar com o respeito à soberania das nações e invadir a privacidade dos cidadãos? É possível organizar a desconfiança com uma espécie de democracia de controle exercida com a participação da “política dos governados”?
Entrei mudo e saí calado. Rouco de tanto ouvir. Não sabia bem o que dizer. Mas fui forçado a acreditar que a manifestologia é uma nova ciência e que existem mais aviões da FAB entre o céu e a terra brasileira do que possam supor os jantares inteligentes.