Músicos lotam ruas de New Orleans

| sex, 02/05/2014 - 12:54
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Louis Armstrong está cansado. Ele canta What a Wonderful World pela quarta ou quinta vez até as 17h30 de uma tarde nublada na Jackson Square, olhando para o público sem esperar muito dele. Armstrong usa todas as armas que pode. Arregala os olhos até o limite, sorri com os lábios mesmo contra a vontade do espírito e busca forças para terminar uma canção na qual parece não mais acreditar. Por fim, examina o balde de plástico das gorjetas no qual deposita o futuro todos os dias e deixa o corpo enorme desabar sobre o banco da praça. Louis Armstrong desaparece da vida de Dwayne Burres em cinco segundos. Os US$ 2,25 contados em algumas moedas mostram que o mundo não tem sido tão maravilhoso assim para este cantor de rua de New Orleans.

A Jackson Square é o microcosmo de um dos centros mais musicais do universo. Quase nove anos depois de naufragar na destruição provocada pelo furacão Katrina, New Orleans, reconstruída, defende-se dos traumas pulsando com o energia de um ciclone. Desde o último final de semana, e até o próximo domingo, 4, sedia em seu hipódromo o anual New Orleans Jazz & Heritage Festival, uma das maiores concentrações de músicos de jazz, blues, country e gospel dos EUA, com 700 shows realizados em 12 palcos ao mesmo tempo. Este ano, provavelmente contaminado pela Copa do Mundo, o evento criou uma tenda para o Brasil e reforçou as atrações nacionais em seus palcos, nomes em geral sem visibilidade no próprio País que conseguem, ironicamente, serem revelados em larga escala aqui, como o pernambucano João do Pife e o mineiro das congadas Tizumba.

As ruas de New Orleans vivem uma espécie de época da colheita. Os 370 mil habitantes parecem dobrar em dias de festival, os clubes de bairros como o French Quarter ampliam suas programações com até cinco shows por noite e garotos talentosos brotam de trompete nos lábios como meninos gênios surgem de bola nos pés no Brasil. A sensação é de se andar pela Terra Prometida na qual só os muito fortes sobrevivem.

A superpopulação de músicos cobra seu preço. Antes da volta do festival, durante um recesso de três dias, os cantos privilegiados da Jackson Square eram disputados por grupos formados por garotos da geração que terá o jazz nas mãos nas próximas décadas. Um exército observado por Dwayne Burres, o Satchmo agoniado, com certa preocupação. "São ótimos músicos esses garotos, mas não há trabalho para eles aqui. Não há clubes para tanto talento", diz, ainda abraçado ao balde de plástico. "Tenho um sonho", vira-se, com os olhos um pouco mais vivos. "Ainda vou dar uma volta ao mundo cantando minha música. E vou ao Brasil."

Um grupo de colegiais chega em busca de espaço para tocar. O líder parece ser Torrence Edwards, 17 anos, que leva um bumbo preso ao peito. Ele e os amigos observam um sexteto de garotos mais velhos e excepcionalmente talentosos que já ocupa o ponto estratégico da praça. Sabem que não terão chance ali, mas resolvem ficar por um tempo. Ouvem os solos marcando o ritmo com os pés e fazendo comentários antes de se retirarem em busca de outra área. Edwards não joga a toalha. "É difícil, mas amamos isso. E é quando amamos o que fazemos que ganhamos bem, não?" Uma hora depois, a reportagem avista o grupo tocando em uma área quase deserta, às margens do Rio Mississippi.

Laurence Muller não toca nada, mas vê tudo. Fica escorado uma tarde inteira no poste em frente à igreja da Jackson, olhando para o rodízio de músicos. "São ótimos, mas às vezes soam iguais. O jazz precisa de personalidade." Sua casa e sua alma foram reconstruídas depois de quase serem levadas pelo Katrina. Quando ouve o repórter dizer que ele vive onde todos os músicos do mundo gostariam de viver, apenas diz: "Eles estão certos". Mais adiante, o percussionista Adolph Sorina, 19 anos, divide o ganho da tarde com os amigos. Ele é um dos músicos que já estavam na Jackson Square quando os estudantes amigos de Torrence chegaram. A praça, para ele, não é o ideal para um jovem com sérias intenções de ser Wynton Marsalis. "Podemos ganhar até mais aqui do que nos clubes, mas nunca sabemos quando isso vai acontecer."

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