Tópicos | Lucy Tertulina da Silva

Era 1999 quando Lucy Tertulina da Silva começaria uma nova vida. Nessa época, então com 28 anos, ela perderia completamente a visão, fruto de retinose pigmentar - doença que degenera gradativamente o sistema visual. A pernambucana tentou diversas formas de evitar o acontecimento, visitando médicos por todo Brasil e até em Cuba, mas não obteve sucesso.

Lucy já era mãe de Maísa, sua primogênita, quando perdeu totalmente a visão. Como não aceitava o ocorrido, continuou com o preconceito consigo mesma e lamentou perder também momentos importantes da maternidade. “Foi difícil. Por não ter contato com bengala, ter medo de andar sozinha, nunca levei minha filha na escola e também não a ensinei muitas coisas. Sempre que ia ao colégio, estava acompanhada do esposo ou da babá. Isso me faz muita falta”, lembra.

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Os anos passaram e, em 2005, ela se tornou mãe de mais uma garota. Dessa vez, quem chegava ao mundo era Laís. Após tantos problemas, ela ganhou um novo motivo para sorrir, mas por pouco tempo. Oito meses depois, toda a família sofreu um acidente de carro. O marido de Lucy não resistiu e morreu. Mesmo sem ter visão, ela – ou Deus, como prefere dizer - ajudou os socorristas a tirar as duas filhas das ferragens, evitando uma tragédia ainda maior.

Viúva, sem visão e com duas filhas para criar, Lucy só tinha duas opções: se comprimir em uma depressão ou lutar pela felicidade. No entanto, neste momento, as barreiras eram ainda maiores. Por isso, o receio por parte de seus parentes também aumentou. “Pelo fato de ter a deficiência, minha família achava que eu era inútil e eu provei o contrário”.

Decidida a reconstruir a sua vida, ela conta como sua história começou a mudar. “Pela pressão de ter que viver, criar minhas filhas, procurei ajuda. Deus colocou no meu caminho a Associação Caruaruense de Cegos (Acace). A partir dela, tudo mudou. Eu tinha que buscar o melhor para poder dar o melhor a elas (Maísa e Laís)”, afirmou.

A entidade trouxe novas perspectivas para Lucy e o esporte passa a ter um papel importante nesse processo. Após seis meses integrando o grupo, ela retomou uma grande paixão: a leitura. Tudo graças ao braile. Teve também orientação de mobilidade, passando a andar sozinha e daí a praticar golbol (originado do goalball, termo em inglês).

Pouco depois de perder o pai, a filha mais velha de Tertulina também deu chances ao esporte. Ela começou na natação, mas não se agradou. Partiu para o judô e se tornou campeã. Com apenas 17 anos, a jovem já tem o título da Copa AABB Recife e pratica a arte marcial japonesa ninjutsu. Maísa também está se formando em arbitragem para golbol e é responsável por apitar os treinos da Acace. “Como elas não tem pai, eu procuro incentivá-las. Quando sei que estão treinando, tenho certeza que estão longe das drogas”, afirmou Lucy, lembrando ainda que sua caçula, Laís, está escolhendo se vai fazer natação ou dança.

A mãe também continuou no golbol, que é primeira modalidade criada especificamente para os cegos ou para pessoas que tem alguma deficiência visual. Há quatro anos e seis meses ela integra a equipe da Acace, entidade na qual ainda se tornaria presidente, comandando até os dias atuais. Lucy lembra como foi o início da prática na instituição. “No começo, era difícil, as pessoas não queriam. Tive que insistir e estimular. Iniciei a rotina de treinos para motivar e fiquei até hoje. Atualmente, temos um time feminino com quatro integrantes e outro masculino com cinco jogadores”, explicou.

O golbol da Acace ainda não conquistou títulos, mas os resultados gerados por ele, segundo Lucy, são imensuráveis. “A prática esportiva é muito importante. Além da saúde, ele funciona como um refúgio. Quando estamos em quadra nos sentimos vivas. Se todos os pais incentivassem o esporte o mundo seria melhor”, analisa a presidente.

O time já disputou várias competições, principalmente representando Pernambuco nos campeonatos nordestinos da modalidade. Este ano, o elenco já conseguiu ficar em terceiro lugar na etapa de João Pessoa-PB do regional.

Ela também obteve conquistas como pessoa e principalmente como mãe. “Certo dia não tinha pão em casa e precisava comprá-los para as meninas. Criei coragem e fui sozinha, aos pouquinhos, na padaria. Apesar de ser algo tão simples, quando retornei foi uma alegria imensa”, explicou – reforçando que também já circula de ônibus pela cidade.

Com tantas ocupações, Lucy fala como é se dividir nas funções de mãe, presidente, atleta e estudante universitária. “É complicado porque o tempo é limitado, mas procuro um espaço para estar com elas e fazer as minhas outras atividades. É difícil, mas a gente vai conseguindo”, disse.

Quando perguntada se a vida realmente tinha melhorado, ela foi taxativa: “Hoje, todos me veem diferente. Provei que posso criar minhas filhas, ser dona de casa, praticar esporte e estudar. Percebo que antes de perder a visão eu não vivia, apenas vegetava”. Por falar em estudos, Lucy está cursando o último período de Pedagogia e faz planos para o futuro.  “Quero arrumar um emprego na área, continuar à frente da Acace e praticando o golbol – se possível conquistando nosso primeiro título”, afirmou aos risos.

Por fim, depois de tantos percalços, ela deixa um recado. “Gosto sempre de dizer que eu posso tudo naquele que me fortalece. Depois de conseguir enfrentar tantas coisas, o próprio preconceito, tenho certeza de que todos tem dificuldades, mas a força de vencer precisa ser maior”, pontuou.

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