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"Não é cover, é Beatles", disse o produtor dos ingleses, George Martin, ao conhecer o Abbey Road". (Abbey Road/Divulgação)

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Basta que o amplificador vox conectado à velha Gretsch sussurre um saudoso dedilhado para que a magia esteja feita. É a derretida entrada de George Harrison na clássica “From Me to You”, lançada pelos Beatles em 1964, no disco Twist and “Shoult”, viajando para o ano 2018 pelas mãos do guitarrista Maury D’Ambrosio. Com mais de vinte anos de carreira, o paulistano tem mais tempo como George Harrison nos Beatles do que o próprio George, tendo excursionado por todo o Brasil e outros países com a “Abbey Road”, um dos principais grupos covers dos “Fab Four” do mundo. Tal condição só foi atingida graças a uma rigorosa disciplina cênica, musical e de produção, já que o grupo conseguiu reunir boa parte dos instrumentos utilizados pelo conjunto original. 

Foi através dos instrumentos, aliás, que Maury foi “contaminado pelo besouro da beatlemania”, conforme costuma dizer. “Demorei 15 anos para montar a maior parte do set, porque teve coisa que nem faz muito tempo que adquiri. Os Beatles eram ingleses, mas a maioria de seus ídolos era dos Estados Unidos, por isso eles gostavam dos instrumentos de lá”, comenta. Rickenbacker, Gretsch, Epiphone, Fender e Gibson são algumas das marcas americanas que deram a textura dos timbres característicos do quarteto. Para conseguir algumas das peças, Maury precisou fazer viagens internacionais. “Demorei muito tempo, por exemplo, para encontrar o contrabaixo Fender VI, que podemos ver sendo amplamente utilizado no filme “Let it Be”. Uma raridade”, comemora. 

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O impressionante set inclui três violões, quatro contrabaixos, onze guitarras e uma incrível bateria Ludwig ano 1963, que para ficar ainda mais idêntica àquela que foi utilizada por Ringo Starr, recebeu a mesma peça da Rodgers anexada pelo baterista no começo da carreira. A obsessão pelos detalhes é tamanha que Maury adquiriu num leilão online um relógio igual ao que era utilizado por George nos primeiros anos do grupo, ainda que o acessório mal apareça debaixo do paletó preto. “George aparece em muitas fotos e cartazes usando a peça francesa, pequeninha e redonda. Sempre procurava, então quando vi na internet, resolvi dar um lance”, conta. 

Todo o esforço para reproduzir os espetáculos da banda original em suas três fases, da beatlemania à psicodelia, rendeu ao grupo o convite para abrir a feira anual dos Beatles, a International Beatle Week, na terra natal do grupo, Liverpool, Inglaterra. “Lá, ganhamos a oportunidade de gravar em Abbey Road de graça, com os pianos que foram utilizados pelos próprios Beatles”, lembra. Na terra da rainha, o grupo ainda teve tempo de encomendar quatro pares de botas iguais aos que eram utilizados pelos Beatles ao próprio Mr Green, artesão das originais.

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Mas nem só de perfeição estética vive um cover. “O que priorizamos é a capacidade musical. O baixista que interpretava Paul McCartney saiu e encontramos outro que, apesar de destro, aprendeu a tocar baixo como canhoto, para ficar igual, e, além disso, trabalha com piano e canta. Somos todos músicos profissionais”, coloca Maury. A qualidade técnica do grupo motivou o elogio de ninguém menos do que George Martin, produtor dos Beatles durante quase toda a carreira da banda. “Não é cover, é Beatles”, disse o maestro na ocasião do encontro com a Abbey Road, no Rio de Janeiro. “Isso é algo que nem sei explicar. Nos reunimos e ele gostou bastante do nosso trabalho. Até nos deu um CD autografado”, vibra Maury. 

Como único remanescente da formação original da Abbey Road, Maury destaca que o cover tem um “compromisso com a cultura” e celebra a impressionante renovação do público dos Beatles,  já que, embora tenha prosseguido com a carreira em estúdio até 1970, a banda havia feito sua última apresentação no dia 29 de agosto de 1966, no estádio de baseball de Candlestick Park, em São Francisco, nos Estados Unidos. “Sempre tem gente, no fim dos nossos shows, que chega para nos cumprimentar dizendo que saiu do show fã dos Beatles. As pessoas falam: ‘pra quê essa preocupação com anel, figurino, quem vai saber?’. Fazemos isso justamente para que o público possa ter uma muito próxima de como eles eram”, defende.

Kiss por três minutos

Dentre os serviços mais inusitados, Cover brasileiro foi contratado para despistar os fãs do Kiss de verdade. (Edu Firmo/ Photography)

Não bastava não gostar do Kiss. O músico Felipe Mendes arrumou justamente uma namorada fã da banda, que insistia na ideia de sua aparência com Gene Simmons, o lendário baixista do grupo. “Eu fui garçom de alguns bares de rock e percebi que o Kiss não tinha uma boa banda cover. Aí falei: ‘então vamos montar uma banda!’”, lembra. Batizado de “Creatures of the Night”, em homenagem a um dos discos dos norte-americanos, o grupo não durou muito. “Em 2009, resolvemos fazer uma seleção dos melhores na interpretação de cada integrante para fundar um só grupo: o Kiss Cover Brasil”, conta. Felipe, que já havia trocado a bateria pelo baixo para assumir o personagem, pôde colocar em prática os conhecimentos adquiridos no curso de artes cênicas. 

Com maquiagens características, os rostos dos quatro integrantes do Kiss expressam a personalidade de cada um. “O Gene gosta muito de filmes de terror, morcegos e do Batman, enquanto o Paul sempre quis ser famoso no rock, por isso a estrela. o Ace sempre gostou de espaçonaves e o Peter se sente rebelde, feroz, o que o levou a se fantasiar de gato”, explica Felipe. A pesadíssima indumentária do grupo, contudo, é só uma parte do esforço de produção do cover. 

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Se as maquiagens, feitas pelos próprios músicos, levam cerca de uma hora e meia para ficarem prontas, toda a montagem de palco, igual ao do Kiss, dentre outros ritos da pré-produção demandam um total de sete horas. Concluída a apresentação, são mais três horas de pós-produção. “Na escolha dos integrantes, optamos por músicos que não trabalhassem com mais nada. Recentemente, passamos 15 dias na Bahia e fizemos cerca de 12 shows. É bastante cansativo”, confessa Felipe. Com o tempo, o grupo desenvolveu a própria estratégia conciliar arrecadação e cansativas jornadas de trabalho. 

A árdua missão de buscar uma imitação perfeita do timbre de voz de Gene, uma das grandes cobranças do público em torno dos brasileiros, quase prejudicou seriamente a voz de Felipe. “Quando faz a segunda voz, ele canta de forma aguda com drive, uma técnica em que você joga a voz para cima do diafragma, ficando mais rouco. Nos três primeiros anos, eu cantei muito errado. Estudei teatro musical, hoje em dia não sinto dificuldade”, comenta. 

Pré-produção, que inclui montagem de palco, passagem de som e maquiagem leva cerca de sete horas. (Edu Firmo/Photography)

A construção da performance incluiu estudos ainda mais inusitados. Felipe se tornou especialista em, por exemplo, fabricar sangue falso. “O material vendido nas lojas é muito caro. Agora eu achei uma receita: misturo corante vermelho com água, liga neutra de sorvete e chocolate, para ele parecer coagulado. O gosto é bom, para falar a verdade”, brinca. Outra performance tradicional do Kiss, a pirofagia, a arte de manipular fogo, foi um desafio para Felipe. “Demorei muito para aprender, ajudado por um amigo circense. Eu tinha muito medo de fazer. Fiquei aliviado quando proibiram o Kiss de executar isso no palco”, confessa. 

Todo o esforço deixou Felipe confuso. Obcecado por negócios e mulheres, Gene Simmons cultiva a lenda do rock n’roll de que já foi à cama com quase 5 mil parceiras. “Interpretando o papel dele, comecei a levar esse lance das mulheres muito a sério e isso deu uma fodida na minha vida...Depois que inverti as coisas e deixei a parte empresarial como prioridade, comecei a me dar melhor”, brinca Felipe. 

Cover Brasil possui espetáculo voltado para público infantil, que foi mencionado na página oficial do Kiss. (Edu Firmo/Photography)

Nem só de adversidades, no entanto, vive um cover. A mudança de mentalidade ajudou a banda a se tornar carro-chefe de uma produtora especializada em espetáculos teatrais.  Quando o Kiss veio ao Brasil em 2012, o grupo de Felipe, melhor estruturado, foi contratado para fazer a divulgação do grupo, dentre outras funções curiosas, como a de se passar pela banda de verdade para despistar os fãs. “Fomos o Kiss por três minutos. Entramos num carro e saímos no sentido oposto a eles, que foram pegar o avião. Foi legal por ter sido pouco tempo, mas viver isso sempre deve dar medo”, opina. 

Para quem já pediu dinheiro na entrada para ver o show do Kiss, em 2009, um contato ainda mais próximo com os ídolos seria improvável. “Depois trabalhei para o próprio Gene Simmons, durante o lançamento de seu livro no Brasil. Minha função era ficar do lado dele, como uma versão maquiada”, lembra. Durante uma espécie de expediente dos sonhos, além de presentear Gene como um filme de terror, o músico pôde conhecer o guitarrista Paul Stanley e entregar o material do cover à produção. “Dois meses depois, fomos mencionados pela primeira vez na página do Kiss. No ano passado, fomos citados mais cinco vezes”, vibra. 

“O cover precisa ser o que eles eram no auge”

Mauro utiliza violão Guild igual ao de Berry Gibb. (Divulgação)

O lançamento de “Os embalos de Sábado à Noite” (1977) é geralmente reconhecido por ter marcado o final dos anos 1970 como auge da cultura disco. Pouco se fala, no entanto, que o filme seria o responsável por reeguer a carreira de uma das bandas mais populares da década anterior, que passara a carregar precocemente o status de ultrapassada: a The Bees Gees. Assinar a clássica trilha sonora da obra, que inclui o hit “Stayin' Alive”, reaproximou os irmãos Gibb de jovens como Mauro Toledo, na época com 13 anos. “Já nas discotecas, dançava e até cantava alguma coisa. Depois me formei em publicidade e acumulei trinta anos de experiência em marketing cultural, sempre voltado para música e eventos. Há 15 anos, veio a ideia de fundar o Bee Gees One", conta Mauro. 

Para realizar o sonho de adolescente de viver da banda predileta, Mauro trocou a experiência como baterista profissional pelas lições de violão. O objetivo seria o de protagonizar o grupo interpretando o vocalista Berry Gibb ao vivo, em uma empreitada que ele garante ser inédita no vasto universo dos covers. "As bandas que fazem Bee Gees, na melhor das hipóteses, gravam e tocam e cantam por cima. Eles eram os reis do estúdio, gravavam muito e ficaram caracterizados por executar algo que, na época, parecia inatingível", explica. 

O investimento no grupo incluiu instrumentos iguais ao que foram utilizados pela banda original, incluindo um legítimo violão Guild Signature, igual ao que era utilizado pelo vocalista dos Bee Gees. "Um violão desses custa cerca de R$ 40 mil, foi importado. Além disso, toco igualzinho ao Berry Gibb e preservamos todas as posições de palco. Essa é a viagem que as pessoas querem fazer: ver os Bee Gees lá", afirma Mauro.

Para Mauro, o que faz todo o esforço do grupo valer a pena é a reação dos fãs. "Um caso que marcou bastante a gente ocorreu em Guarulhos. O pai pediu à filha que ela o levasse a um show dos Bee Gees e morreu uma semana depois. Você não tem noção de como ela é grata ao grupo por ter realizado o último pedido que ele fez, a última memória que ela te do pai é a felicidade de curtir nosso show", emociona-se. Embora pareça esquisito viver a carreira de pessoas desconhecidas, Mauro e os companheiros do Bee Gees One já foram reconhecidos com cinco premiações de associações e revistas especializadas. "O artista pode fazer o que ele quiser que todo mundo vai gostar e aplaudir. O cover precisa ser o que eles eram no auge da carreira, esse é meu trabalho e tenho muito orgulho dele", celebra. 

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