Tópicos | Mostra de SP

Mostras de cinema megalômanas e virtualmente inabordáveis, como as de São Paulo e Rio, têm seus hits do cinema de autor, mas também escondem pequenas pérolas destinadas ao esquecimento. Uma delas é este modesto documentário "Felicidade: Terra Prometida", do francês Laurent Hasse. Ele não é um Abbas Kiarostami, um Raúl Ruiz, um Manoel de Oliveira, um Marco Bellocchio ou um Ken Loach. Não vai lotar salas, nem mesmo durante essas efêmeras celebrações do cinema dito de arte. Mas tem seu valor.

O projeto é simples, e tem a ver com a singular filosofia dos andarilhos. Colocar o pé na estrada e ver o que acontece. No início do filme, ouvimos uma voz e não vemos quem fala. Ficamos sabendo do projeto do cineasta: atravessar a França, de Sul a Norte, quebrar hábitos sedentários de parisiense e descobrir o país.

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Também ficamos sabendo, aos poucos, dos antecedentes do diretor, de um acidente de carro, um atropelamento que quase o matou. Andar de novo foi um aprendizado e uma proeza. Houve uma sequela: a perda total do olfato. Mas pernas, olhos e ouvidos parecem em bom estado.

Laurent Hasse percorre de fato seu país, durante o inverno ("para evitar os turistas") e ouve o que as pessoas têm a dizer. Registra seu cotidiano. E tem uma pergunta singela para fazer a cada uma delas: "O que é a felicidade?". Pergunta, claro, que retoma o célebre documentário de Jean Rouch e Edgard Morin, "Crônica de Um Verão" (1961), no qual perguntavam às pessoas da região parisiense se eram felizes.

Talvez não se descubra aí uma definição da palavra felicidade - um dos entrevistados, jogando com o termo francês bonheur, diz que a felicidade é apenas isso, bonnes heures, boas horas que vivemos. Quer dizer, algo efêmero, a ser buscado mais em si mesmo e nas pequenas coisas do que nas grandes realizações, na riqueza, ou nas vitórias. Sim, o filme tem esse lado de autoajuda, mas nunca soa banal. Além disso, Laurent Hasse tem o dom de registrar imagens belas (não bonitinhas) e também de criar empatia com os personagens que se abrem, às vezes de maneira inesperada, para seus olhos e ouvidos. Bonito filme, bastante simples, um relato em primeira pessoa, porém construído pelos olhos e ouvidos dos outros. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

FELICIDADE: TERRA PROMETIDA

Matilha Cultural - Quinta, às 20h30

Quando garota, em Túnis, Claudia Cardinale queria ser menino. "Vivia na rua, brincando e brigando. E não falava." Depois, de tanto forçar as cordas vocais, sua voz adquiriu a rouquidão que se tornou uma das características de sua persona cinematográfica - e que grandes diretores como Luchino Visconti souberam usar tão bem. Claudia, 73 anos, está em São Paulo. Veio para a Mostra Internacional de Cinema, que a homenageia, além de exibir dois filmes. "Era Uma Vez no Oeste", de Sergio Leone, é um marco da tendência chamada de spaghetti western, e passa na versão restaurada, com aquela trilha de Ennio Morricone. O outro é "O Gebo e a Sombra", o novo Manoel de Oliveira.

"Faço uma mãe que vive à espera do filho pródigo. Há uma revelação decisiva sobre o caráter desse filho", ela define sua personagem. E como é trabalhar com um diretor de 100 anos? "104", ela corrige. "Manoel tem mais energia que nós dois juntos. É um esportista. O filme foi rodado em 25 dias. Câmera fixa, tomadas longas, como no teatro. Ele ficava modelando a voz da gente, os gestos. E todo dia, antes de se encerrar no estúdio, ele nadava."

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E Leone? "Faço uma personagem tradicional do western, a p... de bom coração. O que mais posso dizer? Sergio filmava a gente em câmera lenta. A câmera parecia perscrutar o rosto da gente. Ele buscava uma música interior, sobre a qual colocava a música de Morricone." Claudia não gosta de viver no passado, mas sabe que pertence a uma época de ouro do cinema italiano. Filmou com os maiores - Luchino Visconti, Federico Fellini, Valerio Zurlini, Luigi Comencini. O próprio Mauro Bolognini, considerado um Visconti menor, era um esteta e ela ama "Caminho Amargo", em que dividia a cena com Jean-Paul Belmondo. "É um filme que permanece inteiro, muito bonito", avalia.

Alguns dos homens mais belos do mundo foram seus companheiros de elenco - Alain Delon, Alain Delon, Alain Delon. "Quando filmamos a cena do beijo em 'O Leopardo', Luchino (Visconti) me chamou no canto e disse que seria um plano próximo e que ele queria ver minha língua entrando na boca de Alain." Ela conta e ri, como se fosse uma travessura. "Sempre fui pela superioridade feminina. Luchino era gay assumido. Gostava de explorar minha força."

Seus ídolos, quando começou, no fim dos anos 1950, eram Brigitte Bardot e Marlon Brando. OK, ela não vive no passado, mas se arrepende de algumas coisas que não fez. Era frequente atores como Delon e Belmondo tentarem seduzi-la. Na primeira vez que foi aos EUA, Marlon Brando chegou no quarto do hotel com flores e champanhe. Ela o dispensou, mas quando fechou a porta, admite que pensou. "Sono una stronza", como sou burra. Claudia possui um currículo impecável de grandes filmes, mas pode colocar nele, também, que disse não para o homem que encarnava, na época, a sedução de Hollywood. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Há dois anos, ao completar 60 anos, Amos Gitai recebeu um belo presente de Jeanne Moreau. A mítica atriz francesa alugou um teatro em Paris e leu para ele as cartas de sua mãe - a mesma correspondência que foi editada na França por Gallimard e que Gitai negocia com a Cosac Naify para lançar no Brasil, em 2013 ou 2014. O grande autor israelense, vencedor do prêmio humanitário da Mostra, está de novo em São Paulo. Gitai participou no sábado, no Cinesesc, de um debate sobre seus filmes "Carmel" e "Canção para o Meu Pai". Compõem um díptico. Falando de sua mãe e de seu pai, ele aborda de um novo ângulo questões importantes da história de Israel.

"Já fiz filmes sobre a religião, Kadosh, sobre a guerra, Kippur, e sobre o processo de formação de Israel, Kedma. O filme sobre as cartas de minha mãe (Carmel) me permite agora olhar a grande História por meio de uma personagem rica e complexas, mas anônima, da mesma forma que meu pai me fornece ferramentas para falar do ofício dele, era arquiteto, e do meu", o diretor explica na entrevista realizada num hotel da Paulista. Debruçar-se sobre os arquivos de seus pais lhe deu uma perspectiva mais funda - e íntima - de quem eles foram e do que ele próprio se tornou.

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"Minha mãe viveu em Londres e, nesse período, fiquei num kibutz. Já naquela época eu era um agitador, que adorava contestar. Sou crítico em relação a Israel, mas isso não significa que não ame meu país." As cartas da mãe tratam, entre outros assuntos, da guerra e Gitai filma o filho, soldado do Exército de Israel. Os grandes temas misturam-se aos banais para compor o mosaico dessas vidas que foram intensas.

O pai foi arquiteto na Bauhaus. Trabalhou com Mies van der Rohe, Wassily Kandinsky e Paul Klee. Preso pelos nazistas e acusado de traição ao povo alemão, conseguiu sobreviver e migrou para Israel. Fazendo uma arquitetura social, ensinou desde cedo ao filho que o comprometimento é fundamental na vida do homem. Os filmes foram difíceis de fazer (e montar)? "Ia filmando e agregando o material de arquivo, compondo blocos. Quando sentia que faltava alguma coisa, voltava a filmar. A cena com Jeanne Moreau foi a última coisa que filmei em Carmel."

O cinema de Gitai fornece um testemunho visceral da situação no Oriente Médio. E ele filma o que ninguém mostra. Agora mesmo, em janeiro, inicia uma ficção inspirada em fatos. Num reduto palestino, um médico descobriu uma mulher com deficiência de cálcio nos ossos. Perguntou-lhe se havia passado fome na infância. Sim - nos campos de concentração dos nazistas, aos quais sobreviveu com a mãe. As duas migraram para Israel, ela se apaixonou por um palestino. "São histórias de amor, convivência e superação que vale a pena contar", Gitai reflete. Ele teme pelo futuro do Oriente Médio. "Aquilo sempre foi sangrento, mas pode ficar ainda mais." Na eleição norte-americana, Mitt Romney tem criticado Barack Obama por sua fraqueza na região. "Nós sabemos o que é força para os republicanos. É militarização, mais guerra." Gitai está preocupado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

CANÇÃO PARA O MEU PAI

Cinemark Shopping Cidade Jardim - terça, às 19 h

CARMEL

Reserva Cultural - terça, 15h30

OUTROS DESTAQUES

"No" - O filme do chileno Pablo Larraín, que abriu a Mostra este ano, tem Gael García Bernal como publicitário que faz campanha vitoriosa contra Pinochet. Às 14 h, no Cine Livraria Cultura - Sala 1

"Uma História de Amor e Fúria" - A animação de Luiz Bolognesi conta séculos de história do Brasil por meio de personagens esculpidos na voz e no corpo de Selton Mello e Camila Pitanga. Às 16h10, também no Cine Livraria Cultura - Sala 1

"Repare Bem" - O documentário de Maria de Medeiros reabre a questão dos direitos humanos sob a ditadura. Às 18h30, no Itaú Frei Caneca 1

No ano passado, foi apresentado apenas um work in progress de "Mundo Invisível", coletânea de curtas rodados por cineastas (nacionais e estrangeiros) que revelavam aspectos de São Paulo que passam despercebidos pela maioria das pessoas. Mesmo assim, foi uma sessão marcada pela emoção, pois o idealizador da Mostra de Cinema de São Paulo, Leon Cakoff, então recém-falecido, surgiu na tela como ator em dois dos dez episódios.

A emoção deverá se repetir nesta segunda, quando "Mundo Invisível" será finalmente exibido como um produto acabado - ganhou, inclusive, mais um curta, "Kreuko", de Beto Brant e Cisco Vasques, inédito até então. Como acontece em filmes com histórias dirigidas por várias mãos, predomina a irregularidade. Mas é a partir dessa pluralidade que surge sua força maior.

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Além de Brant, o filme tem episódios dirigidos por Manoel de Oliveira, Jerzy Stuhr, Guy Maddin, Gian Vittorio Baldi, Marco Bechis, Wim Wenders, Maria de Medeiros, Theo Angelopoulos, Atom Egoyan e Laís Bodanzky.

Em "Do Visível ao Invisível", de Oliveira, Leon Cakoff se encontra com o amigo Ricardo Trêpa (neto do diretor), na Avenida Paulista. Eles tentam conversar, mas a cada instante são interrompidos pelo celular um do outro, que insiste em tocar. Finalmente, decidem conversar por telefone para enfim se comunicar. Fino observador, Oliveira mostra que, na era das comunicações, o homem não consegue mais dialogar da forma mais simples.

Cakoff retorna no mais complexo e certamente mais particular para ele dos episódios: "Yerevan - O Visível", dirigido por Atom Egoyan. Trata-se da história de um homem que vai a Yerevan, capital da Armênia, para resgatar a trajetória de seu avô desaparecido. Ele se posiciona praça principal com um cartaz e uma série de fotos, na esperança de alguém reconhecer o avô.

A narração, em off, é do próprio Cakoff que, como Egoyan, é de origem armênia. Exercício de memória, no qual indivíduo e história se mesclam em depoimento comovente, o episódio traz um dos mais belos testamentos deixados pelo criador da Mostra. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

MUNDO INVISÍVEL

Cinemateca - segunda, 21h

Reserva Cultural - 3ª, 17h30

MIS - 4ª, 14 h

Itaú Frei Caneca - 5ª, 22h25

É a segunda vez de Sergei Loznitsa no Brasil e a primeira em São Paulo. Antes da retrospectiva na Mostra Internacional de Cinema, já houve outra de sua obra documentária e ficcional no Recife. Loznitsa ficou amigo do curador - o crítico e cineasta Kleber Mendonça Filho. Ele viu o filme de Kléber, "O Som ao Redor"? "Só a metade, porque deu pane no sistema digital e a projeção foi interrompida." Estava gostando muito. Loznitsa conversa com a reportagem num hotel da Alameda Santos. Fica lisonjeado quando o repórter lhe transmite o elogio de Andrei Andreiévitch Tarkovski. O filho do grande diretor disse que Loznitsa é o autor que melhor espelha o que é hoje a Rússia pós-comunista. "Ele disse mesmo isso?", Loznitsa pergunta.

A Mostra exibe agora seus documentários e as duas ficções. Pela primeira, "Minha Felicidade, My Joy", ele ganhou o prêmio da crítica da Mostra em 2010. Pelo segundo, "In the Fog, Na Neblina", venceu o prêmio da crítica de Cannes, em maio. "Não faço filmes para ganhar prêmios, mas é muito bom obter reconhecimento", admite. Ser um crítico do regime do czar Vladimir Putin cria problemas. "Quando apresentei Minha Felicidade ao comitê de financiamento do cinema, eles foram logo dizendo que desistisse. O filme não ganharia um centavo do comitê." "My Joy" foi feito com dinheiro da Alemanha e Ucrânia, onde ele nasceu. "In the Fog" ganhou dinheiro na Rússia somente depois de haver sido filmado.

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Loznitsa reside em Berlim, mas filma na Rússia. Embora não se sinta em perigo, admite que a trajetória de muitos oposicionistas de Putin tem sido interrompida à bala. Por que, depois de um filme sobre a Rússia pós-comunista, outro sobre a Rússia ocupada pelos alemães, durante a 2.ª Grande Guerra? "A história da ocupação e da resistência foi sempre mal contada pelo cinema e pela historiografia oficial, mas explica muita coisa que se passou depois, no contexto do stalinismo e da Guerra Fria", ele resume.

Há dez anos Loznitsa sonhava adaptar o romance do bielo-russo Vasyl Bykov. No país ocupado, um homem suspeito de ser agente duplo vai ser executado, mas um de seus captores (são dois) é atingido por um tiro. Como em "Minha Felicidade", Loznitsa cria uma metáfora poderosa. Durante boa parte da narrativa, o personagem carrega um morto. E há a neblina do título. O peso morto - que evoca o Richard Burton de "Amargo Triunfo", mas Loznitsa diz que não viu o filme famoso de Nicholas Ray - e a neblina configuram uma crítica à maneira como os russos ainda veem a 2.ª Guerra. Vem do livro?

"Digamos que estejam lá, como muitas outras coisas que também coloquei no filme. Mas não estão na mesma ordem nem têm a mesma importância. Como adaptador, escolhi o que me interessa para falar de temas que considero relevantes. As escolhas morais, o comprometimento é que movem." Loznitsa demorou em torno de um ano e meio para fazer cada filme. Quando escreve o roteiro, ele já pensa na filmagem - e na edição. Sua estética privilegia o plano-sequência. "Quando os resistentes emergem da florestas, eu poderia fazer a cena cheia de cortes, mas prefiro o plano-sequência. O que ele me dá? A concentração do tempo."

Seu próximo filme, na Bielo-Rússia, de novo após a 2.ª Guerra, será sua experiência mais radical. "Vou contar várias histórias sem um protagonista." Será um projeto de risco. "Poderei afundar, com meus investidores. Mas estamos excitados, e a as pessoas que vão fazer o filme comigo estão acreditando no projeto." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

NA NEBLINA

Cine Sabesp - segunda, 21h40

Faap - terça, 15h

Espaço Itaú Frei Caneca - 4ª, 21 h; 5ª, 14 h.

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