Tópicos | Luiz Gonzaga o Inventor do Nordeste

O legado musical de Luiz Gonzaga já mostrou ser capaz de transcender o tempo. A força do baião, do xaxado e do xote atravessou décadas e enfrentou altos e baixos em diferentes épocas, mas o forró resistiu e hoje, em Pernambuco, o estilo mostra-se revigorado e continua atraindo adeptos. A sonoridade, os trejeitos e o figurino criados por Gonzaga ainda inspiram inúmeros músicos, que seguem seus passos 65 anos depois da gravação da clássica Asa Branca.



A ocasião dos cem anos de nascimento do ‘Inventor do Nordeste’ mostra a longevidade da sua obra. O impacto da novidade trazida por Luiz Gonzaga ainda ressoa, inspirando poetas e cantadores, compositores e até artistas pop. Referências à obra de Gonzagão podem ser identificadas no liquidificador sonoro da Tropicália, movimento feito em sua maioria por nordestinos emigrados, assim como o próprio Seu Luiz. Em Pernambuco, na década de 1970, a geração Udigrudi também mergulhou na sonoridade do forró, misturando ritmos e melodias nordestinos com a psicodelia e o rock.



Assim como o baião foi, nas décadas de 1940 e 1950, a “dança da moda”, seu prestígio diminuiu com a chegada de outras modas musicais, especialmente a Bossa Nova e a Jovem Guarda. Os anos de 1980 também não foram os mais pujantes para o forró que, no entanto, nunca saiu dos ouvidos e vitrolas de vários brasileiros e começou a ser conhecido no exterior, particularmente na Europa.



Nos início dos anos 2000, o sucesso nacional do grupo paulista Falamansa colocou novamente o forró na moda, fazendo com que muitos jovens – nordestinos ou não – se interessassem em ouvir as músicas do Rei do Baião. Essa movimentação ficou conhecida como “Forró Universitário”, e deu novo gás à estética condensada por Luiz Gonzaga em sua música. Em Pernambuco, terra natal de Luiz Gonzaga, houve uma revalorização da tradição cultural local, impulsionada pelo Manguebit, que também alimentou o forró, a partir da segunda metade dos anos 1990.



O baião, o xote, o xadado, a música de forró nunca deixou de fazer parte ambiente sonoro pernambucano. “Pernambuco sempre cultivou essa história, Recife é a única capital que sempre manteve acesa a chama do forró”, afirma o cantor e compositor Maciel Melo. O centenário de nascimento de Luiz Gonzaga, que acontece neste ano de 2012, também foi um impulso para o estilo, já que inúmeras homenagens foram feitas ao Rei do Baião durante todo o ano. CDs, DVDs, releituras, shows temáticos e os mais variados eventos citaram, reverenciaram, valorizaram a figura e a poética de Gonzagão, incluindo a Escola de Samba Unidos da Tijuca, campeã do carnaval carioca deste ano com o enredo ‘O dia em que toda a realeza desembarcou na avenida para coroar o Rei Luiz do Sertão’.



“Temos trios de forrozeiros na Áustria, Alemanha, Holanda, Portugal, Inglaterra, França e outros países”, avisa o cantor Santanna, que considera bom o momento para o forró. “Sobrevivo disso e não tenho do que reclamar”, completa. “O forró está bombando em Nova Iorque”, reforça Tereza Accioly, presidente da Associação de Forrozeiros Pé-de-serra e Ai(link do blog), citando a existência de casas de show na maior cidade do mundo tocando a sonoridade nordestina.



“Até quem não gostava de forró está cantando luiz gonzaga”, brinca Maciel: “Espero que isso não fique só neste ano, que continue como a gente sempre fez”. Se o forró se manteve vivo, durante a última década e meia foi ganhando corpo e se profissionalizando. No Recife, um exemplo claro deste momento é exatamente a Associação dos Forrozeiros Pé-de-serra e Ai, que reúne grande parte dos artistas, dá suporte jurídico, atua junto ao poder público e mantém um programa de rádio tocando, entrevistando, noticiando e propagando o universo forrozeiro.



Hoje a associação tem mais de mais de 200 artistas cadastrados. “O legado que Gonzaga deixou para nossos artistas é tão grande que a gente consegue sobreviver dele o ano todo”, explica a presidente Tereza Accioly, avaliando que o forró vive um bom momento, apesar de haver uma deficiência de espaço no rádio. Há um circuito de casas de show especializadas que mantém um programação permanente e consegue atrair público e artistas, que têm trabalho e conseguem viabilizar sua carreira.



Tereza reforça a importância dos músicos se profissionalizarem, conhecerem a figura jurídica do empreendedor individual, e ressalta que há uma nova geração interessada em deixar viva a musicalidade do forró. “Os jovens forrozeiros estão muito integrados às redes sociais, estão se divulgando e formando a plateia deles na internet”, diz.

 

A longevidade da música depende também da sua capacidade de se adaptar e atrair artistas jovens. “O forró é um mundo musical muito rico. É xote, xaxado, galope, aboio...”, explica o compositor Miguel Marcondes, do grupo Vates e Violas. Para ele, há quem se prenda a apenas uma fase da longa trajetória de Luiz Gonzaga, que foi naturalmente incluindo novos instrumentos e sonoridades ao baião com a passagem do tempo. “Tem que misturar as sonoridades, dar uma oxigenada no forró”, opina Marcondes.

Sabedor das muitas dificuldades que passou para poder alcançar tudo o que conquistou, Luiz Gonzaga também ficou conhecido por ser padrinho e exemplo para muitos outros artistas. A lista é grande e inexata, mas nomes como Marinês, Ivan Ferraz, Dominguinhos, Elba Ramalho, Arlindo dos Oito Baixos, Camarão, Joquinha e muitos outros estão presentes entre os agraciados pelo velho Lua.

 

José Domingos de Morais, o Dominguinhos, é um dos apadrinhados de Luiz Gonzaga que mais conseguiu projeção musical. Ele relembra o início desta história. “Na verdade, começou quando eu tinha 13 anos, na época em que fui com meu pai e meu irmão para o Rio de Janeiro. Meu pai precisava de ajuda e procurou Gonzaga na casa dele. Ele me deu uma sanfoninha de 80 baixos. A partir dai eu aprendi o caminho da casa dele e todo dia eu ia lá”, explicou o cantor, que estava sempre na companhia do Rei do Baião.



O mestre não esqueceu dos “seus” e deu força para que seu sobrinho, Joquinha Gonzaga, também enveredasse pelo ramo musical. “Por eu estar sempre com ele, foi muito natural. Quando eu tinha entre 12 e 13 aanos, ele me deu a primeira sanfona de oito baixos. Depois, eu fui aprendendo com ele e evoluindo. Nunca comprei uma sanfona e, graças ao meu tio, eu sigo nesse caminho até hoje”, valorizou. 

 

Arlindo dos Oito baixos recorda que além de dar sanfonas e incentivo aos novos músicos, Luiz Gonzaga também ajudava financeiramente alguns deles. O próprio Arlindo recebeu esse apoio do Rei do Baião, como conta.

Elba Ramalho comentou a influência do Rei do Baião em sua obra. “Foi muito importante no meu trabalho e no de qualquer artista que pertence a essa nação nordestina e que busca naquela fonte que jorra coisas maravilhosas uma identificação, uma realidade de alegria, musicalidade, harmonia e poesia. Tudo isso está na obra de seu Luiz”, destacou a cantora. “Ele foi tudo para mim. Gonzaga me ensinou até como subir ao palco para tocar”, completou Arlindo dos Oito Baixos, que passou 22 anos viajando com o Velho Lua.



Apesar de ser grande referência para os seus apadrinhados, Gonzaga também deixava-os livres para ampliar o leque musical. “Sem dúvida nenhuma, tínhamos esse espaço. Em 1964, gravei o meu primeiro disco, de nome “Fim de Festa”, sem nenhuma interferência de Gonzaga, mas trazendo músicas nordestinas. Ele ouviu e gostou. Segui minha vida artística tocando várias coisas. Gonzaga abria o caminho. Já saí em excursão com ele pelo país e fazia as apresentações antes dele, tocando músicas de ritmos variados, incluindo também o próprio baião”, recordou Dominguinhos, que depois de uma temporada no Espírito Santo, retornou ao Rio de Janeiro com desenvoltura em samba, samba canção, bolero, entre outros ritmos.



O apadrinhamento do Rei do Baião com outros artistas conseguiu romper, inclusive, os limites da escala musical, como confirma Elba Ramalho. "O momento mais importante com Gonzaga foi quando eu tive meu filho, o Luã. Luiz passou o dia comigo, foi para o hospital e abençoou meu filho ali, naquele instante. Nesse momento, eu reconheci que havia uma conexão muito maior do que ele ser simplesmente o Rei do Baião e eu ser uma discípula dele”, recordou a cantora do fato ocorrido em 24 de junho de 1987.



Com os sorrisos evidentes ao falar do mestre, Dominguinhos valoriza cada momento na qual esteve na companhia de Gonzaga. “Todas as lembranças são ótimas. Ele foi um verdadeiro pai, instrutor. Ah, meu irmão, eu fui muito feliz. Luiz sabia pedir e mandar... Escutou muitas ordens no exército, né? (risos). Ele fazia muitas revoluções, mas nunca deu um tiro na vida. Tinha que ser músico mesmo” completou, às gargalhadas.



Dominguinhos ainda relembrou que seu nome artístico foi uma hipótese levantada por Gonzaga. No momento em que a imprensa estava reunida, o Rei do Baião disse: “Esse cabra da peste é o meu herdeiro musical”, se referindo ao jovem, que tinha apenas 16 anos. A alcunha também é uma homenagem a Domingos Ambrósio, que ajudou Gonzaga a aprimorar os conhecimentos que tinha no acordeon, no tempo em que o mestre do baião serviu ao exército na cidade mineira de Juiz de Fora.



A mesma situação aconteceu com Arlindo dos Oito Baixos e Joquinha. “Na nossa família, o único Gonzaga era ele. Quando fiz meu primeiro cartaz, eu coloquei `Joquinha`. Ele disse: `vamos mudar isso? eu autorizo você a usar o meu sobrenome. E assim ficou Joquinha Gonzaga”, recordou o cantor.



Ainda de acordo com Elba, determinação, coragem, força, fé e alegria eram algumas das características encontradas no legado deixado por Luiz Gonzaga. “Era uma pessoa bem humorada. Apesar de todas as dificuldades da vida, ele chegava e tinha muita satisfação, primava pela nossa cultura popular e pelos nossos elementos: a natureza e os personagens. Tudo está na sua obra. É um legado para qualquer artista que queira ser a tradução da sua região”, analisou.



Como gratidão, Arlindo dos Oito Baixos deixou um recado para o Rei do Baião. “Sei que ele está em um bom lugar. Diz o povo que tudo que se faz em homenagem a sua memória, ele está ouvindo. Se ele estiver escutando, eu vou sempre agradecer. Gonzaga foi um homem muito bom e me ajudou bastante. De mim, ele sempre vai ouvir conversas boas e bonitas”, pontuou.

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Ciente da importância do seu trabalho, definidor da identidade nordestina com sua letras, ritmos e melodias que traduziram a vida e o sentimento do sertanejo, Luiz Gonzaga – talvez antes de qualquer outro – idealizou seu próprio memorial. Como todo homem apegado à sua terra e origem, o Rei do Baião planejou voltar ao local onde nasceu após rodar o Brasil com sua música. E lá deixou plantado o seu legado.



Em 1964, Gonzaga comprou um sítio em Exu e o transformou no Parque Aza Branca. Na sua cidade natal, imaginou um espaço dedicado à sua memória e obra e, por extensão, ao sertão, suas paisagens, rios e pássaros, seus habitantes. Aos poucos, foi construindo seu parque, até se mudar para lá em 1982. Antes, já havia feito uma casa para que seu pai, Januário, morasse.



Seu Luiz cita a noção de que seu legado mereceria ser bem guardado ainda em 1967, nos versos da canção A hora do adeus:



Minha sanfona minha voz o meu baião

Este meu chapéu de couro e também o meu gibão

Vou juntar tudo dar de presente ao museu

É a hora do Adeus

De Luiz rei do baião



Luiz Gonzaga morreu em 1989 sem conseguir terminar o Parque Aza Branca. Quem concluiu a obra foi seu filho, Gonzaguinha. Mas o herdeiro também morreu algum tempo depois, em 1991, de forma trágica, em um acidente de carro. A outra filha de Gonzaga, Rosinha, decide então vender o parque, que é adquirido pelo empresário Zito Urbano. Com falecimento de Zito, em 1996, voluntários criaram o Grupo Viva Gonzagão, que mais tarde se transformou na Ong Parque Aza Branca. Quem conta esta história é o atual presidente da Ong, Júnior Parente.



O Parque

Na ampla área estão hoje diversos espaços que guardam objetos e eternizam a vida e a obra de Gonzagão. Ao lado da entrada, os visitantes encontram uma casa de reboco que simula uma casa típica do homem sertanejo, com utensílios comuns aos moradores desta região. O parque ainda abriga o Museu Luiz Gonzaga, a casa em que ele morou, a casa que construiu para seu pai, lanchonete e um bazar para os visitantes comprarem lembrancinhas.



O Mausoléu onde estão os restos mortais do Rei do Baião e de sua esposa, Helena, também fica no Aza Branca. Na área aberta, estão dois palcos – um pequeno, construído por Gonzaga, e um grande, construído depois da sua morte. O complexo dedicado à memória do Rei do Baião ainda tem uma pousada – onde Gonzaga abrigou muitos músicos – e a sede do Ponto de Cultura Parque Aza Branca.



O local atrai visitantes de várias regiões do Brasil. “Este ano, o fluxo de pessoas no Parque Aza Branca triplicou por conta do centenário de Luiz Gonzaga”, afirma Ilaite Carvalho, tesoureira da Ong Parque Aza Branca. Em 2012, o parque tem recebido em média 3 mil visitantes por mês. É o caso da estudante universitária do curso de Letras Mariana Santiago, que veio conhecer o Aza Branca com mais nove colegas de faculdade.



Museu

A primeira vitrine que o visitante encontra quando entra no Museu Luiz Gonzaga resume iconicamente a construção do forró e do cancioneiro nordestino que o artista encarnou. O gibão utilizado pelo rei e os instrumentos musicais que ele reuniu para criar o típico trio de forró – sanfona, zabumba e triângulo – introduzem o passeio pelos objetos reunidos no memorial.



O Museu também guarda outras relíquias como a primeira sanfona adquirida por Luiz Gonzaga, vendida por ele quando fugiu de casa e readquirida por seu pai anos depois; as dezenas de títulos de cidadania concedidos ao Rei do Baião por várias cidades do Brasil (Rio de Janeiro, Guarulhos, Feira de Santana, São Paulo e Salvador, entre várias outras, além do Estado do Maranhão); e as homenagens recebidos por Gonzagão em diversas placas que recebeu em vida.



Também estão na exposição objetos pessoais do cantor como bengala, óculos e até um aparelho auditivo, que ele usou nos seus últimos anos de vida. A sanfona que o Rei do Baião usou para tocar para o Papa João Paulo II também está exposta, ao lado das roupas usadas no mesmo dia. Ainda está lá a cadeira de rodas que Gonzagão usou quando doente. Diversas biografias publicadas sobre Gonzaga também estão reunidas no Museu, que ainda guarda inúmeras fotos.



A Casa de Luiz Gonzaga

Quando comprou a fazenda que viria a ser o Parque Aza Branca, Gonzaga reformou a casa grande para morar nela. A ampla casa mantém características de quando Gonzagão era vivo: os móveis estão no mesmo lugar e é possível encontrar a TV que Gonzaga assistia, a enorme mesa de jantar, sofás e quadros. Chama atenção o viveiro de asas brancas que o artista mandou construir. A ave típica do sertão foi imortalizada na mais importante canção já gravada pelo Rei do Baião.



É possível ver a biblioteca, a coleção de discos de vinil, máquina de escrever e roupas de Gonzagão, além da sua coleção de itens relacionados ao cangaço. Armas, roupas e cartucheiras que pertenceram ao bando de Lampião compõem um acervo que Gonzaga queria utilizar para fazer um museu sobre o cangaço. Na cabeceira da cama do Rei repousa um terço, resumindo a religiosidade do homem simples sertanejo.



As pessoas que trabalham no Parque Aza Branca hoje são voluntárias, e recebem apenas uma ajuda de custo de R$ 290 por mês. “As pessoas que aqui estão, estão porque amam Luiz Gonzaga e querem ver isso aqui preservado”, ressalta Júnior Parente. O espaço não conta com subsídios públicos para sua manutenção, ou mesmo patrocínios privados. “Todos os recursos para a manutenção do Parque vêm exclusivamente do que nós conseguimos arrecadar com o ingresso para entrar no museu e a venda de lembranças no bazar”, afirma o presidente da Ong Parque Aza Branca.



As ações do poder público têm sido pontuais, como reformas de alguns espaços e apoio a determinados eventos. As atividades do parque incluem oficinas de sanfona, dança, artesanato de couro e teatro, envolvendo crianças e jovens da região, e eventos anuais, destacando-se a Festa da Saudade, realizada em agosto marcando a data de morte de Luiz Gonzaga, e a festa Viva Gonzagão, que acontece todo mês de dezembro na ocasião da data de nascimento do Rei do Baião.



Em 2012, ano em que se comemora o centenário de nascimento de Luiz Gonzaga, a festa vai ser especial. Uma ampla programação musical com alguns dos mais importantes seguidores de Gonzagão, como Dominguinhos, Fagner e Gilberto Gil, além de dezenas de forrozeiros, será realizada pelo Governo do Estado em Exu e no Recife entre os dias 13 e 16 de dezembro(link www.gonzaga100.com). O Parque Aza Branca abriga boa parte da programação.



Para o presidente Júnior Parente, a atenção tem que ir além da música e de eventos. O sertão do Araripe está vivendo a pior seca das últimas décadas, acarretando grandes perdas e sofrimento para o povo sertanejo, tão cantados por Luiz Gonzaga em toda a sua carreira. A seca sabidamente não atingiria tanto o habitante da região se houvessem políticas sérias e consistentes para o problema. Mas, historicamente, a situação é a inversa: a seca virou uma indústria de votos a políticos assistencialistas, para quem a extinção do problema significaria a sua própria extinção. “Combater a seca é também homenagear Gonzagão”, avisa Parente.



Dentre os voluntários que se dedicam a eternizar a obra do Rei do Baião, um é especial: Seu Praxedes conheceu Luiz Gonzaga em 1968, quando começou a trabalhar para ela. Hoje, aos 80 anos de idade, o vaqueiro guia os visitantes pela Casa de Januário e tem histórias de uma vivência única com um dos mais importantes artistas brasileiros. “Queria muito que Luiz fosse vivo hoje para dar um abraço nele e parabenizá-lo pelos seus 100 anos”, diz Praxedes.

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As definições contidas nos dicionários para a palavra parceiro são: “parelho, semelhante, companheiro”. Para Luiz Gonzaga essa tradução é, essencialmente, verdadeira. A carreira de sucessos do Rei do Baião foi permeada de grandes parcerias. A primeira delas ele encontrou em casa. Seu pai, Januário José dos Santos, pode ser considerado, ao pé da letra, seu primeiro companheiro no mundo da música. Foi consertando instrumentos ao lado do pai que o “Velho Lua” aprendeu a tocar acordeão, dando início assim a um amor que carregou para o resto da vida.

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Profissionalmente, a vida musical de Gonzaga só pode ser compreendida a partir do ano de 1939, quando sai do exército e vai para o Rio de Janeiro. O primeiro parceiro de Luiz foi o baiano Xavier Pinheiro, com quem foi morar no bairro de São Carlos e que futuramente criaria o filho do Rei do Baião. Juntos, eles tocavam em casas noturnas, os ditos “cabarés”, ritmos como fado, choros, sambas, valsas, tangos, entre outros.

A dupla com Xavier não agradou ao público desses locais e Gonzaga passou a se apresentar sozinho nas ruas e, depois de ser indagado por estudantes nordestinos, percebe que precisava mostrar em suas canções aquilo que o Nordeste tinha e significava. Quando começa a fazer, percebe uma grande aceitação - tanto que tira a nota máxima no programa Calouros em desfile, veiculado na na Rádio Tupi, tocando a música “Vira e Mexe”.

Anos 40: a década de Humberto Teixeira e o “hino do nordeste” Asa Branca

Luiz Gonzaga já tinha reconhecimento e compunha algumas canções, além de contar com as parceiras de Miguel Lima, Alcebíades Nogueira, Assis Valente e Jeová Portela. No entanto, em 1945, com o objetivo de dar mais características do Nordeste às suas musicas, ele é apresentado a Humberto Cavalcanti Teixeira, um advogado cearense nascido em 1915 - na cidade de Iguatu. Começa aí uma história de sucesso.

Humberto saiu de sua cidade natal com 15 anos de idade e seguiu para o Rio de Janeiro. Mesmo depois de se formar em direito, ele continuava com vontade de seguir pelo caminho da música. Ele tinha composto sambas, marchas, xotes e algumas toadas quando teve o primeiro encontro com Luiz Gonzaga, ocorrido por intermédio de Lauro Maia, cunhado de Humberto.

Em 1947, eles apresentam Asa Branca, música de maior sucesso dos dois. A canção passou um bom tempo sendo idealizada pela dupla e é considerada o “Hino do Nordeste”, já que retrata as principais características da região. Humberto e Gonzaga ainda criaram outras músicas que se tornaram grandes “hits” no país. Entre elas estão: No meu pé de serra, Lorota boa, Assum Preto e Respeita Januário, canção que é fruto da viagem que Luiz Gonzaga fez para reencontrar a família depois de anos trabalhando fora de Pernambuco.

Teixeira também tinha a política nas veias e, em 1954, se elegeu deputado federal. Ainda na área musical, foi eleito por três anos consecutivos como o melhor compositor do Brasil e teve músicas gravadas por cantores como Dalva de Oliveira, Gilberto Gil, Fagner, Caetano Veloso e Gal Costa.

Década de 1950: Gonzaga descobre Zé Dantas

Depois de alcançar o status de Rei do Baião, Luiz Gonzaga conheceu Zé Dantas, que era estudante de medicina e um músico vocacionado. O primeiro encontro deles ocorreu em 1947, no Recife. Dantas é pernambucano de Carnaíba das Flores, no Sertão do Pajeú, nascido no dia 27 de Fevereiro de 1921.

Dantas veio para o Recife ainda novo, mas nunca teve apoio de seu pai, José de Souza Dantas, para seguir no mundo da música. Mesmo assim, continuou. O compositor tinha um grande conhecimento sobre as características do nordeste, fato que o ajudou em muitas composições.

Juntos, eles conseguem fazer uma década inteira de sucessos. “Vem, morena”, “A dança da moda”, “Sabiá”, “São João na roça”, “Á-bê-cê do sertão”, “Riacho do Navio” e “Xote das meninas”, que é uma das mais conhecidas.

Comparativo entre Dantas e Teixeira

Em duas décadas de sucesso, a comparação entre os compositores que acompanharam Gonzaga foi inevitável. Para o jornalista e professor José Mário Austregésilo, autor do livro o Luiz Gonzaga, o homem, sua terra e sua luta, é difícil compará-los: “Não dá pra fazer uma balança ou comparar, mas ele teve parceiros fantásticos. O parceiro-mor foi Zédantas. Luiz disse que, quando o encontrou, sentiu o cheiro de bode. O compositor reunia o que Gonzaga foi encontrando nos outros. Ele encontrou o que buscava”.

De acordo com o professor e pós-doutor Durval Muniz de Albuquerque Júnior, escritor do livro A invenção do Nordeste e outras Artes, Humberto Teixeira foi importante para Gonzaga dentro e fora do universo musical. “Até pela música-símbolo da trajetória de Gonzaga ter sido em parceria com Teixeira, eu diria que ele teve uma enorme importância, inclusive na articulação e sustentação política da carreira de Gonzaga e na sua articulação ao regionalismo nordestino”.

Entre os discípulos de Gonzaga, Arlindo dos Oito Baixos revela sua preferência. “Eu gostava muito das músicas de Zé Dantas”. Já Dominguinhos reforça a importância de cada um: “Acho que não existe um principal. Humberto tinha uma linguagem mais intelectual. Já Dantas era algo mais popular, pé de serra”, comentou.

Mais sucessos com novas parcerias

A carreira de Gonzaga não inclui apenas esses dois parceiros. Ainda na década de 50, O rei do Baião gravou músicas de Jorge de Castro, Guio de Morais, Sylvio Moacyr de Araújo, Manezinho Araújo, Lupicínio Rodrigues e outros. Quem mais conseguiu destaque foram o mineiro Hervé Cordovil, com quem Luiz gravou “Vida de Viajante”; além de Onildo Almeida, autor de “A feira de Caruaru”.

Na década de 60, outros nomes importantes entram em ação. Entre eles estão: Benil Santos, Raul Sampaio, Rosil Cavalcanti, Nelson Barbalho, Patativa do Assaré, Júlio Ricardo, Severino Ramos, Luiz Queiroga, Antônio Barros e José Clementino, além de Onildo - que ainda fazia canções com o “Velho Lua”.

Nesta época, dois compositores chamaram a atenção. Um deles é Zé Marcolino. Ele nasceu em Sumé, na Paraíba, e sempre gostou da cultura nordestina. Tinha muita vontade de conhecer Luiz Gonzaga e, depois de várias tentativas sem sucesso, resolveu partir para o tudo ou nada. Quando o Rei do Baião se hospedou na sua cidade, ele se dirigiu até o hotel e tentou mostrar o seu trabalho. O encontro não foi como o esperado por Marcolino, mas ele conseguiu uma nova conversa, dessa vez depois do show.

Após o bate-papo, Gonzaga o chamou para uma nova parceira e os dois rumaram para o Rio de Janeiro. Eles conseguiram emplacar outros sucessos como: “Numa Sala de Reboco”, “Matuto Aperriado”, “Cacimba Nova”, “Serrote Agudo” e “Projeto Asa Branca”.

Outra parceira importante desta década foi com João Silva. “Ele foi fundamental porque disse: ‘Gonzaga, vamos cantar umas coisas alegres’. Ele provocou umas coisas em Luiz Gonzaga”, detalha José Mário Austregésilo.

O compositor chegou ao Rio de Janeiro com 17 anos e se apresentou em programas de rádio. Depois que se juntou com o Velho Lua, os dois produziram muitas músicas que caíram no gosto popular, entre elas “Piriri”, "Forró de cabo a rabo", "A mulher do sanfoneiro", "Lenha verde", "Nem se despediu de mim", "Meu Araripe", “Uma pra mim outra pra tu", "Pra não morrer de tristeza" e “Pagode Russo”. João Silva foi o último grande parceiro de Luiz Gonzaga.

Quando Luiz Gonzaga sai do exército e ruma para o Rio de Janeiro, estabelece-se lá como um músico profissional, tocando as músicas mais em voga na época, como polcas, valsas e tangos. Certa noite, um grupo de estudantes cearenses que acompanhava a apresentação interpelou o sanfoneiro, incitando aquele músico a tocar as coisas da sua terra de origem. A provocação fez com que Gonzaga resgatasse sua experiência de infância e juventude tocando nas festas do seu interior e seguindo os passos do pai, lembrando daquelas músicas.



Com a composição Vira e mexe, um chamego, Luiz Gonzaga consegue chamar atenção pelo jeito diferente de tocar e pelo sotaque regional de sua música. Seu chamego tira nota máxima no programa de rádio de Ary Barroso, que promovia um show de calouros, e é contratado por uma gravadora e por uma rádio. Quando percebe que havia espaço para a música regional, e que a sua música era muito bem recebida, começou a encarnar a identidade do sertanejo nordestino e a se tornar a voz do sertão brasileiro.



À sua qualidade de instrumentista, Gonzaga foi acrescentando diversos outros elementos para compor não só canções, mas um tipo que resumisse a sua terra de origem, o sertão do Araripe. Trajando roupas de cangaceiro e de vaqueiro, falando com trejeitos do povo simples do qual ele mesma fazia parte, cantando temas e paisagens do sertão, o músico construiu um mosaico de referências que acertou em cheio o coração de migrantes nordestinos e agradou da massa de trabalhadores às classes abastadas com sua dança, melodias e carisma.



Em 1945, quando grava sua primeira canção com voz e conhece Humberto Teixeira, Luiz Gonzaga já estava havia 15 anos longe de Exu, sua cidade natal. O baião foi gestado enquanto o seu futuro rei estava longe de casa. E foi exatamente quando fez sucesso com sua música e investiu forte no regionalismo que Luiz voltou para casa e reencontrou sua família(link animação Luiz Gonzaga Volta para Casa), seu sertão, o gado, as casas de reboco, o seu pé de serra.







Para sintetizar suas influências e reforçar a nordestinidade do seu trabalho, Gonzaga começou a procurar por um parceiro musical que pudesse fazer letras para suas canções identificadas com a paisagem sonora que ele desenhava em sua sanfona. Encontra então Humberto Teixeira, advogado cearense também radicado no Sudeste do Brasil. O Velho Lua mostrou o que planejava, Teixeira topou e eles compõem então a primeira parceria, Baião. Os versos não deixam dúvidas de que eles sabiam que estavam criando algo: “Eu vou mostrar pra vocês como se dança o baião/E quem quiser aprender, é favor prestar atenção”.



O auge desta síntese acontece em 1947(link linha do tempo), quando Gonzaga lança Asa Branca, que viria a ser a mais conhecida e reverenciada música de sua carreira. Com seu baião virando febre e vendendo muitos discos, Luiz Gonzaga é empossado como “Rei do Baião” e Humberto Teixeira ganha o título “Doutor do Baião”. A busca por uma sonoridade cada vez mais identificada com o sertão, o rei encontra um novo parceiro, também fundamental para a cristalização da sua sonoridade e temática: Zédantas. Com o médico pernambucano, Gonzagão mergulha ainda mais em referências rurais, sertanejas, encarnando um povo que, até então, não “existia” para o centro-sul do Brasil.



O trio

Uma das mais emblemáticas criações de Luiz Gonzaga, o trio instrumental de forró é repetido e usado como referência principal de sonoridade até hoje por forrozeiros velhos e jovens. A sanfona ladeada de um zabumba e um triângulo é um dos símbolos mais fortes do forró, musicalmente e visualmente. O trio de forró não era uma formação corrente, foi Gonzaga que o concebeu e, a partir daí, a configuração passou a ser usada por seus seguidores.



Sendo a sanfona um instrumento bastante completo, que toca desde os baixos até os solos de uma música, e sendo a música nordestina impregnada de um ritmo pulsante, feito para dançar, o Rei do Baião resumiu sua banda ao fole acompanhado de dois instrumentos percussivos e pulsantes.



O zabumba, evolução do melê, instrumento de marcação usado nos forrós de antigamente, tem o som grave de um tambor, marcando o coração do baião, e o ataque agudo de resposta, conseguido com o famosos “bacalhau” (tipo de baqueta). Se de um lado o zabumba faz a marcação com um som encorpado, Gonzaga trouxe para seu outro lado um instrumento de acompanhamento agudo, o triângulo.

O triângulo, até então, não era um instrumento usado comumente nos bailes e shows. Luiz Gonzaga ouvia vendedores de rua passando com seus triângulos, que tocavam para chamar atenção e atrair clientes. Imaginou aquele estalo metálico sendo tocado ritmicamente para acompanhar sua sanfona. Estava formado o trio de forró. Com essa formação, o Rei do Baião garantiu o remelexo e cadência típicas da nova música que criou. E, com ela, criou também o Nordeste, que trouxe impregnado na sanfona.

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Um dos mais importantes artistas brasileiros de todos os tempos, Luiz Gonzaga completaria, nesta quinta-feira (13), 100 anos de idade se estivesse vivo. Sua música, seus causos, suas vestes de vaqueiro e cangaceiro, seu carisma e genialidade causaram um impacto único na cultura brasileira e mexeram com a identidade do povo, especialmente o nordestino.

Para marcar data tão importante, o LeiaJá preparou um site especial sobre a vida, a obra e o legado do Rei do Baião, revisitando e analisando a importância que Gonzaga teve e tem na construção da identidade do Nordeste brasileiro. Muito mais do que apenas um sanfoneiro, Seu Luiz foi um sintetizador da cultura nordestina que vivenciou na sua infância, no Sertão do Araripe, em Pernambuco, para criar algo novo. Essa novidade transformou o cenário musical brasileiro e incluiu o Nordeste no mapa do Brasil.

A passagem do tempo na vida de Gonzaga; a parte musical da sua família; a alquimia que gerou o baião; seus parceiros musicais e apadrinhados; e o Parque Aza Branca, que o próprio Rei do Baião comprou e começou a construir em Exu, sua cidade natal, para ali fazer seu memorial; além de entrevistas e vídeos de animação exclusivos contando algumas histórias do rei do Baião. Tudo isso você encontra no especial Luiz Gonzaga, o Inventor do Nordeste.

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